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postado em 14/02/2025

A língua em estado de interrogação

Sem Título-1

      


Dialogando com importantes referências do pensamento intelectual brasileiro, como Antonio Candido e Paulo Freire, María Teresa Andruetto apresenta concepções críticas de leitura – sempre no plural –, reiterando seu caráter coletivo e insurgente. Nos ensaios aqui publicados, recupera sua atuação como escritora e mediadora de leitura, convidando à reflexão sobre as relações intrínsecas entre leitura e escrita como experiências radicais que repensam a condição humana.

A radicalidade na escrita de Andruetto traduz um pensamento genuinamente comprometido com a justiça social. “É nas palavras que se trava o combate […] nesse mar extenso da linguagem social, território de resistência perante o uniforme e o hegemônico”, nos diz ela. Se vive o ato de escrever como “trincheira da língua”. Andruetto trabalha com as armas das distorções de sentido, dos rastros que sobrevivem nos interstícios das línguas oficiais e da interpelação aos não saberes do leitor.

Vencedora do Prêmio Hans Christian Andersen em 2012, um dos mais importantes prêmios da literatura infantil e juvenil, a autora argentina busca o “palpitar da língua”, entendendo que o literário “não está nas convenções nem em seus estereótipos […], e sim nesse lugar privado, tão íntimo, onde o social se faz carne”. Nesse sentido, são preciosas suas considerações sobre o universal e o particular na literatura, sobre “uma língua única, feita com a língua de todos”. Pode-se dizer o mesmo sobre os questionamentos que faz acerca do comportamento do mercado editorial na produção literária destinada aos públicos infantil e juvenil: de quais crianças e jovens estamos falando? A quem interessa adjetivar a literatura? Ao lado de perguntas tão importantes, Andruetto também traz afirmações contundentes sobre a literatura destinada a esses públicos: “deve-se evitar com toda força […] escrituras servis disfarçadas com novas roupagens”.

Se a língua em estado de interrogação permanente é sua matéria-prima, a sorte é nossa, dos leitores que dizem sim aos convites instigantes que ela nos faz. Porque as provocações que a autora lança, sobretudo aos que trabalham com formação de leitores, são da ordem do elogio à dificuldade, da busca pela singularidade da voz e pelo estranhamento poético, ou seja, formas éticas e estéticas de deslocamento que são muito mais do que pontos de chegada: são pontes.

 

Cristiane Tavares
Doutora em Educação e mestre em Literatura e Crítica Literária

Texto publicado originalmente na orelha do livro.

Veja também:

:: trecho do livro

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