Sesc SP

postado em 25/03/2022

Chama: a homenagem de Paulo Santos aos biomas brasileiros

Capa do álbum Chama de Paulo Santos | Arte de Pedro Vilela e capa de Alexandre Amaral
Capa do álbum Chama de Paulo Santos | Arte de Pedro Vilela e capa de Alexandre Amaral

O Selo Sesc e o multi-instrumentista mineiro Paulo Santos, que fez parte do grupo brasileiro de música experimental Uakti, apresentam o álbum digital Chama. Produzido entre 2020 e 2021, a obra está disponível nas principais plataformas de streaming e gratuitamente no Sesc Digital e faz um alerta ao desmonte que a Floresta Amazônica, em especial, vem enfrentando nos últimos tempos.

Ao acompanhar pela imprensa as notícias a respeito do sucateamento dos órgãos de defesa da floresta, da falta de proteção aos povos originários, do envenenamento dos rios e da devastação dos biomas brasileiros foi que o músico concebeu a ideia do disco. Essas notícias, tão presentes durante o período de pandemia, em um contexto de necessário isolamento social, levaram a uma profunda indignação com todo esse estado de coisas: “O trabalho tem esse sentido de falar do meio ambiente, da Amazônia, do Pantanal, pois para mim o Brasil é o ‘berço do ar’, que é também nome de uma das faixas do álbum. E ver tudo isso ser destruído me deu certa angústia”, comenta Paulo.

Composto por nove faixas, Chama está repleto de mensagens que alertam sobre a destruição da Floresta Amazônica. As músicas promovem reflexões sobre o papel da sociedade civil e de intelectuais frente às políticas ambientais, e como as autoridades estão criando caminhos para derrubar a Floresta em nome do desenvolvimento econômico, colocando em risco a sobrevivência da fauna e da flora. A obra conta com a produção musical de Paulo Santos e as colaborações de Frederico Finelli, Mauricio Takara e Fernando Sanches. O projeto foi gravado em Belo Horizonte, no Estúdio Três Luas, entre 2020 e 2021.


Chama

Por Benjamim Taubkin

 

Foi com encantamento que escutei este novo projeto do Paulinho Santos.

E não são poucas as razões. Claro primeiro pela simples escuta. Cada peça se apresenta como uma entidade em si mesma. Sem necessidade de outra referência que não o próprio som. E as imagens que vão atravessando a mente enquanto escuto. A primeira transição em Chama... e o rio aparece.

Como o próprio Paulo menciona em seu texto, estamos assistindo passivos e impotentes à destruição do nosso ecossistema. E é este o tema deste disco. É sobre algo que está em processo. Não sobre o passado. E sim, o nosso presente.

O que gera uma estranha urgência.

Não deixa de ser uma trilha sonora, das tantas que Paulinho fez ao longo de sua trajetória. Mas o tema é a própria vida. O filme está passando na nossa cara.

A criação e gravação solitárias em casa não deixam de ser típicos de nossos tempos. Paulo toca todos os instrumentos. Que a percussão seja primorosa não é surpresa, conhecendo a sua excelência e história. Mas o uso de samplers e texturas digitais surpreende pela amplitude das variações timbrísticas – e há de fato um interessante e vivo diálogo entre o acústico e eletrônico.

Muito do que aqui é apresentado nos remete ao Uakti - grupo do qual fez parte durante toda a sua história, em mais de 40 anos.

O Uakti apresentou um caminho muito particular e original na música brasileira. Creio que todos sabem do que estou falando. E entre suas características, uma que se destaca, ao menos para mim, é aquela onde cada voz parece um fio - uma linha; e o que vai compor a estrutura é a trama que estas linhas geram - organizadas. Desenham formas. E muito no que aqui escutamos segue este princípio. Música transparente onde vemos os elementos e ao mesmo tempo o resultado. Relacionando a arquitetura, vem a imagem dos canos aparentes atravessando por fora das paredes e compondo a aparência final.

Outro aspecto que aparece em alguns temas é a proximidade com a música eletrônica, mas neste caso, orgânica e com informação e não a simples repetição exaustiva. Para sacudir o esqueleto, mas também a alma e a mente.

Há uma história que diz que a águia, ao entrar em anos, perde as suas garras. E se vê diante de uma escolha: ou permanece assim, se dirigindo a um fim próximo, ou permite que estas novas garras surjam. Neste processo acontecem a dor e a resistência. E se bem-sucedido, ela volta a caçar.

Este é um desafio com o qual todos nos confrontamos a partir de um tempo na vida.

Com este disco, Paulinho se mostra vivo e criativo - absorvendo o passado, falando do presente urgente e dramático, mas sem dúvida com os olhos postos no que ainda há de ser vivido.

Há uma bonita esperança em tudo isto.