Sesc SP

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Cidadela Comunal

Terra Comunal
na Cidadela da Liberdade
por Sandra Leibovici


Quando adentrou pela primeira vez o Sesc Pompeia, Marina Abramovic teve uma impressão bastante similar à de Lina Bo Bardi na mesma situação, embora muitos anos antes. Apesar do intervalo de trinta e oito anos entre estes distintos momentos, tão diversos nos aspectos políticos, sociais e econômicos, os dois relatos e registros das visitas destacam a incrível energia humana em circulação no espaço.
Tanto Lina quanto Marina foram convidadas pelo Sesc a proporem intervenções poéticas neste ambiente, por meio de seus trabalhos em arquitetura e performance, respectivamente. Inicialmente ocupado por uma indústria de tambores, o edifício teve seus usos e funções transformados pela atuação da instituição e pelas proposições da arquiteta – transformação que agora marca também a ação da artista.
No primeiro grande galpão do Sesc Pompeia, batizado de área de convivência, Lina acrescentou um lago, uma lareira e sofás. Com estes elementos, inverteu a finalidade inicial da fábrica e potencializou o que havia sentido, elaborando um lugar para a produção de tempo disponível ao convívio entre os frequentadores, a encontros e ao compartilhamento de experiências comuns. Nesse espaço, a artista Marina Abramovic propõe agora um experimento, um lugar dedicado à performance, intitulado Terra Comunal.
Conhecida mundialmente como uma das precursoras da performance, em seu sentido contemporâneo, agregado às discussões do campo das artes, a artista investiga a resistência do corpo e a consciência do tempo em seus trabalhos, desde o início de sua carreira nos anos 1970.  Esta trajetória e os resultados de sua pesquisa, conciliados à experiência da artista no espaço, estarão presentes no Sesc Pompeia.
Talvez por influência de sua mãe, historiadora, Marina sempre registrou incessantemente suas performances em vídeo e suas vivências em diários. É através desses registros, fundamentais para o desenvolvimento da linguagem, que grande parte do público conhece sua produção. Se no início suas performances eram radicais, extenuantes e sacrificavam seu corpo até o limite do não-controle, causando desconforto no observador e desafiando a si e ao outro; em suas performances mais recentes, Marina busca transpor os limites entre o público e o privado de forma mais sutil, utilizando o mínimo para criar vivências coletivas e únicas.
Para que isso seja possível em uma atualidade repleta de crises, estímulos e desconectividade presencial entre os indivíduos, o acolhimento é pedra basilar. Nesse sentido, Lina, com suas intervenções arquitetônicas artesanais, criou um verdadeiro refúgio na aglomeração urbana, sem fronteiras nem amarras, que recebe e aceita todos.
Como uma ampliação dessa característica e vocação, Marina, por meio do método que desenvolveu ao longo dos últimos quarenta anos, conciliado à sua prática como professora, deseja não apenas proporcionar uma experiência visual e sensorial às pessoas, mas dar os instrumentos para que elas percebam e entendam a performance em contato com o nosso tempo e espaço.

Sandra Leibovici, formada em Comunicação Social e
pós-graduada em História da Arte, é assistente
técnica da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc