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Entrevista: Rubem Alves

Foto: Eron Silva e Nilton Silva
Foto: Eron Silva e Nilton Silva

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Rubem Alves nasceu em 1933, em Minas Gerais, na cidade de Boa Esperança, aquela cuja serra Lamartine Babo imortalizou numa canção. Teólogo, filósofo, educador, psicanalista, autor de mais de 50 títulos, dos quais vários para crianças. As reflexões que fazem parte de seus livros, crônicas, pensamentos, tem segundo ele, a "intenção de iluminar com os seus olhos aquilo que todos veem sem se dar conta disso".

O livro "As cores do crepúsculo - A estética do envelhecer" é uma de suas mais recentes publicações constituindo-se de crônicas que tem como tema o movimento do tempo e o envelhecimento. "Essa imagem me trouxe grande alegria. Ela dava conteúdo sensível àquilo que eu estava sentindo(...) Eu podia então falar sobre a velhice falando sobre o crepúsculo"(...).

"Albert Camus em ‘Cadernos da Juventude’ conta que em Atenas havia um templo dedicado à velhice, ao qual os pais levavam seus filhos.(...) Nós vivemos em uma sociedade na qual velho não vale nada (...) não tem valor comercial, é uma lâmpada queimada, é um fósforo riscado. Eu acho que é preciso educar as pessoas para ficarem sábias. Quando elas ficarem velhas, as pessoas vão querer ficar com elas não porque são velhas, mas porque são sábias (...) Sou muito amigo dos jovens, subo montanha com eles, tomo banho de cachoeira (...) Uma coisa a dizer aos moços: vivam sua mocidade de tal maneira que fiquem sábios quando ficarem velhos, para que os moços possam amá-los".

REVISTA A TERCEIRA IDADE - Fale um pouco da sua história, dos seus relacionamentos, dos lugares por onde andou...
RUBEM ALVES
- Muitas das coisas sobre a minha infância se encontram em crônicas que já escrevi e que podem ser encontradas na minha homepage: www.rubemalves.com.br . Minha homepage é organizada como uma casa com duas alas. Na porta de uma ala está escrita uma frase latina: "Tempus Fugit", o tempo foge. Na outra, uma outra frase latina "Carpe Diem", colha do dia. Essas duas frases são um resumo da minha filosofia. Na ala "Tempus Fugit" se encontram coisas passadas, que não podem mais ser mudadas. Na ala "Carpe Diem" se encontram as coisas que estão acontecendo: crônicas, entrevistas, livros, coisas novas que estou escrevendo. Por exemplo: na ala "Tempus Fugit" está uma sala com o nome de "Cemitério". Sabe o que está no cemitério? O meu curriculum vitae, ao qual dou o nome de curriculum mortis. Por que o nome de curriculum vitae se nele só se encontram coisas mortas? Há uma sala em que conto a minha história. Lá estão crônicas que escrevi para minhas netas, contando como era a vida na roça onde vivi. Meu pai foi um homem muito rico, mas perdeu tudo no crack da Bolsa de Nova York, em 1930. Mas eu nasci depois do tempo da riqueza. Naquele tempo, quando a pessoa quebrava, ficava quebrada mesmo, não tinha nada. Meu pai perdeu tudo. Ficou absolutamente a zero e foi morar numa fazenda velha que um cunhado lhe emprestou. Fazenda velha em Minas naquele tempo era uma casa de pau-a-pique, não tinha água, luz elétrica, privada, chuveiro, fogão a gás. Era fogão de lenha. Foi lá que passei parte da minha infância, da qual não tenho uma única recordação triste. Não tinha brinquedos. Mas não tinha importância, o mundo inteiro era um brinquedo: os bichos, os animais, as galinhas, os riachinhos de água limpa. Foi um tempo muito feliz.

REVISTA - Qual foi a cidade?
RUBEM
- Foi em Boa Esperança. Boa Esperança é aquela cidade que ficou famosa pela música do Lamartine Babo, "Serra da Boa Esperança". A história dessa canção é muito interessante. Um homem trocista de Boa Esperança, Carlos Neto, fez uma brincadeira com o Lamartine que era considerado o homem mais feio que Deus já havia botado no mundo. Começou a lhe escrever cartas de amor com assinatura de uma mulher inexistente. Um belo dia o Carlos Neto recebeu um telegrama do Lamartine: "Chegarei em tal dia..." Ele ficou desesperado e convenceu a irmã a fazer o papel da mulher que escrevia as cartas. A irmã, quando viu o Lamartine, não quis saber de namoro e chamegos. O romance terminou antes de começar. Aí o Lamartine, possuído por uma grande desilusão amorosa, escreveu a "Serra da Boa Esperança". "Serra da Boa Esperança" nada tem a ver com a dita serra. É uma canção de amor. Não podendo falar sobre a amada, falou sobre a serra...

REVISTA - Até que idade você viveu em Boa Esperança?
RUBEM
- Saí de Boa Esperança bem pequeno ainda. Com uns seis, sete anos de idade. Meu pai percebeu que a sua coisa não era agricultura, cabo de enxada e calos nas mãos. Tornou-se um viajante. Mas, para ser um viajante era necessário morar numa cidade que tivesse trem-de-ferro. Mudamo-nos então para Lambari. Me lembro perfeitamente do dia em que chegamos a Lambari. Na nossa casinha não tinha mesa. Meu pai foi a um armazém, arranjou um caixotão de madeira, tirou uma porta das dobradiças, pôs a porta sobre o caixote, pregou, e aquilo ficou sendo a nossa mesa. Funcionava como uma gangorra. Se aquele que se assentava na cabeceira se apoiasse sobre a mesa corria o risco de levar a terrina de feijão na testa. Os guarda-roupas eram cabos de vassoura que meu pai colocou nos ângulos das paredes. Éramos pobres, mas não tenho nenhuma memória de infelicidade. É possível ser feliz com muito pouca coisa. As crianças sabem disso. Aí meu pai começou a melhorar de vida, mudamo-nos para Três Corações, onde vivemos por seis meses para, a seguir, nos mudarmos para Varginha, cidade maior. Em Varginha vivi seis anos. Foi também um período muito feliz. Na verdade eu pensava que era rico. Meu pai comprou um Plymouth de manivela e um rádio. A compra do rádio movimentou toda a vizinhança. Todo mundo queria ouvir as novelas e as crônicas do Carlos Frias, dando as notícias de guerra: "... e Stalingrado continua a resistir". À tarde os vizinhos se juntavam à porta da nossa casa, alguns assentados em cadeiras de vime, outros assentados sobre o calcanhar. Um dos mentirosos, comentando sobre a resistência de Stalingrado, afirmou: "Pois é, hoje à meia-noite Stalingrado vai mudar de nome, vai passar a se chamar Hitlerlogrado". Naquele tempo eu já tinha uma forte consciência crítica e pensava: "Esses homens grandes não têm vergonha de contar tanta mentira?" O fato é que nunca ouvi a contestação: "Mas isso que você está falando é mentira". O comentário apropriado ao final de uma mentira era: "Mas isso não é nada". Com isso uma nova e fascinante mentira se iniciava para o prazer de todos. Como jogar conversa fora sem contar mentiras? Cada mentira era como se fosse uma obra de arte que o falador produzia com as suas palavras, da mesma forma como Picasso produzia quadros mentirosos com as suas tintas. Acho que é dessa familiaridade com o fantástico que nasce a vocação literária dos mineiros. Como disse Guimarães Rosa, "tudo é real porque tudo é inventado..."

REVISTA - E depois de Varginha, para onde você foi?
RUBEM
- Meu pai melhorou ainda mais de vida e nos mudamos para o Rio de Janeiro. Aí começou minha infelicidade. Meu pai me colocou num dos colégios mais famosos do Rio de Janeiro, na praia de Botafogo, o Colégio Andrews. Nele estudavam os filhos dos embaixadores, dos médicos famosos, dos ricos. Aí cheguei eu, caipira de Minas, falando "carne" e "mar" do jeito dos piracicabanos... Tornei-me motivo de zombaria. Isso me transformou num solitário. Durante todo o período em que vivi no Rio nunca um colega meu foi à minha casa. E nem eu queria que fosse. Tomei consciência de que era pobre e caipira. Meus colegas eram ricos e cariocas... Experiência parecida teve Albert Camus que disse que sua infelicidade começou quando entrou para o Liceu. No Liceu começaram as comparações, que são a raiz mais profunda da infelicidade humana. Foi muito sofrimento. Nessa ocasião a comunidade que me acolheu e em que me senti feliz foi uma Igreja protestante, presbiteriana.

REVISTA - Fale mais sobre a sua relação com a Igreja protestante.
RUBEM
- A Cecília Meireles tem um verso, no "Cancioneiro da Inconfidência", que diz assim: "Quando a desgraça é profunda, que amigo se compadece?" Rico, meu pai estava sempre cercado de amigos. Ele sempre pagava as contas. Pobre, foi o abandono... Ninguém o visitava, na roça... É perigoso visitar um homem quebrado. Há sempre o perigo de que ele peça dinheiro emprestado. Foi então que um pregador evangélico leigo começou a nos visitar, o Sr. Firmino. Ele pregava e nos ensinava hinos bonitos. Um deles dizia "Junto ao trono de Deus preparado há, cristão, um lugar para ti". Mas eu não entendia o "junto ao trono". Pensava que era um homem que se chamava João Totrono... Meu pai tinha também o problema da educação dos filhos. Havia, em Lavras, um internato famoso, para ele vinham estudantes de todo o Brasil - o Instituto Gammon. Os missionários americanos ofereceram bolsas de estudo para meus irmãos. Eu fiquei de fora. Era ainda muito pequeno. A minha ligação com a Igreja protestante começou, assim, por motivos pragmáticos. Meu pai nunca ligou muito para religião. Ele citava sempre, em meio a risos, o que dizia um pinguço de Boa Esperança, quando advertido sobre os perigos do inferno: "Se Deus ficar com muito enjoamento ele vai acabar sozinho no ceuzinho dele..." Minha mãe também. Pianista, ela acabou sendo organista nas igrejas. Mas não acreditava muito. Toda noite rezava a "Ave Maria", que lhe havia sido ensinada pela escrava Iaiá que a criara. É mais seguro ter várias religiões ao mesmo tempo... O Riobaldo, do Grande Sertão - Veredas, não desprezava nenhuma: ia ao Kardec, do seu compadre Quelemem, mas não desprezava os metodistas, que se acusavam de pecado e cantavam hinos bonitos... No Rio de Janeiro comecei a ter um desejo enorme de ser pianista. Minha mãe era pianista, e desde criança fui educado ouvindo música erudita. Já me acusaram de ter gostos aristocráticos. Mas, que posso fazer? Por isso tenho medo de que, algum dia, as bases venham a ser consultadas sobre a música a ser ouvida de forma "politicamente correta". Tinha vontade mas não tinha talento. Fracassei. Aprendi, muito mais tarde, que a minha vocação era fazer música com palavras...

REVISTA - Sem democratismos, não é?
RUBEM
: Eu sou extremamente sensível às necessidades do povo. As coisas que escrevo dão testemunho disso. O que não quer dizer que eu acredite na inteligência do povo. Afinal de contas, a democracia brasileira é feita pelo voto do povo... As esquerdas são responsáveis pela idealização do povo. E nisso eu tenho um pouco de culpa porque fui um dos precursores da Teologia da Libertação, para a qual o povo é o agente da libertação da história. Mas, ao ler a Bíblia, descobrimos que ali o povo é muito diferente da idealização que dele fizeram os revolucionários de esquerda. Coitado do Moisés! Subiu ao monte sagrado para receber os Dez Mandamentos das mãos do próprio Deus e, quando voltou, encontrou o seu povo entregue a uma orgia idólatra, adorando um bezerro de ouro. Moisés ficou tão bravo que quebrou as tábuas da lei sobre uma pedra. E a história do profeta Oséias, tão comovente! Casou-se com uma mulher, por quem era apaixonado. Mas a mulher que ele amava gostava mesmo era da prostituição. Sua vida conjugal foi u a sucessão de infidelidades e perdões. Até que ela o abandonou e desapareceu. Um dia, andando pelo mercado de escravos, Oséias viu a mulher que ele amava sendo vendida como escrava. Pois ele a comprou dizendo: "Agora você será minha, para sempre...". O profeta tomou a sua desdita amorosa e a transformou num poema sobre o amor de Deus pelo povo. Povo prostituta, amado mas indigno de confiança...

REVISTA - Você estava dizendo que gosta muito de música. Que compositores mais o sensibilizam?
RUBEM
- Bach, Mozart, Beethoven, Brahms, Chopin, Schumann (a música de Schumann era a alegria de Nietzsche!), Rachmaninoff (o seu concerto n. 3, interpretado por Martha Argerich, é monumental), Mahler, Cesar Franck, Faure (o seu Requiem é comovente).

REVISTA - Quais são os seus autores preferidos nas diversas áreas de conhecimento: Filosofia, Psicologia, Psicanálise...?
RUBEM
_ Nietzsche, Feuerbach, o jovem Marx, Albert Camus, Bachelard, Barthes, Octávio Paz, Fernando Pessoa, Saramago, Guimarães Rosa, Kierkegaard, Unamuno, Milan Kundera, Whitmann, T. S. Eliot, Adélia Prado, Manoel de Barros, Jorge Luis Borges, Angelus Silésius, Lutero, Blake...

REVISTA - Como você descobriu o seu talento para escrever: foi num momento especial ou foi um processo?
RUBEM
- Nunca desejei ser escritor. Nunca me preparei para ser escritor. Sempre fui um péssimo aluno de gramática e análise sintática. Análise sintática tem a função de ensinar os alunos a detestarem a língua; é muito chata. Minha experiência com a literatura foi a seguinte: quando nos mudamos para Varginha meu pai já estava melhorzinho de vida; já tinha o carro com manivela; já tinha um rádio. E nos presenteou com um luxo: entrou como sócio do Clube do Livro, que mensalmente nos enviava um livro. Uns livros horríveis, em papel jornal, cujas folhas tinham de ser abertas com uma faca. Como nós éramos pobres, não frequentávamos clubes, não fazíamos viagens de férias, havia o tempo vazio. O que fazia eu com meu tempo vazio? Lia os livros que iam chegando, todos livros da literatura universal. Com 9 anos li "Madame Bovary". Não entendi nada. Mas li até o fim. E assim fui lendo... Ninguém me mandava ler. Lia porque queria. Na escola também havia algo maravilhoso, de que me recordo com grande prazer: aulas de leitura. A professora lia para os alunos livros fascinantes. Só para o nosso prazer. Não havia nem provas nem testes de compreensão. Não era preciso. Se é preciso um teste de compreensão é porque alguma coisa está errada: o livro está muito além do leitor. Essa é uma coisa que os professores precisam aprender: leitura é algo que se deve fazer por prazer, de forma vagabunda, sem nenhuma obrigação. O teste destrói o prazer.

REVISTA - Quais são suas impressões sobre o leitor brasileiro hoje: o que ele quer, quais as preferências que tem? O brasileiro atualmente lê mais, lê menos?
RUBEM
- Não sei quem é o leitor brasileiro. Posso falar sobre os meus leitores. Uma das grandes alegrias que tenho é o contato com os meus leitores! Todo dia recebo dezenas de e-mails. A maior felicidade que tenho é com os adolescentes. Adolescentes, em geral, não gostam de ler. Mas os que me lêem ficam gostando e se tornam meus amigos. O segredo, talvez, esteja em que escrevo curto. Minhas crônicas são fotografias. Uma pessoa que não gosta de ler, se pegar um livro, por melhor que seja, de 200 páginas, achará mais fácil escalar o Everest que chegar ao fim do livro. E há também a minha experiência com as crianças. E com as pessoas que, ao me ler, têm a experiência de comunhão. Gosta-se de um livro quando o escritor diz aquilo que o leitor sentia, sem ter palavras para exprimir. Na experiência de comunhão o leitor está dizendo: " Eu e o escritor somos iguais". Bernardo Soares diz que "arte é comunicar aos outros nossa identidade íntima com eles". As pessoas que não gostam de ler são aquelas que ainda não tiveram experiência com o prazer da leitura. E nisso as escolas não ajudam. Só atrapalham.

REVISTA - De que modo incentivar nas pessoas o gosto pelas leitura?
RUBEM
- Já recebi essa pergunta de outro jeito: como criar o hábito de leitura? Hábito a gente cria para coisas de que não gosta! Como cultivar o hábito de gostar de uma mulher? Isso não é possível. A questão não é desenvolver o hábito da leitura. A questão é ensinar o gozo da leitura. A leitura tem de ser gozosa. Nisso a leitura é semelhante à comida. Essa é uma das missões do professor. Usando uma imagem de Barthes, ele deve ser um mestre do "kama sutra" dos prazeres de ler. Vou contar uma coisa que aconteceu comigo. Um amigo meu tem uma casa em Cabo Frio. Me convidou para ir lá e disse que cinco adolescentes também iriam. Tratei de me proteger! Fui na livraria e procurei uma versão para jovens da Odisseia de Homero. Ao fim do primeiro dia de praia, acordados da sesta, os adolescentes estavam perdidos, sem ter o que fazer. Antes que tivessem a ideia de ligar a televisão eu falei de forma autoritária: "Vocês aí, venham cá". Não consultei as bases. Se fosse consultar, eles votariam pelo futebol ou pelo Faust o. Intimidados, vieram e se assentaram. E comecei a leitura. Foi o fascínio. Dali para frente não me deram mais descanso... A leitura é como surfar. Quem não sabe surfar leva a prancha na cabeça. Ler é surfar sobre as palavras. Mas, para isso, é preciso dominar a técnica. Como é que os moços vão aprender a técnica da leitura, necessária ao prazer da leitura? Ouvindo quem sabe ler.

REVISTA - Não lhe parece que a arte da narrativa se perdeu? Você não acha que a televisão, os meios de comunicação sepultaram-na?
RUBEM
- Depois que as pessoas aprendem o prazer da leitura e comparam a leitura com a televisão, se dão conta da pobreza que é a televisão. Quando você está lendo, o imaginário é seu. Você é o diretor de produção do seu filme. Você vai criando as imagens do jeito que você quer. Na televisão você é atropelado pelas imagens, porque o tempo da televisão é rápido. O tempo da leitura é lento. É preciso ler bovinamente, pastando, ruminando...

REVISTA - Como descobriu o seu talento?
RUBEM
- Descobri o meu talento no dia em que resolvi romper com a universidade. A universidade é o sepulcro dos escritores, nela não há lugar nem para a arte nem para a literatura. Gabriel Garcia Marques escreveu um texto com conselhos aos jovens que desejam entrar pelo caminho das artes. E o seu conselho inicial é: "Façam ao contrário do que lhes foi ensinado na escola". A universidade é o mundo cartesiano, onde o que importa são as ideias claras e distintas. Mas, na literatura, o essencial é a música do texto. Essa é a razão porque a poesia não deve ser lida em silêncio. Ela deve ser recitada, para que a sua música seja ouvida. Ler um poema em silêncio é o mesmo que olhar para uma partitura musical sem tocá-la.

REVISTA - Rubem, qual é a sua opinião sobre a conjuntura social, política e econômica mundial? Como você analisa o fenômeno da violência? Internacionalmente estamos chocados com a onda de terrorismo, no Brasil com a onda de sequestros. Como você se sente diante dessas manifestações de violência? Para você qual é o sentido dessa violência? O ser humano é naturalmente violento, ou é a sociedade que o torna violento?
RUBEM
- Um dos grandes teóricos do pensamento sobre a sociedade é o Hobbes, autor do clássico "Leviatã". O problema que o ocupa é o seguinte: como explicar o nascimento e a existência do Estado, posto que o Estado não nasceu naturalmente, tendo sido criado pelos homens. Hobbes se pôs, então, a imaginar (naquele tempo parece que as pessoas eram mais inteligentes; eram capazes de produzir conhecimento com o simples exercício da imaginação, sem as muletas das estatísticas...) como seriam as relações entre os homens antes da existência do Estado: os homens, entregues ao seu desejo, sem limites, sem nada que os iniba. Era a "guerra de todos contra todos". A violência era a regra. Cansados da violência, os homens se puseram a pensar. É sempre assim: é preciso sofrer para pensar... E chegaram à conclusão de que o "cada um por si" não dava certo. Resolveram, então, fazer um pacto: abririam mão das suas vontades individuais, causa da violência, e aceitariam a vontade de um soberano que estabeleceria regras para a vida comum: as leis. Mas, como obrigar os homens a obedecer as leis, se em cada um deles continuava vivo o seu desejo particular? Hobbes afirma: os homens, na sociedade, não são movidos pelo amor e pela razão. Só são movidos pelo medo. Por isso o soberano tem na sua mão a espada: ele usa a violência da espada para produzir a paz. Na definição de Max Weber, "o Estado é a instituição que detém o monopólio da violência legítima sobre um determinado território." Através do uso da violência legítima o Estado tem de ser capaz de impedir a violência individual. Se o Estado não tem capacidade para controlar a violência, deixa de ser Estado. Será essa a situação do Brasil? Estaremos sem um Estado, à mercê dos criminosos?

REVISTA - Rubem, você tem uma utopia? Que sociedade você visualiza? Uma sociedade ideal como seria realizada?
RUBEM
- Eu não tenho uma utopia. Mas o meu pensamento sobre política é sempre inspirado por uma imagem poética, a imagem de um jardim. Para os Gregos, a imagem inspiradora era a da "polis", um espaço protegido onde os homens podiam se dedicar às coisas boas da vida, sem medo. Os hebreus, que eram nômades no deserto, sem lugar fixo, sonhavam com um jardim. Quem vive no deserto sempre espera encontrar o oásis. Jardim, paraíso, lugar onde se realiza o ideal de Marx de "naturalização do homem e humanização da natureza": o homem e a natureza, em harmonia. Por isso digo que "política é a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas". O político tem de ter alma de jardineiro...

REVISTA - Como você vê a questão do envelhecimento humano?
RUBEM
- Vou alterar sua pergunta: como vejo a questão do meu próprio envelhecimento? Estou feliz do jeito como estou, por dentro... Nunca estive em tanta paz com as minhas ideias. As ideias nunca me foram tão amigas. Elas me vem com uma abundância que às vezes me sufoca. Não tenho tempo pra escrever tudo o que penso. As ideias - aquilo a que se poderia dar o nome de "alma" - constituem o que, na linguagem dos computadores, tem o nome de "software". Já o "hardware" é o conjunto de coisas físicas que fazem o computador. Também nós temos um "software" e um "hardware". O "hardware do Mike Tyson é fenomenal. Mas o seu "software" é lamentável. É o "software" que torna as pessoas bonitas. É gostoso estar com alguém cujo "software" é inteligente. A velhice é o tempo em que o "hardware" começa a dar mostras de fraqueza: vem a calva, vão-se os dentes, vêm as dores, não se transa mais com o automatismo com que se transava... Uma paciente minha dizia que ela estava vivendo a "hora do suflê". Suflê: todo estufadinho. Mas, de repente, um golpe de ar e puff! Ele murcha. Eu lhe disse, então, que também os homens têm sua "hora do suflê": as coisas que estavam no alto começam a cair... Mas não importa: suflê, mesmo caído, é bom de ser comido... Ao contrário do que acontece com o "hardware", com a velhice o "software" pode ficar mais livre, mais voante. Isso aconteceu comigo. Voo mais hoje com meus pensamentos do que voava quando era jovem. Isso me faz feliz. O segredo do envelhecer, assim, é a renovação de nossas maneiras de pensar. Dizem que Paganini, o famoso violinista, era capaz de tocar música num violino de uma corda só. Mas há violinos completos dos quais não sai música alguma. Assim são as pessoas... Velhice: a arte de fazer música num violino de uma corda só... Mas, para isso, há de ser artista... Acho que a grande questão é dar-se conta do tempo em que se vive. Lição das Sagradas Escrituras: "Ensina-me a contar os meus dias de forma a ter um coração sábio..." É preciso perceber que o tempo é curto. Quando percebemos que o tempo é curto ficamos libertos das mesquinharias que frequentemente tomam conta de nós. Senti que estava velho quando, ao olhar para os meus livros, centenas, milhares, me perguntei: "Vou ter tempo de ler esses livros? Vou querer ler esses livros?" Minha resposta foi: "Não!" Aí o que fiz? Separei os livros que eu amo e quero reler. Os outros, eu os dei. Não havia sentido em guardá-los. Há uma estória oriental, zen, que diz assim: Um homem ia por uma floresta, estava muito escuro, e de repente ouviu um rugido terrível. Era um leão. Ele ficou com muito medo e começou a correr. Como estava escuro ele não viu por onde ia e caiu num abismo. No desespero da queda agarrou-se a um galho e ficou pendurado sobre o precipício: lá embaixo, o abismo; em cima, o leão. Olhou então para a parede do precipício e viu uma plantinha com uma frutinha vermelha, um morango. Ele estendeu seu braço, colheu o morango e o comeu. Estava delicioso! Esta é a minha história. Aqueles que gostam de um final claro perguntam logo: "Ele caiu ou não caiu?" Eu respondo: "Você não percebe que o homem é você, que sou eu? Vamos cair. Ainda não caímos. Por enquanto, tratemos de comer os morangos...

REVISTA - Quando você faz a sua reflexão sobre o envelhecimento, imprime a ela um tom poético. Você acha que os nossos velhos abandonados, perambulando pelas ruas ou asilados, encontram poesia na velhice?

RUBEM - Há um lado da velhice que é muito triste. Sobre isso, leiam o livro da Simone de Beauvoir, "A Velhice". Nunca escrevi sobre esse lado porque, por compulsão inexplicável, fico o tempo todo tentando mostrar os morangos... O meu grande medo é a solidão. Por enquanto tenho a graça de ter muitos amigos. Mas eu acho, talvez por preconceito machista, que as mulheres são mais afortunadas que os homens. Os velhos, quando as mulheres morrem, ficam perdidos. Não sabem o que fazer com a casa. Afinal de contas, nunca foram "donos de casa...” As mulheres, ao contrário, geralmente rejuvenescem quando os maridos morrem. Abre-se a porta da gaiola! Tenho uma opinião herética pela qual os religiosos me amaldiçoarão: acho que todo ser humano tem o direito de dizer: "Chega, já vivi o que eu tinha que viver". A vida humana só é digna de ser vivida enquanto houver a esperança de alegria. Se eu chegar à conclusão de que não há nada para a frente, tenho o direito de escolher que não quero mais viver. Me lembro de um amigo me , nos Estados Unidos. Era um homem extraordinário, falante, brilhante. De repente teve um derrame, e também a sua mulher. Ficaram os dois numa casa, passando pelas maiores humilhações, incapazes de controlar seus esfíncteres, falando de forma ininteligível, à mercê dos outros. Resolveram, como um casal que se ama, que era hora de partir. E partiram juntos. Atravessaram a ponte.

REVISTA - Na questão da finitude, da morte, entra mais em cena o psicanalista ou o pastor Rubem Alves?
RUBEM
- Para mim, a ideia de "pastor" é a ideia de "cuidar". Não tem nada a ver com profissão eclesiástica. Jesus dizia que muitos pastores eram lobos disfarçados. Eu sou pastor de nascimento. O sofrimento dos outros me faz sofrer. Nesses últimos tempos, especialmente o sofrimento das crianças. Como pastor, trago entre minhas ferramentas de cuidado (como o médico de antigamente levava as suas, na sua valise) o que aprendi nas leituras de psicanálise. Mas não pense que, ao falar sobre psicanálise, estou me referindo aos textos teóricos. Os poetas: eles eram psicanalistas milênios antes de Freud haver dado dignidade filosófico-acadêmica àquilo que eles faziam sem precisar pensar. Fernando Pessoa é um dos meus mestres. O outro é Nietzsche. Sobre ele Freud escreveu que não conhecia nenhuma pessoa que conhecesse tanto sobre a natureza humana. Aconselho a leitura do livro "Quando Nietzsche chorou".

REVISTA - Você concorda que a morte é uma questão interdita, colocada na sombra? Há uma negação da morte?
RUBEM
_ Para mim uma situação terrível é essa: a pessoa vai morrer, sabe que vai morrer. Deseja compartilhar o seu medo e a sua tristeza com alguém. Mas o outro, incapaz de falar honestamente sobre a morte, corta a conversa: "Que bobagem. Tire essa idéia da cabeça. Dentro em pouco você estará bem." Instaura-se o silêncio. Não seria muito mais humano se se dissesse: "Sei que você está com medo de morrer. Eu compreendo. A vida é tão boa. Não quero que você morra. Mas, se isso acontecer, vou estar ao seu lado. E vou sentir muito a sua falta. Mas dentro de algum tempo nos encontraremos, quem sabe, no "tempo da delicadeza". Existe uma especialidade médica encarregada de ajudar os homens a entrar na vida: os obstetras. Deveria haver uma especialidade encarregada de ajudar as pessoas a sair da vida. Nada a ver com os intensivistas, cuja missão é evitar a partida, e para isso usam os recursos técnicos mais cruéis. Ajudar a pessoa a partir significa conversar com ela; acolher o seu medo. Evitar os consolos. O consolo do céu, por exemplo. Eu não quero ir para o céu. Ninguém quer ir para o céu. Se quisessem não cuidariam tanto da sua saúde. Eu quero ficar. Amo esse mundo. A Cecília Meireles escreveu esses versos: "Eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar, enfim se chega. O que será talvez até mais triste. Nem barco e nem gaivota, mas apenas sobre-humanas companhias". Já imaginou um céu que não tem barco, não tem gaivota, não tem as palmeiras?! Todo mundo adorando a Deus, aquele narcisista insuportável?! Deus criou o universo e todos os seres para ser adorado. Haverá narcisismo maior? Não sou eu quem diz isso. São os teólogos que afirmam que ele criou o universo para que os homens o adorassem eternamente. Dizer isso de Deus: haverá ofensa maior? Acho que o castigo eterno que está reservado aos teólogos é passar a eternidade adorando Deus. Isso será o seu inferno.

REVISTA - A propósito, como é que você vê a questão da religiosidade e que relação você estabelece entre religiosidade e envelhecimento? As pessoas, quando velhas, ficam mais religiosas por convicção, medo ou conveniência?
RUBEM
- Até Freud tinha uma religião só dele. Ele falava sobre os dois grande deuses que movem o universo: de um lado Eros, o amor. Do outro Thanatos, a morte. É dessas duas fontes que nascem as religiões. Tenho pena das pessoas dominadas por uma religião nascida do medo. Elas se transformam em tartarugas. Mas a religião nascida do amor e da vida nos dá asas. Agora, falando baixinho: tenho a suspeita de que o ataque súbito de religiosidade que frequentemente acomete os velhos tem suas raízes no medo...

REVISTA - Você acredita em reencarnação?
RUBEM
- Digamos assim: eu não gostaria de ir para um céu. Eu gostaria de voltar para a terra. Voltar não para pagar contas pendentes de encarnações passadas. Deus não tem contabilidade. Deus não cobra dívidas. Voltar, pelo prazer de voltar. A alma anda para trás. Ela é movida pela saudade. O amor pede repetição. Ouvir de novo o mesmo poema, dar de novo o mesmo abraço, comer de novo a mesma comida... Os evolucionistas imaginam que o tempo anda para o futuro. Evolução. De uma coisa estou certo: o tempo da alma, movido pela saudade, caminha para atrás. Por isso dei a um dos meus livros o título de "O retorno eterno..."

REVISTA - Como você relaciona a questão do envelhecimento com a questão da sexualidade?
RUBEM
- Você está sendo indiscreto... (risos)

REVISTA - Bem, digamos assim de um ponto de vista mais amplo, impessoal...
RUBEM
- A sexualidade dos homens passa por duas fases. Quando se é adolescente o impulso sexual é uma coisa brutal, violenta, como uma erupção vulcânica. O adolescente fica com tesão automaticamente, naturalmente, sem sequer precisar pensar numa mulher. Com o passar do tempo esse impulso irracional se modifica. Se numa primeira fase o corpo é movido por realidades físicas, numa segunda fase é movido por realidades poéticas. Diz-se que os velhos, por causa do envelhecimento físico, perdem a vontade sexual. Discordo. Os velhos perdem a vontade sexual por exaustão poética, monotonia, enfado, chatice. Perdem o olhar de criança. Enquanto existir dentro de nós uma criança, a sexualidade vai ser um dos nossos brinquedos. O que mais me comoveu no filme Dr. Jivago não é o amor do Jivago pela Lara. É uma cena, num trem que atravessava os campos gelados: todos dormindo. Um velhinho, bem velhinho, delicadamente beija o rosto da sua velhinha adormecida.

REVISTA - Uma questão que está ligada à sexualidade é a da afetividade. Como você relaciona envelhecimento, sexualidade e afetividade?
RUBEM
- Há casos em que dois velhos ficam juntos porque o seu prazer é fazer o outro infeliz. Já propus uma mudança nas palavras da liturgia: em vez de "até que a morte os separe", "até que a casa os separe." A casa é a grande responsável pelas separações. Na casa os amantes são obrigados a viver juntos. Aí começam os esbarrões, as implicâncias, as intolerâncias, as vigilâncias, os pedidos de explicações. Não há amor que aguente rabugice. Quero contar uma história verdadeira de amor. Foi-me relatada por um médico, meu amigo, sobre o seu tio. O tio, quando adolescente, fora apaixonado por uma jovem. Aí ficou tuberculoso. No início do século, a tuberculose era sinônimo de morte. Foi para um sanatório onde ficou por quatro anos. Durante esse período a moça, premida pelos pais, casou-se com outro homem. Nunca mais se viram. Quando ele estava com 76 anos, ficou viúvo. Quando ele estava com 79 e ela com 76, ela ficou viúva. E ficou sabendo que ele estava vivo. Ficou roída de curiosidade. Foi procurá-lo. Se encontraram e ficaram perdidamente apaixonados, como na adolescência. Resolveram se casar. Os filhos protestaram. Velho não deve pensar em amor. É obsceno... Eles ignoraram os filhos. Ela morava em São João da Boa Vista, ele morava em São Paulo. Casaram-se e foram morar em Poços de Caldas. O velho se transfigurou, virou poeta, ficou feliz. Tocava violino. Mas o seu violino ficara por há 40 anos em cima do guarda-roupa porque a primeira mulher não gostava de violino. Mandou reformá-lo, entrou para uma orquestra e disse: "Se eu viver com essa mulher dois anos, minha vida terá valido a pena". Mas, ele amou tanto que não aguentou dois anos, morreu antes. Achei tão bonito que escrevi uma crônica: "E os velhos se apaixonarão de novo". Um mês depois recebi um telefonema: "Professor Rubem Alves, quero agradecer ao senhor a linda crônica que o senhor escreveu. O senhor já deve saber quem está falando: é a viúva." E por 40 minutos ela me contou a história daquele ano de amor. Ao final ela terminou com essa declaração maravilhosa: "Pois é, professor, nessa idade a gente não mexe muito com as coisas do sexo. A gente vivia de ternura."

REVISTA - Essa história lembra a do amor entre os dois velhos do romance "Nos Tempos do Cólera", de Gabriel Garcia Marquez.
RUBEM
- Mas é claro! Nessa crônica mencionei não só o amor do Fiorentino Ariza pela Firmina Daza, que tinha casado com o Dr. Urbino, como também o caso do poeta T. S Eliot que só encontrou o seu amor quando tinha 68 anos de idade. Isso é não literatura. Acontece na vida...

REVISTA - Que diferença há no modo de homens e mulheres envelhecerem?
RUBEM
- Acho que as mulheres envelhecem muito melhor do que os homens. A razão para isso, se entendo corretamente, é a seguinte: as mulheres estão ligadas à casa. A casa é o seu espaço. São as "donas de casa". Ali é o seu domínio, fazem as suas coisas. Mas os homens viveram a vida toda fora da casa. Aquele não é o seu espaço. São intrusos. Lembro-me, da minha infância, as mulheres em Minas expulsando seus maridos da casa nas manhãs de sábado com as palavras: "Lugar de homem é na rua". Aí, o que acontece? O homem morre, por não ter um espaço seu. Sem um espaço que seja seu resta-lhe jogar dominó, ver televisão e morrer. A aposentadoria pode ser letal.

REVISTA - Você costuma falar da aposentadoria como época de desfrute. Você acha que o aposentado brasileiro está tendo do que desfrutar?
RUBEM
- Há, evidentemente, o problema da falta do dinheiro. Pobreza. Mas há um outro problema, interior. Não fomos educados para viver com simplicidade. Viver com simplicidade é a essência da sabedoria. Vivi minha infância em condições de grande pobreza. Mas dela não tenho nenhuma memória infeliz. Albert Camus dizia que a vida feliz é uma vida pobre, sem ser miserável. Grande parte da infelicidade dos velhos tem a ver com a comparação que é a origem da nossa desgraça. Comparamo-nos com aqueles que têm demais. É da comparação que nasce a inveja. E a inveja estraga qualquer vida. Não fomos educados para ser criativos por conta própria. Parece que precisamos de um chefe que nos dê ordens...

REVISTA - Como é que você observa o relacionamento entre pessoas de diferentes idades? Acha que existe na nossa sociedade um distanciamento entre jovens e velhos, ou até mesmo um conflito de gerações?
RUBEM
- Observe as famílias num restaurante. O velho fica no lugar de honra, a cabeceira. Que é o lugar mais longe. Todos conversam entre si. Não se dirigem ao velho. Ele não faz parte. É apenas um observador. Ausente. Já "embarcou na canoa e foi para a terceira margem do rio". Esse exílio do velho, essa solidão em meio a muitos, é o início da sua morte. É uma pena porque os velhos têm tantas estórias interessantes para contar. No momento estou escrevendo uma série de crônicas para as minhas netas em que conto como era a minha vida de menino...

REVISTA - Você acha possível integrar gerações? A nossa sociedade um dia vai estar propícia aberta para esse tipo de coisa ou esse distanciamento de gerações veio para ficar?
RUBEM
- Tenho dificuldades em lidar com conceitos que lidam com grandes grupos como "geração", "classe social", "povo"... Acho, honestamente, que essa é uma questão individual, pessoal. Há velhos que são rabugentos e chatos, como há velhos que são deliciosos e sábios. Como há adultos que são intolerantes e faladores e há adultos que cultivam a virtude da paciência e do ouvir. De qualquer forma, acho que seria educativo pensar no que disse Albert Camus, nos seus "Cadernos da Juventude". Ele disse que em Atenas havia um templo dedicado à velhice, ao qual os pais levavam seus filhos. Talvez tenhamos de começar a erguer templos dedicados à velhice...

REVISTA - Se você pudesse falar alguma coisa para os jovens, se eles todos pudessem escutá-lo nesse momento, o que você diria a eles?
RUBEM
- Eu diria "Carpe Diem". Não joguem fora o presente. Colham os morangos, enquanto for possível. Mas lembrem-se de que a velhice virá mais cedo do que se pensa. E só há uma forma de viver a velhice com alegria: se nos tornarmos sábios no presente. Recordo o dito pelo escritor sagrado: " Ensina-me a contar os meus dias de tal maneira que alcance um coração sábio..."