Sesc SP

postado em 13/09/2021

Meneleu Campos

MeneleuCampos Capa

Álbum lançado pelo Selo Sesc traz o primeiro registro da integral dos quartetos de cordas, de números um a quatro, do compositor Octávio Meneleu Campos. Assim como n'outros trabalhos do Quarteto Carlos Gomes, o repertório gira em torno de peças desconhecidas da comunidade que foram submetidas a uma edição crítica de Cláudio Cruz antes de serem gravadas. O material pode ser apreciado pelo público das principais plataformas de streaming e também no Sesc Digital a partir de 17 de setembro. Na sequência, leia o texto de apresentação do álbum assinado pelo compositor e maestro Rubens Ricciardi

 

Trulli
Meneleu Campos (1872-1927) | Ilustração: Alexandre Calderero

A íntegra dos quartetos de cordas de Meneleu Campos 

o reencontro com um grande compositor romântico belenense

 

O Quarteto Carlos Gomes, em nosso país, dos mais importantes ensembles camerísticos em todos os tempos, é um marco histórico da práxis (interpretação-execução) musical brasileira, inaugurando um novo patamar, do mais alto nível técnico e artístico, de performance atrelada à pesquisa e ao espírito de inovação. Não é por menos, em fecundos processos de reconstrução de memória e exercícios de contemporaneidade, seus três álbuns, lançados pelo Selo Sesc, já se tornaram referências incontornáveis do repertório para quarteto de cordas no Brasil – com o registro fonográfico de obras de Alberto Nepomuceno, Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar (Guinga) e ainda, vencedor do Prêmio Bravo 2018, o CD com os quartetos de Antônio Carlos Gomes, Alexandre Levy e Glauco Velásquez.

Formado por alguns dos melhores instrumentistas brasileiros da atualidade, tais como Cláudio Cruz, 1º violino (maestro da Orquestra Jovem do Estado de São Paulo), Adonhiran Reis, 2º violino (professor doutor da UNICAMP), Gabriel Marin, viola (músico da OSUSP) e Alceu Reis, violoncelo (ex-chefe de naipe das mais importantes orquestras brasileiras), o Quarteto Carlos Gomes, sob liderança de Cláudio Cruz, em seu incansável e monumental trabalho de maestro e violinista dedicado à práxis da música brasileira de todos os tempos, lança agora, mais uma vez pelo Selo SESC, seu novo álbum, com a integral dos quartetos de cordas de Octávio Meneleu Campos (Belém, 22 de julho de 1872 – Niterói, 20 de março de 1927): Quarteto nº 1 em Sol maior (1899), Quarteto nº 2 em Lá maior (1899), Quarteto nº 3 em Ré maior (1901) e Quarteto nº 4 em Mi maior (1901-1902).

Trulli
Quarteto Carlos Gomes | Foto: Laura Rosenthal

Meneleu Campos, além de compositor, foi também pianista, violinista, maestro, professor e dirigente de instituições de ensino de música, tendo sido sempre um empreendedor em seus mais diversos projetos. Foi aluno de sua mãe, a pianista Adelaide da Costa Campos, e do violinista baiano radicado em Belém, Adelelmo do Nascimento, seu grande incentivador nos primórdios de sua carreira. Começou a compor precocemente, aos 16 anos de idade. Chegou a cursar Direito por algum tempo no Recife. Contudo, optou por se dedicar exclusivamente à música. Em meados de 1891, após estudos preparatórios sob orientação de Andrea Guarneri, passou a estudar no Conservatório de Milão com um dos mais importantes professores de composição da época, Vincenzo Ferroni, ex-aluno de Jules Massenet. Em Milão, por quase uma década, Meneleu Campos progrediu em seus estudos, principalmente de composição, além de piano, violino, teoria musical e regência. Em Belém do Pará, desde 1900, passou a atuar em escolas de música como professor e diretor, tais como o Instituto Carlos Gomes e outras instituições privadas que fundou. Também regendo por diversas vezes no Theatro da Paz, intercalou sua vida profissional em Belém com estadas em Milão (1903), Rio de Janeiro (1909), Paris (1913) e Lisboa (1914-1915), entre outras viagens de menor duração.

Quanto à sua estada no Rio de Janeiro, em julho de 1909, há notícia de ter apresentado ali seus dois últimos quartetos, executados por importantes músicos da época, tais como Jeronymo Silva (1º violino), Vincenzo Cernicchiaro (2º violino, professor do Imperial Conservatório de Música, depois Instituto Nacional de Música, dos mais importantes cronistas da música brasileira), Ernesto Ronchini (viola, também compositor, professor e posteriormente maestro da orquestra de alunos do Instituto Nacional de Música, hoje EM-UFRJ) e Rubens Tavares (violoncelo).

Em 1926, em seu livro sobre História da Música no Brasil, publicado em Milão, Cernicchiaro salienta que Meneleu Campos é um compositor de “competência singular”. Sobre os quartetos primeiro e segundo, compostos na Itália, Cernicchiaro afirma ainda que ambos contemplam um “excelente desenvolvimento de ideias, de ritmos e de concepções bem sucedidas”. Ou talvez mais que isso. De uma geração após Antônio Carlos Gomes, nosso primeiro compositor romântico de fato, bem como de uma geração anterior ao modernismo revolucionário de Heitor Villa-Lobos, Meneleu Campos deve ser melhor reconhecido por seus quartetos, dignos de figurar na história da música brasileira, ao lado de obras de outros importantes compositores românticos, tais como Leopoldo Miguez, Henrique Oswald, Alberto Nepomuceno, Alexandre Levy, Francisco Braga e Glauco Velásquez.

A poética (ou poíesis, a elaboração inventiva de obras de linguagem) dos quartetos de Meneleu Campos apresenta um artesanato altamente refinado quanto ao tratamento do material musical. O amplo domínio harmônico-contrapontístico e o equilíbrio textural possibilitam ao compositor paraense o desenvolvimento de melodias inspiradas e demais motivos e ideias musicais sempre de rara beleza. Que este importante projeto de valorização de nossa memória musical, do SESC-SP em conjunto com o Quarteto Carlos Gomes, seja o primeiro de muitos, para que seja possível a edição crítica, sempre seguida de novas gravações, das mais de 100 obras de Meneleu Campos, ainda injustamente esquecidas em arquivos brasileiros.

 

Rubens Ricciardi é compositor, maestro, arranjador, musicólogo e pianista ribeirãopretano