60 anos de educação e lazer

Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo

13/11/06

As idades do SESC


É com muita satisfação que participamos desta sessão solene com a finalidade de comemorar os 60 anos do SESC São Paulo, por solicitação dos Deputados Simão Pedro e Vicente Cândido.

Momentos de aniversário são momentos estranhamente elucidativos.  Muita gente acha que depois de certa idade não seja mais preciso comemorar... talvez porque as velas que marcam os anos não caibam mais no bolo, talvez porque os engraçados docinhos já viraram uma coisa que engorda, ou talvez porque as línguas-de-sogra mais vigiam do que divertem...

Estas pequenas mudanças fazem a gente entender algumas coisas: que o tempo passa e transforma nossa relação com a sociedade. Se na infância, o corpo se lambuza do mundo, na maturidade as escolhas são mais serenas, pois nossa alma já aprendeu a se equilibrar.

[AS IDADES DO SESC]
Com 60 anos, podemos dizer que o SESC já é um senhor respeitado, que sua existência foi legitimada pela população. É também um parceiro confiável do Estado, que não guarda preferência por governos. Cumpre seu papel social, agindo com profissionalismo, ética e compromisso com os direitos humanos.

A sua maturidade o ensinou a dizer não, a se impor, sem deixar ninguém na mão por conta disso. Toda esta maturidade é fruto de sua herança – o SESC é filho de empresários e políticos comprometidos com um Brasil moderno, desenvolvido e, sobretudo, igualitário.

Este SESC maduro não esqueceu seu DNA e expressa um Brasil onde todos possam ter qualidade de vida e promoção social. Mas, paradoxalmente, este SESC maduro convive com um SESC criança.

Um SESC que pulula uma inquietude, uma paixão lambuzada de presente, um brilho nos olhos, afã do vir a ser. A gente vê que o SESC tem uma meninice sadia, fruto da diversidade que fermenta o novo. Pois o que corre nas suas veias não é sangue, mas é a cultura, algo que não envelhece enquanto for diversa.

Nós, como gestores do SESC, estamos sempre atentos a estas duas idades dele.

[RECORDAÇÃO]
Queria pedir licença a todos para fazer desta homenagem um minuto de reflexão. No fundo, quando a gente recorda e observa estas imagens do vídeo, elas nos ajudam a reafirmar a identidade do SESC e lembrar de sua missão em nosso país.

Gostaria de falar um pouco sobre estas duas idades do SESC – a maturidade e a meninice.

[A MATURIDADE: herança histórica]
Começo pela construção da maturidade, a sua herança histórica, seu pacto social com a modernidade, a democracia e os direitos humanos:

Nos idos dos anos 40, emergia a cultura humanística na literatura, as artes sentiam o eco da Semana de 22 e foram cunhadas as bases para o pensamento sociológico brasileiro com Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda. Capanema reformulava o ensino em todo o país, momento contemporâneo à criação da UNE, União Nacional dos Estudantes. Nascia a revista de estudos brasileiros “Cultura Política” e vários jornais, a exemplo do “A Manhã”, além do memorável Repórter Esso. No campo da indústria, era criada a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Hidrelétrica de São Francisco, entre outras.

Como numa enorme caldeira, o Brasil fervilhava o desenvolvimento, a modernidade.

O ano que antecedeu o nascimento do SESC foi marcado pelo final dos totalitarismos, da Era Vargas e da Segunda Grande Guerra. Também foi criada a Organização das Nações Unidas, em meio a uma enorme onda de redemocratização que varreu o mundo.

Uma onda que derrubava ditaduras e impulsos imperialistas presentes na Europa e no Oriente. Este foi o terreno fértil que nutriu o nascimento do SESC: o processo de redemocratização do mundo e a caldeira que modernizava o Brasil.
O SESC, desde cedo, se inflou deste fresco ar humanista que convocava o mundo para a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Um dos documentos básicos das Nações Unidas pela ética, pelo respeito, pela liberdade e pela paz foi assinado em 1948.
Em nossa São Paulo atenta às vanguardas, Mário de Andrade já anunciava, há alguns anos, a necessidade de retomar o que ele chamava de direitos imortais da sociedade. Nas palavras dele:

“o abandono temporário de elementos do ser e da humanidade só prejudica e atrasa as formas novas da sociedade humana. Depois disso, então inteligência, cultura e o indivíduo retomarão de novo os direitos imortais [da sociedade]”.

Mário de Andrade foi visionário ao perceber que as idéias humanistas precisavam ser encarnadas em ações, em atitudes concretas. O Brasil só poderia crescer se investisse na distribuição da inteligência e da cultura, pois estes eram os bens que verdadeiramente formavam a nação. Ele dizia:

“Precisamos organizar os serviços, forçar a vitalidade dos museus e a criação de institutos culturais que ajam pelos processos educativos extrapedagógicos que cada vez mais estão se tornando os mais capazes de ensinar... são imprescindíveis igualmente os institutos culturais em que a pesquisa vá de mãos dadas com a popularização da inteligência”.

Mário de Andrade rascunhava utopias no final dos anos 30. Utopias que o SESC viria a realizar logo mais, transformando idéias humanitárias em ações.

Tornou-se um lugar para desenvolver processos educativos extrapedagógicos, de vulgarizar e popularizar da inteligência, para usar as palavras do poeta.

Se traduzirmos para as palavras de hoje: tornou-se um centro para a promoção social e a democratização da cultura.

[O SESC HOJE]
Hoje, em todo o Estado de São Paulo, somos 30 endereços, 15 na capital e 15 no interior do Estado, além do Portal SESCSP e da emissora de televisão, SESCTV. Ao todo, somamos 3.500 funcionários e mais 4 mil empregos indiretos que oferecem para a população atividades e serviços nas áreas de cultura, esportes, atividade física, meio ambiente, alimentação, saúde, terceira idade e turismo, entre outras.

Somamos 1 milhão e 200 mil matriculados e um número atendimentos semanais que circula em torno de 300 mil nesta época do ano. Isto nos mostra que o SESC é uma instituição viva, pulsante e presente no dia-a-dia da população.

[A MENINICE: a opção pela cultura]
Todo este movimento mostra que a idade, para o SESC, nunca foi sinônimo de obsolescência. Pois o SESC trata de um bem que não se esgota nunca, que jamais envelhece ou morre. Ele trata do que amplamente chamamos de Cultura. 

Chegamos aqui ao entendimento desta segunda idade do SESC – a meninice, que renova a fonte de sua juventude na dinâmica cultural do país.

A cultura, como a língua de um povo, é viva e recriada a cada dia. Ela dá identidade para nós e cria sentido para as coisas. Nós só podemos conviver juntos, aqui, porque fazemos parte de uma mesma cultura. Se imaginarmos que um homem pode parecer sempre jovem se for congelado, podemos crer que a cultura tem uma dinâmica oposta: se for artificialmente congelada, ela envelhece e morre, sem deixar vestígios.

Para não deixar a cultura congelar, é preciso injetar um tempero muito precioso nela: a diversidade.

É por isso que o tempo que o SESC opera é o do presente, diversificando a cultura. Age e dialoga sempre com seu público, oferecendo o que é contemporâneo, o que é vanguarda, com um permanente compromisso com a diversidade. E não apenas a cultura que o SESC apresenta é diversa. O público também é: crianças, jovens, adultos e idosos freqüentam o SESC, assim como ricos e pobres, como analfabetos e doutores.

Quando as pessoas vão ao SESC, é porque se reconhecem nele, sabem que encontram ali um respeito pelo diverso, pelo novo, pelo presente, pela língua que é falada no mundo de hoje.

O SESC só envelhecerá se ele deixar de ser cuidado, deixar de ser diverso.

Talvez este envelhecimento nos afete, por exemplo, com a criação de dois tipos de trabalhadores do comércio, um com direitos e outro sem direitos. Isso desbota a nossa diversidade, a nossa meninice, da mesma forma que desalenta a nossa maturidade, nossa militância pelos direitos iguais.

Gostaríamos muito que o SESC continuasse sendo cuidado não só pelos seus funcionários e por seu 1 milhão e 200 mil matriculados, mas também por todos os representantes políticos e pela legislação brasileira.

O SESC sempre viveu em tensão com o presente. Quando o presente mudava, ele também mudava. Isto demonstra uma vigorosa cumplicidade com a sociedade brasileira, com o desenvolvimento do país. Nosso esforço sempre foi este ao longo da história e acho oportuno esclarecer que o SESC sempre agiu com excelência, sempre foi um imposto bem utilizado para beneficiar o trabalhador e sua família.

[A HISTÓRIA DO SESC]
Lembremos que nos anos 40, as deficiências de saneamento básico das cidades brasileiras e a incidência de doenças endêmicas, como a tuberculose, colocavam em risco a força de trabalho urbana.

Foi por isso que, nas décadas de 40 e 50, o SESC São Paulo construiu um dos melhores sistemas de proteção à saúde em geral e, em particular, à infância e à adolescência, além de fundar, em 1948,  a primeira Colônia de Férias do Brasil, em Bertioga.

... assim como nos anos 60 e 70, priorizou os programas de assistência, educação e ação comunitária, corroborando com as necessidades brasileiras de formação e amparo ao trabalhador para o desenvolvimento socioeconômico, inaugurando Centros de Atividades, Centros Infantis, o Restaurante do Comerciário,  as Unidades Móveis de Ação Social e instaurando o vanguardista Trabalho Social com Idosos já  em 1963.

... e, a partir da década de 80, definiu como foco a promoção do lazer e da animação sociocultural, catalisando um novo processo de democratização brasileira e transformação econômica mundial, com um novo padrão de centros culturais e esportivos, expresso no ícone SESC Fábrica na Pompéia1 , de 1982. Nesta época também foi vanguarda o Turismo Social, reconhecido internacionalmente e, mais recentemente, o Programa Mesa Brasil, adotado pelo governo federal.

Esta permanente tensão com a realidade brasileira é muito clara para nós. Neste breve histórico podemos perceber que o SESC está “(...) sempre integrado aos interesses maiores da Nação e articulado com as instituições públicas e particulares empenhadas na mesma finalidade”.2

Por isso tudo, podemos dizer que, ao longo destes 60 anos, o SESC São Paulo acumulou um patrimônio que vai além do que podemos quantificar em números.

O SESC não é só uma experiência que deu certo. Nestes 60 anos, ele consolidou um jeito de existir, um jeito de ser. Hoje, é comum ouvirmos em São Paulo expressões do tipo “Isso tem a cara do SESC”, quando alguém se refere a algo diferente, novo, inusitado e de qualidade.

[O JEITO SESC DE SER]
Este jeito SESC de ser é, hoje, um modelo de ação. Como disse, estes 60 anos nos deram muita experiência, certa maturidade e algumas certezas.

Cremos que tudo deve ser feito para ser voluntariamente assistido, fruído e experimentado pelas pessoas que escolhem ir ao SESC em seu tempo livre.

Esta escolha voluntária é uma primeira certeza que acumulamos ao longo dos anos: trabalhamos para oferecer experiências, a serem livremente escolhidas pelas pessoas. Ou seja, trabalhamos para o lazer. O lazer é algo voluntário. E quando escolhemos, somos co-responsáveis, donos de nossas ações, mais abertos ao contato com o outro, com o novo, com o diferente.

Nesta última semana, mais de 300 mil pessoas escolheram ir ao SESC. Foram porque acreditaram que ali encontrariam um lugar de convivência agradável, bem cuidado, interessante. Um lugar de sociabilidade onde todos os públicos circulam, todos pertencem, todos se incluem. Esta atenção a todos, sobretudo aos públicos minoritários e sem oportunidades é uma segunda certeza que acumulamos ao longo dos anos: trabalhamos para a inclusão. Quando freqüentamos um ambiente diverso e somos aceitos e respeitados, também criamos predisposição para receber o que é desconhecido ou pouco entendido para nós.

Ao participar de eventos, cursos, espetáculos, aulas, consultas, viagens, caminhadas e tantas outras formas de atividades, nosso público se diverte, dá qualidade à sua vida. Mas não só. Em cada uma das ações do SESC há um sentido educativo. Desenvolver autonomia, senso crítico, criatividade. Enfim, nossas ações convidam e incitam o indivíduo a alterar sua percepção do mundo e do outro. E encontramos aqui nossa terceira certeza: trabalhamos para a educação. Quando não somos apenas um consumidor ou um cliente da instituição, mas participamos da dinâmica cultural com o intuito de sentir, perceber ou pensar melhor, estamos cultivando os valores humanos.

Assim, podemos dizer que em nossa já madura vida institucional, sabemos que nosso trabalho é a inclusão social pelo lazer educativo. Mas isso não significa que tudo já esteja pronto, mas sim que alguns objetivos e métodos de trabalho já estão estabelecidos.

Nossa contínua existência no tempo se deve ao permanente estado de atenção e abertura para o novo, para a reflexão, para as inquietações. Se uma instituição estanca, ela não dura e deixa de ser apropriada vivamente pelo público.

Acreditamos que esta apropriação viva, esta pulsação do SESC se deve à sua capacidade de mobilizar a igualdade e acolher a diversidade do presente.

[EXALTAÇÃO]
A diversidade mobiliza as pessoas para um conhecimento intelectual e sensível do outro, seja pela diferença, seja pela semelhança. E, num mundo onde a tolerância é algo tão difícil, difundir cultura diversa e de qualidade é uma atitude política. É por isso que temos que continuar abertos ao diverso, cultivando a nossa duradoura meninice.

Do SESC sempre virá uma vigorosa força da maturidade, com firmes convicções que o crescimento do Brasil precisa ter lastro no desenvolvimento da cultura, da liberdade, da vida, enfim, do ser humano. É por isso que temos que continuar cúmplices com a nossa nação, com os nossos brasileiros, com os nossos paulistas, cultivando a nossa permanente maturidade.

Que venham, pois, mais 60 anos!  Muito Obrigado.

Danilo Santos de Miranda
Diretor Regional do SESC São Paulo

 

 

 


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1 Projeto da arquiteta Lina Bo Bardi
2 Diretrizes Gerais de Ação do SESC.