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Arquitetura da cena

por Carla Caffé

A diretora de arte Carla Caffé leva para o cinema o diálogo entre linguagens, como desenho e artes visuais, para problematizar o espaço
 

Foto: Juan Esteves
 

Formada em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Carla Caffé vem construindo uma trajetória com trabalhos que reforçam a importância da memória urbana e da apropriação da cidade.

Expôs na 4ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo e na Pinacoteca de São Paulo. No teatro, trabalhou com Antunes Filho, Companhia de Ópera Seca e Teatro Oficina. É autora dos livros Av. Paulista (Coleção Ópera Urbana; Cosac Naify e Edições Sesc, 2009) e São Paulo Na Linha (DBA, 2000).

Responsável pela direção de arte de filmes que se tornaram referência para o cinema brasileiro, como Central do Brasil (Walter Salles, 1998) e Bossa Nova (Bruno Barreto, 2000), ambos em parceria com Cássio Amarante, além do premiado Narradores de Javé (Eliane Caffé, 2003). Renovou a parceria com Eliane em Era o Hotel Cambridge (Eliane Caffé, 2016), que foi selecionado para o Festival espanhol de San Sebastian e exibido durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Arquitetura e direção de arte

A formação do arquiteto é bastante abrangente, por um lado lida com questões artísticas e por outro com questões tecnológicas. Já a visão humanista tem que estar em todos os setores. A educação traz um pouco dessa sensibilidade do papel social que temos. Não dá para estarmos num trabalho autoral sem olhar para o lado.

Quando realizamos um projeto arquitetônico, a questão da tecnologia está presente. Portanto, é importantíssimo se ater a seu propósito. A arquitetura está sempre envolvida com o ser humano. Ela consegue abranger muitas áreas, o cinema especialmente. É engraçado porque se percebe cada vez mais uma influência da arquitetura na direção de arte. Na verdade, a maioria dos diretores de arte são formados em arquitetura e não em cinema, ou seja, problematizam o espaço, a arquitetura da cena.

Nosso espaço

É cada vez maior a necessidade de se apropriar da cidade. Por um tempo vivemos convencidos de que isso era apenas obrigação do poder público, mas vimos que isso é assunto nosso. Então por que você não vai arrumar a praça em frente à sua casa, por exemplo? Ela também é sua. Claro que há questões políticas envolvidas, mas vejo que está aparecendo uma nova forma de se relacionar com a cidade. E a arte está presente nisso, pois ela consegue questionar essas fronteiras entre o poder público e a atuação como cidadão, artista ou ativista. Um dos papéis da arte é suscitar esses questionamentos.

No ato do desenho de observação temos a permanência, a qual provoca uma reflexão sobre o pertencimento àquele lugar, uma escuta de quem vive ali. Engraçado como as coisas são cíclicas! Vejo o desenho como uma intervenção, uma intervenção que incomoda. Mas outras vezes atrai, provoca o encontro. Enquanto desenho, aproxima-se alguém e pergunta o que estou desenhando, começa uma conversa. Então, estar num lugar é um ato muito performático. No entanto, no terreno de São Paulo, que muitas vezes se apresenta hostil – falo isso porque em ocasiões já fui proibida de praticar o desenho de observação –, a cidade é um pouco proibitiva.

Largo da Batata

O movimento do Largo da Batata (Batata Precisa de Você realiza ações culturais e de revitalização do Largo, na capital paulista, desde janeiro de 2014) é uma apropriação do espaço público, da praça cívica. Não é à toa que os atos de protestos são tão vinculados àquele espaço. É uma onda que representa o movimento para pertencermos às regiões que frequentamos.

Movimentos assim não transformam só o espaço, mas as pessoas. Em 2010 realizei o trabalho Memória da Paisagem do Largo da Batata, que ainda considero atual porque mexe com a memória. No meu caso, no trabalho com memória urbana utilizo a linguagem do desenho.

Cinema em construção

É um trabalho horizontal e precisa ter um maestro, no caso, o diretor. Ele desempenha uma função agregadora que o diferencia do roteirista, do diretor de arte. Um filme não acontece sem a parceria da equipe. É parecido com uma banda de música.

Em especial sobre a direção de arte, é difícil ler uma crítica que a aborde. Adoraria ler uma que contemplasse a direção de arte, a fotografia, a edição de som. As análises ficam restritas à figura do diretor, do ator, o que reduz reflexões importantes para a evolução do cinema. Seria incrível ampliar a noção das várias etapas envolvidas no cinema.

Por exemplo, no filme Era o Hotel Cambridge [dirigido por Eliane Caffé, do qual Carla é responsável pela direção de arte], percebi quanto a etapa da pré-produção pode se comunicar com a arquitetura. Geralmente focamos na produção, ou seja, no filme pronto, mas as etapas que antecedem a filmagem são inspiradoras.

Nesse filme envolvemos na pré-produção a Escola da Cidade (escola de arquitetura de São Paulo), porque ele aconteceu dentro de uma ocupação. Decidimos que filmaríamos na ocupação Cambridge e, como dou aula na Escola da Cidade, sei quanto o tema da habitação é relevante numa escola de arquitetura. Por isso, resolvi fazer com que os alunos participassem dessa etapa. Fizemos um acordo: a escola daria o desenho da direção de arte e a equipe executaria esse desenho, o que abriu possibilidades inovadoras de trabalho.

Percebi quanto o cinema poderia estar atrelado à arquitetura. O cinema hoje em dia é tão independente tecnologicamente que permite a abertura de diferentes frentes de atuação, nas quais trabalhamos com mais criatividade.

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