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postado em 22/02/2022

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Harald Schultz no barco que o levava às partes mais difíceis do rio Purus e afluentes.
Harald Schultz no barco que o levava às partes mais difíceis do rio Purus e afluentes.

      


Culturas indígenas no Brasil e a coleção Harald Schultz tem o trunfo de revelar como o trabalho de um dos precursores da antropologia visual conecta passado e presente de etnias remanescentes


Brasileiro de ascendência alemã e dinamarquesa, nascido em Porto Alegre em 1909, Harald Schulz fez seus primeiros estudos na Alemanha, retornando ao Brasil em 1924. Como fotógrafo de excelência, em 1939 foi convidado pelo indigenista Marechal Rondon a organizar um centro de documentação cinematográfica do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão federal extinto na década de 1960 e que deu origem à Fundação Nacional do Índio (Funai). Permaneceu pouco tempo no SPI, mas o suficiente para abraçar a causa indígena e voltar suas ações para a preservação da cultura desses povos. Especialmente interessado na cultura material e em instituir, juntamente com o antropólogo Herbert Baldus, uma política indigenista voltada para a preservação das etnias ameríndias, Schultz coletou e documentou mais de 7 mil artefatos, produziu 62 filmes e 1.127 diapositivos (slides usados para projeção numa tela), hoje digitalizados e preservados no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Publicou ainda três livros e uma série de artigos no Brasil e no exterior, representativos de vários povos indígenas da Amazônia. Tamanha produção fez de Harald Schultz um dos maiores defensores da diversidade cultural ameríndia, apesar de ainda ser uma figura pouco conhecida fora dos muros acadêmicos. Até agora.

 

Da esquerda para a direita: diadema (Kayapó-Xikrin); Cesto (Povos Indígenas do Oiapoque); índia Kaxinawá fiando algodão; ao lado, rede de dormir; chocalho (Povos Indígenas do Oiapoque); chapéu cerimonial (Povos Indígenas do Oiapoque); bolsa de dardos; ao lado, índio Makú com zarabatana.

 

Resultado de uma pesquisa realizada no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), o livro Culturas indígenas no Brasil e a coleção Harald Schultz reúne artigos que buscam difundir o trabalho pioneiro de Schultz para a antropologia brasileira. Organizada pela conservadora Ana Carolina Delgado Vieira e pela museóloga Marília Xavier Cury, a coletânea está dividida em quatro partes: a primeira apresenta detalhes biográficos, a trajetória profissional e as experiências das expedições realizadas pelo coletor; a segunda parte reflete sobre as possibilidades museológicas que se abrem com o trabalho nessa coleção e discute como os museus podem instituir políticas que respeitem os direitos dos indígenas e contribuam para sua inclusão e empoderamento; a terceira parte traz estudos relacionados as coleções depositadas em museus, sendo que três dos textos são de autoria de representantes de grupos indígenas do oeste paulista (Kaingang, Guarani Nhandewa e Terena); e a última parte traz imagens de doze entre os mais de quarenta grupos visitados pelo fotógrafo etnógrafo e, sempre que possível, reproduções do artefato da coleção relacionadas ao seu contexto de uso.

 


 Índios Terena unem seus saberes para o trabalho de restauro de uma vestimenta feita com penas de ema.

 

Culturas indígenas no Brasil e a coleção Harald Schultz busca sistematizar e divulgar pela primeira vez uma produção pouco conhecida, bem como apresentar a trajetória e o trabalho do fotógrafo e etnógrafo, possibilitando o acesso do público à rica coleção material e documental organizada pelo coletor entre 1946 e 1966. Considerado um dos precursores da antropologia visual, o trabalho de Shcultz – em grande parte realizado em parceria com a antropóloga Vilma Chiara, sua esposa – faz muito mais do que inventariar artefatos (objetos utilitários, objetos rituais, adornos, armas e cestarias), ou registrar o cotidiano (técnicas, ritos e tradições) pertencentes à ancestralidade dos povos indígenas. Ao se abrirem para a participação dos descendentes desses povos tanto para a pesquisa quanto para os processos decisórios relativos aos acervos, os museus etnográficos ganham novos e inesperados significados: evitam o rastro colonial eurocêntrico que normalmente pauta a formação de muitas dessas coleções e permitem a conexão das etnias remanescentes com seu passado, atualizando práticas identitárias coletivas no presente. A coleção de Harald Schultz, de forma exemplar, estabelece esse contato.

 


Trecho do livro

 

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