Sesc SP

postado em 12/08/2018

Olhar para si desde a infância

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Em novo livro, o coreógrafo e educador Ivaldo Bertazzo direciona seu olhar à primeira fase da existência para facilitar a plenitude psíquica, afetiva e psicomotora do ser humano pleno em seu futuro

Por Gustavo Ranieri*

 

Ivaldo Bertazzo é dançarino e coreógrafo. Não, ele é mais do que isso, é também educador. Não, mais ainda, ele desenvolve de longa data inúmeros trabalhos que, em suma, buscam, na verdade, transformar a sociedade e aproximar o ser humano dele próprio. Sim, talvez seja essa a melhor definição daquele que é o autor da trilogia Reeducação do Movimento – compostos pelos livros Corpo vivo, Cérebro ativo e Gesto orientado –, além de CDs, DVDs e diversos trabalhos de ação social. Assim como todos esses outros trabalhos de sua autoria, as Edições Sesc mais uma vez estão por trás do lançamento agora de Fases da vida: da gestação à puberdade.

Se antes Bertazzo direcionou sua escrita à potencialidade do nosso corpo e à compreensão de suas muitas funções, dessa vez ele aborda, pela primeira vez, uma faixa etária que, se bem desenvolvida em todos os seus aspectos cognitivos, psicomotores e afetivos, levará o indivíduo com mais facilidade a uma plenitude, a qual poderá estar presente ao longo de toda a existência.

O educador fala sobre seu livro neste domingo, 12 de agosto, às 16h, no estande Edições Sesc, durante o último dia da 25ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. E também bateu um papo conosco a respeito deste lançamento, o qual pode ser lido a seguir.

 

Como reverter uma visão equivocada e que pertence a muitos de nós de se preocupar pouco com o desenvolvimento do ser em sua primeira fase da existência, olhando para ele apenas quando já está na fase adulta ou no seu envelhecimento?
Diferente de culturas primitivas, nossa cultura não tem o privilégio de visualizar, de perceber os sinais necessários, o apelo que o corpo da criança faz em cada etapa da sua vida, o apelo neurológico e afetivo, psíquico. Então, o livro tentar despertar essas coisas. É muito importante ter filhos porque isso rejuvenesce a pessoa e ela deverá acompanhá-los até adolescência em todas essas etapas, vivendo junto e não só falando faça isso ou faça aquilo. Claro, muitas coisas são esperadas que o arte-educador faça na escola, mas a gente tem que assumir isso.

No livro você aborda a importância da respiração e o estímulo para que ela seja adequada desde a infância. No entanto, temos por hábito tratar a respiração apenas como algo mecânico, automático. O que perdemos com isso?
O contato com a respiração, primeiramente, vai ajudar a criança a ter mais continente; quando respiramos há uma expansão interna dos volumes do corpo. A criança ter contato com a respiração, em um primeiro contato mais lúdico, com jogos, leva ela à condição de trabalhar o cognitivo, o intelectual, a escrita com mais capacidade postural, a respiração está vinculada à nossa postura. Então, certamente, a postura está ligada ao psíquico, eu sou do jeito que conduzo o meu corpo e ele é como eu respiro. Em alguns momentos a respiração pode e deve ser automática, sendo processada como se o diafragma fosse um pistão, porém, nos momentos mais cruciais da nossa vida, não deve ser assim. Inclusive na adolescência, a gente brinca: e você, já convidou seu filho para respirar? Porque a gente sempre acha que um jovem hiperativo deve apenas gastar a energia física e nunca o levar a essa sensibilidade interna e sutil da respiração.

Como podemos definir a psicomotricidade e seu impacto no ser humano?
Existem duas psicomotricidades: a mais grossa para dar um arranque numa bola, chutar, correr, ter impulso, e a fina, que nos manterá mais inteligentes, perceptíveis, cognitivos e com o cérebro vivo, até a fase idosa. Então, dentro do psicomotor fino, uma das tarefas é o uso das mãos. De que forma eu articulo o braço para um desenho numa lousa, por exemplo, quando a gente insiste que a criança aprenda antes de escrever a fazer traços em pé, defronte a um papel craft grande ou uma lousa? A psicomotricidade fina organiza a audição, o olhar e são esses elementos que nos manterão presentes em nossa vida, assumindo esse organismo que eleva meu nome, que carrega minha existência. Sem dúvida, a gente se preocupa hoje com o correr, com o caminhar, fazer esteira. É necessário tudo isso. Mas o psicomotor fino fará nós envelhecermos com dignidade e presente. Sim, o psicomotor atendido desde o útero até a adolescência vai me ajudar a ser um adulto pleno.

Ou seja, a não preocupação com o psicomotor e com outros quesitos do ser desde sua infância, mesmo quando a criança parece ser extremamente saudável, causará muitos prejuízos.
Existe um raciocínio um pouco equivocado e hippie (risos) – não sei falar isso de outro jeito –, de que se seu filho está bem, então deixa rolar, porque tudo vai dar certo. Sim, deixa rolar as questões mais existenciais dele, mas, mesmo assim, felizes os que têm um contato com o psicólogo para ajudá-lo na existência, por exemplo. E o psicomotor tem de ser atendido. Quanto mais percebo as fases que a criança vai passando, quanto mais estimulo o psicomotor, mais viva ela será, vigorosa, presente. O que queríamos reforçar, e que Deus nos ouça, é a importância de se criar uma rede entre pais, familiares, professores, arte-educadores, uma rede de conhecimento sobre o estimulo psicomotor ir transformando a nossa sociedade. É ambicioso, eu sei. Porque veja bem, uma mãe ou um pai que falem errado, quando o filho está na fase do aprendizado da fala, como ele desenvolverá o seu raciocínio para a escola futuramente? E para expressar o que quer verbalmente? Então é uma ambição minha desejar a modificação social, uma rede para que todos nós olhemos com atenção tudo isso.

 

*Gustavo Ranieri é escritor e jornalista
 

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