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Sem tempo para diversão

O consumidor-alvo: na mira do fabricante / Foto: Edson Grandisoli/Pulsar Imagens
O consumidor-alvo: na mira do fabricante / Foto: Edson Grandisoli/Pulsar Imagens

Por: SUCENA RESK

A indústria brasileira de brinquedos passa por um processo de adaptação de mercado devido à crescente presença de produtos importados, especialmente da China. A concorrência é acirrada. O faturamento das empresas nacionais em 2014 cravou em R$ 2,73 bilhões, ou 0,01% do Produto Interno Bruto (PIB), setor que gerou, no período, 30 mil postos de trabalho. Em contrapartida, as compras externas responderam por R$ 2,42 bilhões, número exageradamente alto quando comparado com as vendas anuais das empresas do ramo. Para enfrentar a concorrência, uma das estratégias encontradas pelos empresários do setor é procurar manter-se em dia com as certificações compulsórias estabelecidas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), para qualificar melhor a produção, segundo Synésio Batista da Costa, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq).

“A qualidade e a segurança dos brinquedos fabricados no Brasil não deixam nada a desejar ao que de melhor se faz na área lá fora”, diz Costa. “Poucas atividades industriais são tão certificadas como a nossa.” Essa retaguarda começou a ser estabelecida a partir da criação da Norma Brasileira de Fabricação e Segurança de Brinquedos, em 1992, e atualizada em 1998, ano de sua regulamentação pelo Inmetro, que tornou a medida compulsória (obrigatória) para brinquedos nacionais e importados, comercializados no mercado brasileiro. Portaria de 2012 obrigou o fornecedor a deixar o selo de conformidade visível nos pontos de venda físicos e virtuais, estampilha que se converteu numa referência de controle e informação ao consumidor final.

A certificação é concedida pelo Instituto da Qualidade do Brinquedo (IQB) e para a sua concessão são realizados diferentes ensaios, desde os relacionados a impactos e quedas – para verificar se há partes pequenas e cortantes ou pontas agudas – até o emprego de matérias-primas inflamáveis ou tóxicas. No caso de brinquedos para crianças pequenas, são feitos testes relativos à mordida e seus efeitos sobre a saúde. Uma das maiores preocupações é relacionada à faixa etária de até 3 anos de idade.

O consumidor, por sua vez, também tem um canal de denúncias, que é exercido pela Ouvidoria do Inmetro. Cabe à sua Diretoria da Qualidade providenciar a coleta das amostras no mercado dos brinquedos denunciados (com fundamentação) para a realização de ensaios, seguindo o critério de amostragens (já foram relatados, inclusive, casos de selos falsos). Ao fabricante ainda cabe o acompanhamento de sua produção e de eventuais recalls quando apurados problemas na fabricação.

De acordo com o presidente da Abrinq, além da certificação, a indústria de brinquedos ainda conta com mais um elemento favorável que pode ajudar a revitalizar os negócios diante da concorrência externa. “A alta do dólar está devolvendo a competitividade ao setor”, afirma. “Estimamos que em 2014, a indústria nacional recuperou cinco pontos percentuais de participação no mercado, que no início daquele ano já era de 55%.”

Somente a China responde por mais de 80% dos brinquedos importados pelo Brasil. Os 20% restantes são divididos, em boa dose, por compras feitas na Indonésia, Malásia, Dinamarca, Hong Kong, Vietnã, México, Tailândia e Taiwan, entre outros, de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Vale esclarecer que indústrias de 60 países competem com os fabricantes nacionais. A ascensão dos asiáticos na disputa pelo mercado local começou a ganhar terreno em 1995, e os Estados Unidos também marcam forte presença porque detêm as principais marcas mundiais de brinquedos. Há exemplos de fabricante que compra na China e coloca sua marca, assim como tem quem, usando do mesmo expediente, exporta a partir da China para mercados próximos. Tudo é válido em termos comerciais, já que o importante é manter a empresa de pé.

Elementos tóxicos

Entre as metas atuais que visam fortalecer a indústria brasileira de brinquedos despontam a batalha pela redução da importação e a alavancagem de seu crescimento, comenta o presidente da Abrinq. Apesar de uma resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex) ter prorrogado a alíquota de importação de 35% (para 14 itens do setor), por mais cinco anos, Costa sustenta que ainda será preciso a imposição de outras medidas para segurar a concorrência internacional. O governo brasileiro começou a impor barreiras tarifárias de importação a partir de 1995, com alíquotas de 20% que chegaram a 70%, no ano seguinte, com a salvaguarda da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A competição não se encerra aí. Os fabricantes ainda têm de terçar armas contra a “pirataria”, que provoca grandes impactos e impõe enormes prejuízos ao setor. Existem os produtos falsificados, mas também tem a entrada ilegal de brinquedos no país, muitos deles por meio de compras feitas por brasileiros em países fronteiriços, como o Paraguai. Já foi constatada a presença de mercadorias importadas que não haviam sido aprovadas no Brasil (e que deveriam ser destruídas ou retornar a seu país de origem). Esses produtos voltam ao território nacional e são revendidos principalmente no comércio popular. Um dos principais perigos é a presença de elementos tóxicos nesses itens, como o chumbo, que podem comprometer o desenvolvimento neurológico da criança.

Uma análise feita pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em 2011, apurou que a maior parte dos brinquedos importados que chega ao país não é diretamente controlada. Segundo o levantamento, de acordo com a Receita Federal, 20% de toda a carga desembarcada aqui passa por algum tipo de controle. Apesar de se tratar de um percentual relativamente baixo, ele está dentro da média mundial.

O Brasil importa brinquedos desmedidamente em comparação com a oferta local, todavia, também exporta parte do que produz, contando com uma carteira de mais de cem países, com destaque para o Paraguai, Argentina, Angola, Bolívia, Catar, Chile, Estados Unidos, México e Uruguai. Um dos aspectos considerados pela Secex estratégico e com força para dar uma guinada nos negócios diz respeito ao quesito inovação, principalmente de produtos direcionados ao segmento popular, e a proposta é que se estabeleça a marca de um design nacional. Os principais produtos comercializados nesse terreno são artigos para jogos de salão, incluídos jogos com motos e triciclos, patinetes e brinquedos semelhantes de rodas; bonecos, entre outros.

Na verdade, a inovação tem mostrado a sua cara com o lançamento anual de 1.600 produtos com a predominância de brinquedos pedagógicos, de puericultura leve e pesada, jogos eletrônicos, itens colecionáveis e fantasias. A variedade atinge a clientela de todas as classes. No mercado são encontrados produtos desde a faixa de preços de R$ 10, que representam 11% do que é colocado nas prateleiras, até os mais sofisticados, acima de R$ 100 (18,8%). Mas a maior fatia fica entre R$ 31 e R$ 50, representando 22,1% do que é oferecido ao consumidor final. As vendas se pronunciam com maior ênfase no sudeste, com destaque para São Paulo (34%), Rio de Janeiro (12,3%), Minas Gerais (7,8%); e, no Sul, para o Paraná (5,1%).

Nos últimos anos, outra iniciativa tomada pelas empresas nacionais com vista a aumentar a competitividade deu margem ao estabelecimento de fusões e parcerias com multinacionais do ramo. O objetivo, de acordo com o setor, é promover o enxugamento da quantidade de fábricas/indústrias e fomentar a competitividade interna e internacional. Nos anos 1990, eram aproximadamente 450 os fabricantes brasileiros de brinquedos, número que subiu a 888, em 2009, desceu para 520, em 2011, e despencou para 380 atuais.

Vendas ao estado

Hoje uma das maiores apostas para alavancar as vendas, nos próximos anos, é transformar o governo no maior cliente mediante o fornecimento de brinquedos pedagógicos. Isso se deve a um cenário potencial de 170 mil escolas e 23 milhões de alunos na faixa da infância e da juventude. Segundo Costa, essa abertura está ocorrendo por meio de licitações e regras estabelecidas pela Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A aquisição de brinquedos pelo poder público integra a estratégia de implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Os municípios, estados e o Distrito Federal podem adquirir brinquedos com recursos próprios ou de outras fontes, por meio de adesão à ata de registro de preços oriunda de pregão eletrônico. Para isso, foi criado o Sistema de Gerenciamento de Adesão de Registros de Preço (Sigarp). Os fabricantes, além dos segmentos infantil e de educação básica, já estão alcançando os estudantes do ensino fundamental.

Alguns critérios tornam essas compras diferentes do sistema comercial tradicional, fortalecendo o caráter pedagógico e de segurança dos produtos. O FNDE exige que os brinquedos atendam à faixa etária recomendada e às normas de segurança, além de trazer o selo do Inmetro e não conter peças pequenas, quando direcionados para uso de menores de 3 anos. Os itens adquiridos pelas escolas devem ser de uso coletivo e apresentar costuras reforçadas. Brinquedos de madeira, por exemplo, não podem ter pregos e é proibida a compra de produtos tóxicos. Mas isso não é tudo: os brinquedos têm de ser de fácil manuseio, exigência que deve levar a indústria a fazer mais investimento em design.

A partir de 2011, o Ministério da Educação (MEC) iniciou um processo de aquisição de brinquedos educativos para crianças de zero a 5 anos matriculadas em escolas públicas. O contato da Abrinq com a pasta já tinha sido iniciado cinco anos antes, conta Costa, dizendo que países como a França e o Japão já adotam tais compras públicas.

A palavra de ordem, portanto, é encontrar meios capazes de fomentar as vendas do setor, assim como a Feira Brasileira de Brinquedos, já em sua 32ª edição, cujas portas estiveram abertas de 7 a 10 de abril passado no Expo Center Norte, na capital paulista. O evento representa um dos principais meios de receita para o fabricante de brinquedos, que, na edição de 2014, gerou negócios capazes de movimentar alguma coisa ao redor de R$ 1,3 bilhão. O evento é considerado o terceiro maior do gênero, em escala mundial, só ficando atrás das feiras de Nuremberg, na Alemanha, e de Hong Kong. 

O perfil das indústrias brasileiras de brinquedo, no entanto, tem uma característica que as difere de outros ramos empresariais: a concentração, seguindo a tendência do próprio padrão mundial. De acordo com o relatório “Brinquedo: o Valor do Brincar 2014”, feito pela Abrinq, historicamente o grosso da produção brasileira está no estado de São Paulo, onde ficam 86,2% das fábricas (dados de 2013). Consequentemente, os paulistas respondem pelo maior volume de exportações (65,84%) e importações (69,17%). Na realidade, as mais importantes indústrias do ramo estão localizadas na região do ABCD, na Grande São Paulo, e no ranking do setor o estado é seguido por Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.

Para atender ao novo perfil de consumidor, Costa avalia que nas últimas três décadas a própria mudança do contexto mundial tem impulsionado a modernização do segmento. “A indústria de brinquedos acompanhou essa evolução em todos os sentidos: tecnologia, logística, distribuição, segurança e normatização. O que se observa hoje é a consolidação cada vez maior de duas tendências, a tecnologia embarcada e a mobilidade”, explica. Um componente que aparece entre as novidades do setor é a pegada da sustentabilidade, com alguns lançamentos de produtos com matérias-primas recicladas e recicláveis. “Isso ocorre pela função didática de trabalhar a preservação da natureza com as crianças”, diz o presidente da Abrinq. Esse cenário, segundo ele, atende também aos propósitos da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, entidade criada em 1990 e que tem por objetivo mobilizar a sociedade para as questões relacionadas aos direitos da infância e da adolescência. “A própria Abrinq traz em seu Código de Ética e Conduta o compromisso com segurança, respeito e direitos das crianças”, afirma.

O relatório “Indústria de Brinquedos”, da ABDI, de 2011, aponta que (estimativa) cerca de 20 milhões de crianças brasileiras não possuem acesso à compra de brinquedos. Vale lembrar que na lista de brinquedos que têm maior receptividade por esse segmento estão os chamados de desenvolvimento afetivo (20,4%) e o de primeira idade (19,1%). Na sequência vêm os de relações sociais (15,6%). Estatisticamente, o apelo maior do público infanto-juvenil ainda é por bonecas (os) em geral e seus acessórios e depois por veículos (carrinhos, motos e pistas). O melhor período de vendas do segmento continua atrelado a datas comemorativas, como o Dia das Crianças (12 de outubro) e o Natal. O desafio dos empresários é reduzir os efeitos da sazonalidade de vendas, que, por questões óbvias, influencia na geração de empregos. Conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego (CAGED/MTE), o número de admissões no setor aumenta somente no primeiro semestre, principalmente em junho.

 


 

China no topo da pirâmide

Do mercado mundial de brinquedos, 70% de tudo o que é produzido leva o carimbo Made in China e os maiores consumidores são a União Europeia e os Estados Unidos. Mas nem tudo é azul, apesar da grandeza exposta pelos asiáticos. A organização China Labour Watch (CLW) apresentou em 2014 um relatório em que expõe a insegurança e as violações trabalhistas em fábricas de brinquedos no sul do país, grande parte delas fornecedoras para importantes empresas internacionais. Ao mesmo tempo em que se defronta com esse grave problema, o governo chinês procura combater o estado de ilegalidade em que operam muitas firmas do setor em seu país por meio de campanhas especiais para melhorar também a qualidade dos brinquedos. O processo, entretanto, é lento. Uma das características desse ramo empresarial, na China e no resto do mundo, é a prevalência quantitativa de pequenas e médias empresas, muitas ainda com um sistema produtivo artesanal, mas que enfrentam com galhardia as grandes multinacionais, especialmente norte-americanas e asiáticas.

Inserida nesse cenário, a indústria de brinquedos do Brasil procura ocupar seu espaço. Ela começou a dar os primeiros passos nos anos 1930. Até aquele período, as bonecas de pano feitas por costureiras e os carrinhos de madeira artesanais eram os presentes mais corriqueiros da infância. As primeiras peças industrializadas, tais como aviões, carrinhos, jipes e trens foram manufaturadas pela antiga Metalúrgica Matarazzo. De lá para cá, o parque industrial cresceu e a gama de produtos encorpou, ganhou modernidade e passou a acompanhar passo a passo a modernização representada, por exemplo, por microeletrônicos e videogames.

Foi em 1944 que nasceu a Brinquedos Estrela, uma das mais representativas e tradicionais empresas do setor, e o cachorro Mimoso (os mais velhos ainda se lembram), totalmente de madeira, figura entre os primeiros produtos oferecidos pela marca ao mercado. O site da companhia informa que já foram industrializados 25 mil brinquedos diferentes, somando, desde o início de suas operações, mais de 1,2 bilhão de unidades.