As diferentes gerações e seus relacionamentos

Quando criança, eu estava sempre cercado de primos. Primos para tudo que era lado. Brincando e brigando, a gente aprendia. Não só. Meus avós tinham uma infinidade de irmãos, eu vivia cercado de idosos. Deles, ouvia muitas histórias; recebia (e retribua) carinho; quando necessário, levava pitos. Ouvindo histórias e levando pitos eu também aprendia. Crescer, aprender e envelhecer eram parte de um processo intergeracional sem sair de casa.
As relações intergeracionais trazem aspectos múltiplos e complexos ainda pouco investigados. Entre os estudiosos no Brasil, José Carlos Ferrigno se destaca por ter unido a prática – seu trabalho pioneiro e exemplar no Sesc São Paulo – com o rigor acadêmico, por meio dos estudos que desenvolve há décadas.
Ferrigno nos diz que seu interesse pela “intergeracionalidade” foi despertado por seu exercício profissional. Ao entrevistar pessoas idosas, ouvia relatos sobre a curiosidade demonstrada pelos netos e netas ao ver (os antigos) álbuns fotográficos com retratos da família. A partir disso, os jovens adquiriam conhecimentos para compreenderem melhor seu presente e planejar seu futuro, até mesmo em relação a como envelhecer.
Nessas interações, nasciam também conflitos, que contemplavam a possibilidade da mudança, da transformação, da emergência, de novas formas, de inovações no modo de interpretar a realidade psíquica e social, abrindo novas perspectivas. Assim, neste livro, Ferrigno sugere que o conflito intergeracional pode ser visto como uma salutar oportunidade de crescimento pessoal para os jovens e os mais velhos. Como nos ensina Paulo Freire, “é preciso ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, é construir, é não desistir”. Eu acrescentaria: todos juntos, jovens e idosos.
Alexandre Kalache
Médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil, diretor de envelhecimento e saúde da Organização Mundial da Saúde e codiretor do Age-Friendly Institute, nos Estados Unidos
*Texto publicado originalmente na orelha do livro
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