Sesc SP

postado em 24/05/2016

Um artista sui generis

Imagem a partir da ilustração A arte da cenografia. José de Anchieta, 2011
Imagem a partir da ilustração A arte da cenografia. José de Anchieta, 2011

      


Como se observa em Cenograficamente: da cenografia ao figurino, não é com teorias que se há de conhecer e compreender a obra de José de Anchieta, mas com o olhar

Por José Dias*

 

José de Anchieta, mais que um inovador e introdutor de criações no campo da cenografia, foi pioneiro na expansão do espaço cênico no teatro brasileiro. Ele colaborou para a renovação da cenografia e deu um novo significado à identidade nacional do trabalho cenográfico.

Dar a possibilidade de acesso a todos os apaixonados pelo teatro à obra de José de Anchieta é um presente que recebemos do Sesc com grande satisfação. Esta obra exemplar trata da trajetória de um dos maiores cenógrafos do país. Um profissional com trabalhos no teatro, cinema, televisão e publicidade, preocupado com o fazer cenográfico. Um artista profundamente vocacionado, desde sempre, para a modernização da linguagem cênica.

José de Anchieta tem muito a ver com o que penso ser o perfil ideal de um homem de teatro: uma formação global no campo das artes e do pensamento, aliada à capacidade de intervenção multidisciplinar e de reflexão sobre todas essas problemáticas.

O amplo documentário que esta obra nos apresenta é naturalmente o que importa para a percepção e consequente valorização da criação cenográfica de Anchieta. Não é com palavras nem teorias – por mais brilhantes que sejam – que se há de conhecer e compreender a obra desse grande mestre, mas com o olhar. É por meio dele que conseguimos compreender a proposta desse artista sui generis. Não existe outro caminho.

Platão dizia que a beleza é difícil, mas Anchieta agrada à primeira vista. Por vezes chega até a fascinar o público. O mistério da beleza, entretanto, só se revela com paciência, debruçando-se sobre o que essa cenografia tem de mais interior.

Depois de cumpridas as árduas exigências de uma iniciação, é que se começa, por exemplo, a perceber a soberana qualidade da forma que as obras de Anchieta apresentam, as regras sutis que ele emprega na ostentação das perspectivas, da linha do horizonte, do claro/escuro e das expressões psicológicas. É preciso analisar a linguagem dessa forma de representação dentro de suas características específicas, identificando as relações estabelecidas entre a cenografia e os outros elementos da encenação.

Não resta dúvida de que nos encontramos diante de um dos raros grandes cenógrafos do nosso tempo, preocupado unicamente com o que ele próprio pode fazer – e não com o que os outros fazem ou dizem a respeito de sua obra. O passado, o presente e o futuro não são categorias estanques, como dizia Santo Agostinho. O que existe é o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro. José de Anchieta nos mostra isso.

No momento em que tanto se fala de preservação da memória, é importante que o leitor saiba que o país tem alguns dos tesouros cenográficos mais raros do mundo, agora à disposição do cidadão, para que todos conheçam e se orgulhem daquilo que, em última instância, lhe pertence.

Nesta obra, de um mestre da cenografia, o ideal é observarmos um sistema livre de preconceitos, originados, sobretudo, na constante comparação entre a cenografia teatral, cinematográfica e televisiva. Um trabalho facilitado graças à oportunidade de termos sob os nossos olhos projetos gráficos escolhidos, em sua maioria, pelo próprio Anchieta.

Com sua admirável cultura estética, inspirada na criatividade de artista plástico e aguçada sensibilidade ao fato teatral, Anchieta impôs nos palcos brasileiros o conceito da cenografia vista como resultado de uma análise aprofundada do texto teatral e de uma interpretação eminentemente pessoal do conteúdo e da forma desse texto, traduzida em termos plásticos livres e ousados.

Esta competente obra, impressa com esmero e totalmente isenta de modismos, nos oferece a mais repleta e rica significação cenográfica. Surge visando à catalogação da produção e das pesquisas cenografias e dos figurinos de José de Anchieta, mas, ao mesmo tempo, possibilita o amplo acesso a essas obras, buscando assim contribuir para uma ação abrangente voltada para uma maior compreensão do processo cenográfico e seu histórico cultural brasileiro.

Por fim, temos aqui a possibilidade de observar a cenografia de José de Anchieta como uma forma da linguagem específica que participa diretamente da composição do texto, rica em consequências para todo o futuro da ambientação visual das nossas artes cênicas.


*José Dias é professor universitário, diretor de arte e cenógrafo. Este texto foi originalmente publicado na orelha do livro.

 

Veja também:

:: Vídeo

:: Trechos do livro

 

 

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