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Tesouros seculares
As riquezas e problemas de quatro parques brasileiros
LEONARDO SAKAMOTO
Das três grandes chapadas nacionais, a Diamantina é a mais lembrada. Não que a dos Guimarães ou a dos Veadeiros não sejam igualmente bonitas, mas a história secular da primeira – com velhas lendas de veios de ouro ou cascatas de brilhantes que atraíam gente de todo o mundo – marcou o imaginário popular. São centenas de quilômetros de trilhas em meio a vales de silêncio ensurdecedor, montanhas e mesetas esculpidas pelo vento, rios de água cristalina e belas cachoeiras. Tudo isso servindo de cenário a alguns velhos senhores que insistem em remexer cascalho em busca de ouro ou diamante.
Porém, quem vai para esse paraíso cravado no coração da Bahia começa a perceber a infinidade de problemas que ele contém logo no caminho. As rodovias da região são fiéis reproduções da superfície lunar (o veículo da reportagem de Problemas Brasileiros teve a infelicidade de cair em duas crateras, no meio da noite, em situações que colocaram em risco seus ocupantes). A BR-242, que liga Salvador a Brasília – principal acesso às cidades de Palmeiras e Lençóis, bases para a visitação –, é a pior delas. Crianças, ao longo da rodovia, tapam os buracos com terra e depois estendem a mão para esperar uma moeda como recompensa. O serviço de recuperação de estradas, que o governo faz vagarosamente, é terceirizado por mãos pequenas, em idade escolar.
Há quatro pessoas para guardar os 152 mil hectares de área do parque nacional. Ou seja, 38 mil hectares por pessoa. Isso se desconsiderarmos que elas também têm trabalho de gabinete a cumprir.
Apesar de ter sido criado em 1985, só agora o governo federal está liberando recursos para desapropriar os donos das terras. Ou seja, todos os pontos turísticos são propriedades particulares. E por mais que a lei proíba qualquer destruição ou alteração no ecossistema da região, boa parte dos fazendeiros não está muito preocupada com isso. Põem árvores abaixo e realizam queimadas para preparar o plantio ou criar pasto.
Por exemplo, o fogo nasce na chapada Diamantina não por obra da natureza ou de turistas sem educação. A maioria dos incêndios é criminosa, e prova disso é o grande número de latas com óleo ou gasolina que são encontradas depois que tudo acaba. E, como propriedade da terra e poder se confundem, a impunidade é algo corrente, seguindo a tradição coronelista secular. Basta olhar a lista de prefeitos e vereadores da região e compará-la à de proprietários de terra. Promotores de Justiça têm conseguido boas ações com vistas a preservar a natureza e punir os culpados, mas ainda é pouco para o tamanho da Diamantina.
De acordo com José Carneiro Bruzaca, diretor do parque nacional, para trabalhar com tranqüilidade seriam necessárias, no mínimo, 50 pessoas, distribuídas nas áreas de prevenção, fiscalização, monitoria e burocracia. Recursos humanos e materiais. Porém, o único carro que o Ibama possui é um Pampa, ano 1992, que serve para todos os afazeres, do combate a incêndios ao trabalho de fiscalização.
Como a demarcação do parque está só na teoria, as portarias também. Os limites são muito tênues, assim como o conceito de certo e errado. No entorno – área de preservação ambiental – há corte ilegal de árvores como o ipê e o angico. Sem portaria nem cobrança de entrada, um importante gerador de receita deixa de existir.
Não fosse a ação do Grupo Ambientalista de Palmeiras (GAP), a situação da chapada Diamantina seria ainda mais delicada. Em atuação conjunta com o Ibama em uma série de ações, e substituindo o órgão em várias outras, os "tuaregues da chapada", como são conhecidos os integrantes dessa organização não-governamental, tornaram-se os anjos da guarda desse parque nacional. A marca registrada são os turbantes. De acordo com Joás Brandão, líder do grupo, "os tuaregues do deserto do Saara foram um povo guerreiro, que lutava por seu lugar. Eles são um exemplo para nós".
Brigada contra incêndios, recolhimento de lixo reciclável, horta orgânica e comunitária, assistência às famílias pobres da região, arborização de cidades e vilarejos, trabalhos de conscientização ecológica, denúncias contra os destruidores do meio ambiente. Isso só para introduzir o trabalho desses 16 voluntários que fizeram da defesa da chapada Diamantina sua própria vida nos últimos 15 anos.
"Não existem palavras para agradecer ao GAP. Na hora em que a gente precisa, eles já estão lá. São bons parceiros e não exigem nada em troca", reconhece Bruzaca. Considerados uma das melhores brigadas do Brasil, tendo controlado incêndios que consumiam a chapada dos Veadeiros e o Parque Nacional do Monte Pascoal, o GAP não lucra com seu trabalho. Já chegaram a apagar fogo descalços, devido à falta de dinheiro para comprar uma bota.
Graças aos tuaregues, existem na chapada Diamantina idéias diferentes das de 15 anos atrás, quando o grupo e o parque nasceram. A consciência ecológica cresceu e o reconhecimento do ser humano como parte integrante da natureza também. Além deles, muitos estrangeiros que vieram morar na região a partir da década de 70 ajudaram nesse processo.
"Porém, há muito a ser feito", afirma Fátima Gomes, membro do grupo. "Como explicar aos nativos daqui que um metro quadrado de área natural preservada vai dar mais dinheiro que o mesmo espaço destinado ao plantio de café? Ensinar que é possível ganhar dinheiro com ecoturismo é tão difícil quanto falar de preservação para alguém que está na miséria."
Apesar de tudo isso, a chapada Diamantina é um negócio que dá lucro. Tanto que a Nordeste, companhia aérea pertencente à Varig, realiza vôos de segunda a sexta-feira para Lençóis. Grandes agências de São Paulo e de Salvador ganham muito com a Diamantina. A Associação de Guias de Lençóis possui mais de 120 membros e, mesmo assim, chegam a faltar guias nos feriados (cada um pode levar até dez pessoas por vez). Há dias em que parece que o mundo inteiro converge para a região. Um exemplo foi a Semana Santa, quando mais de 4 mil pessoas visitaram o morro do Pai Inácio, apenas uma das atrações do parque.
E, como sempre, falta infra-estrutura: hotéis, restaurantes, assistência ao turista. A prefeitura fica devendo no que diz respeito a saneamento básico, coleta de lixo, estímulo ao artesanato, treinamento de guias, repressão à mineração ilegal e seu comércio. Lençóis, apesar de ficar distante dos principais pontos turísticos, está mais bem-estruturada. A cidade de Mucugê e o vilarejo de Capão também têm estrutura razoável, embora insuficiente. Palmeiras está parada no tempo, pois os políticos locais não mostram interesse em preparar a cidade para o turismo.
Há um hotel cinco estrelas que recebe turistas do mundo inteiro, do Japão aos Estados Unidos. O fluxo de pessoas é cada vez maior e não há condições para suportar toda essa gente. Se não fosse o GAP, por exemplo, o problema do lixo já teria produzido um grande desequilíbrio ecológico na chapada Diamantina. Nos feriados, eles chegam a recolher 2 toneladas.
Existem vários outros exemplos de preservação que partem dos próprios habitantes do lugar. Ações de defesa tanto do meio ambiente quanto de seres humanos à margem da sociedade. E não há nada mais perfeito, pois os moradores conhecem bem os problemas da região e podem implantar soluções mais adequadas do que as exportadas pela capital federal ou pelo sul maravilha.
Contudo, o governo tem dado as costas a muitos desses projetos. Como não foram formulados por nenhum instituto, fundação, ministério ou secretaria vinculados a ele próprio, simplesmente não têm o direito de receber verbas e apoio – como é o caso do GAP.
Parceria que deu certo
Enquanto a chapada Diamantina atrai turistas por suas lendas, no Piauí o Parque Nacional da Serra da Capivara guarda em seus 130 mil hectares um dos maiores tesouros arqueológicos do planeta. São mais de 30 mil pinturas rupestres espalhadas pelos 417 sítios arqueológicos descobertos até agora, dos quais apenas 11 foram efetivamente explorados. Isso faz da região o maior ateliê pré-histórico das Américas. Fósseis de animais da megafauna, como preguiças gigantes e tigres-de-dente-de-sabre, marcas de ocupações humanas milenares e um rico ecossistema, que combina a caatinga do sertão e vestígios de Mata Atlântica, fazem do parque um dos mais importantes do país.
Talvez a serra da Capivara seja mais conhecida no exterior do que aqui dentro, tamanha a sua importância no cenário científico internacional. Muito do prestígio se deve à arqueóloga brasileira Niède Guidon, que encontrou o que se acredita serem restos de fogueiras e pedras lascadas datados em mais de 50 mil anos. Isso foi de encontro à teoria mais aceita até então, de que a ocupação humana nas Américas não teria mais do que 12,5 mil anos. Nem toda a comunidade científica aceitou os achados, afirmando que teriam sido obra da natureza. Porém, novas provas vieram à tona em 1999, com a descoberta de dentes humanos com 15 mil anos de idade e pinturas rupestres de 40 mil anos. Se confirmada a datação, as pinturas do serrote da Bastiana serão as mais antigas já encontradas no mundo.
A administração do parque cabe à Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), da qual Niède Guidon é diretora. Criada por uma missão franco-brasileira e agindo em parceria com o Ibama (que continua mantendo algumas funções, como fiscalização e arrecadação de bilheteria), a Fumdham cuida também da pesquisa científica e de projetos de desenvolvimento sustentável para moradores da região. Todas as melhorias realizadas na última década, que capacitaram a serra da Capivara a atender os visitantes com estrutura de Primeiro Mundo, são obras da fundação, que conta com contribuição financeira do governo francês.
Porém, há muitos problemas a resolver. O primeiro deles, e talvez o mais difícil, é o político. O Piauí, como muitas regiões do Brasil, vive ainda um clima de faroeste tupiniquim, no qual a posse da terra é sinônimo de poder. Os proprietários e políticos da região não ficaram nada satisfeitos com a demarcação das terras. Muito menos com a instalação do anel de preservação ambiental (que é criado ao redor dos parques nacionais para que o ecossistema tenha uma folga para respirar).
Terra é poder, e mata-se por ela. Niède Guidon já perdeu a conta do número de vezes que foi ameaçada de morte por furar o cerco do coronelismo para garantir a integridade do Parque Nacional da Serra da Capivara, considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. A produção de cal a partir do abundante calcário da área de entorno desafiava leis ambientais e até os direitos humanos, pois chegava a utilizar trabalho escravo em condições extremas de insalubridade ( ver Problemas Brasileiros número 339).
Políticos da região, que tem como centro a cidade de São Raimundo Nonato, estão envolvidos em práticas ilegais ou obstruem trâmites de projetos que visam favorecer o parque. Muitos ainda acham que progresso e crescimento têm de vir na forma de árvores derrubadas e campos arrasados, do extrativismo, da pecuária de extensão, da agricultura latifundiária.
Essas pessoas não conseguem enxergar que a solução está literalmente debaixo de seus pés, que através do ecoturismo histórico na serra da Capivara se poderia gerar muito mais receita do que todas as outras atividades somadas. "O jeito de fazer política no Piauí está piorando a cada dia. Uma pérola ouvida de um filho de político: ‘Precisa comprar votos porque, senão, os bons políticos não serão eleitos e somente os que compram votos, os corruptos, vencerão’." Niède Guidon recusou-se a votar nessas eleições municipais. "Enquanto meu voto valer o mesmo que um sabonetinho, eu não votarei."
Nos planos de curto prazo para a região, há um aeroporto internacional que já teve seu projeto e verba liberados pela União e que vai proporcionar um salto no turismo. Até agora, a maneira mais rápida de chegar à serra da Capivara é pegar um avião até Petrolina (PE) e, de lá, rodar 300 quilômetros até São Raimundo Nonato. Porém, de acordo com a Fumdham, o processo está muito lento, pois o atual prefeito – que não foi reeleito – se nega a indenizar os donos das terras.
"O turismo pode transformar a região rapidamente, desenvolvê-la, criar empregos. Mas as coisas não vão mais rápido por falta de infra-estrutura", afirma Rosa Trakalo, dona de uma agência de viagens em São Raimundo Nonato. A falta de condições para receber o turista é outro problema. A cidade é a maior da região e tem bancos, correio e restaurantes. Porém, não possui saneamento básico (o esgoto corre a céu aberto), o fornecimento de água e energia é irregular, as comunicações são péssimas (telefonar para São Raimundo é um exercício para os dedos). Há um único hotel com boas condições para receber turistas. Mas o número de quartos ainda é pequeno, mesmo somado ao dos oferecidos pelas poucas pousadas da cidade. Por isso Rosa se lamenta: "Minha agência não pode crescer mais, pois não posso arriscar uma oferta maior que as possibilidades de atendimento, prejudicando o parque e os turistas".
A Fumdham está atrás de investidores para o Origins Park, um hotel com infra-estrutura internacional, já aprovado pela Embratur e pela Sudene, mas que ainda carece de um sócio para o projeto sair do papel. Contudo, como diz Rosa, qualquer empreendimento com inteligência e bom gosto que fosse criado na região funcionaria, pois o parque atrai todo tipo de público.
Além de tudo isso, Niède Guidon está buscando recursos para um projeto gigantesco. Ela quer unir o Parque Nacional da Serra da Capivara ao recém-criado Serra das Confusões, separados por uma distância de 150 quilômetros. "Quando aqui cheguei, os grandes mamíferos da Capivara (caatinga) migravam para Confusões (cerrado) nos meses de seca. Agora isso não é mais possível, uma vez que o território entre eles foi doado a particulares. Estamos procurando recursos para comprar uma área especial, o Boqueirão Grande – onde registramos a maior biodiversidade do nordeste –, para poder estabelecer um corredor ecológico entre os dois parques e formar uma única unidade biológica. Criaremos assim um parque único, exemplar."
Para preservar o passado e garantir o desenvolvimento será fundamental uma parceria tríplice entre a academia, o governo e a iniciativa privada. Esta última lucraria muito com os ecos pré-históricos da serra da Capivara, caso resolvesse aportar seu ecocapital por lá. E, principalmente, ajudaria a tirar da miséria e do cabresto milhares de pessoas que, por conveniência dos políticos, não conseguem visualizar o próprio futuro.
O paraíso custa caro
O primeiro parque nacional marinho do país surgiu em 1983 para proteger uma filial do paraíso localizada a aproximadamente 70 quilômetros do litoral sul da Bahia. Com uma área de 91 mil hectares, engloba quatro ilhas do arquipélago dos Abrolhos (a quinta, Santa Bárbara, pertence à marinha), o parcel dos Abrolhos e o recife das Timbebas.
Colunas de coral em forma de cogumelo atingem a superfície do mar com mais de 25 metros de altura, colônias de corais-fogo chegam a medir 3 metros de diâmetro. A visibilidade da água ultrapassa os 30 metros no verão. Isso fora a profusão de cores de peixes, esponjas, moluscos. A região foi escolhida como berçário por aves, répteis e mamíferos. Atobás, fragatas, beneditos fazem seus ninhos dividindo espaço com tartarugas marinhas que vêm calmamente desovar nas ilhas. Entre julho e novembro, baleias jubarte vêm namorar ou ter seus filhotes nas águas quentes do parque nacional, atraindo turistas de todo o mundo. Como as baleias estão protegidas pelo decreto-lei 7.643 de 1987, a região se transformou em um verdadeiro santuário.
O paraíso, porém, tem um preço. Abrolhos é um parque peculiar: não tem cerca, portaria, limites visíveis. Apenas água. Impossível atingi-lo de carro ou mesmo andando. Isso implica a contratação dos serviços de uma operadora de turismo credenciada pela Embratur para, assim, vencer de barco os 70 quilômetros que separam o continente das ilhas do arquipélago.
O roteiro básico, sem nenhum equipamento, incluindo apenas um lanche, custa o escorchante valor de R$ 130. Somado à taxa de preservação do Ibama (R$ 12), o passeio de algumas horas sai por R$ 142 – quase um salário mínimo. Isso considerando o programa de um dia que parte com o raiar do sol de Caravelas, Alcobaça ou Nova Viçosa e segue de lancha rápida até o arquipélago, retornando no final da tarde. Outros roteiros incluem o pernoite no mar a bordo de uma escuna, ao preço médio de R$ 90 a diária.
Não há o que fazer com relação ao Ibama. O valor ainda é baixo, considerando os gastos que eles têm com conservação, fiscalização e monitoria. Os guias que cuidam para que aquilo não desande e dão informações aos visitantes são do instituto. Talvez com um aumento no aporte de recursos do governo federal para a reserva o valor da taxa caísse, mas com certeza não é ele que traz problemas e sim o que é cobrado pela iniciativa privada que explora o turismo.
O alto preço acaba restringindo a visita ao parque nacional, pois apenas uma pequena parcela da sociedade tem dinheiro para arcar com os custos. Abrolhos torna-se assim um produto para a elite, deixando mais uma vez os pobres de fora da festinha em um patrimônio público.
Analisando qual o quinhão que cabe a cada um que participa desse negócio, observa-se que os que trabalham diretamente com o público não recebem muito. Ou seja, pilotos e ajudantes, instrutores de mergulho, operadoras e agências não ficam ricos com Abrolhos. Quem ganha são donos de lanchas e escunas, um número bem pequeno de pessoas. Mesmo pagando impostos, taxa de manutenção, combustível, funcionários, etc., a margem de lucro é alta. Além disso, esses empresários pressionam para que o Ibama aumente o número de pessoas que podem visitar o arquipélago por dia (150). Porém, de acordo com o órgão, esse é o limite para garantir a preservação do delicado ecossistema de Abrolhos.
Nas cidades da costa que servem de base, uma boa parcela da população já vive do turismo. Pousadas, restaurantes, artesanato, passeios de barco para mergulhos em outros lugares fora do parque nacional, como o parcel das Paredes, trilhas ecológicas pelas praias e visitas aos mangues da região.
Muitos pescadores estão trocando o anzol e a rede pelo trabalho com turismo, devido à sua rentabilidade. E a pesca predatória nas águas de Abrolhos tornou-se mais rara. O Ibama realiza periodicamente patrulhas noturnas e às vezes se passam meses sem nenhuma apreensão.
Boicote contra o preço alto não existe. Sempre há muita gente interessada, daqui e do exterior, a pagar o que for necessário para ver baleias, tartarugas marinhas ou corais cérebros gigantes. Os preços só cairiam se os proprietários dos barcos reconsiderassem a situação ou se houvesse substituição das atuais empresas por outras. Ou seja: licitação e concorrência. Há informações de que empresários de fora estão interessados no negócio, o que vem incomodando o cartel atual (cartel, pois o preço é quase o mesmo para todas as embarcações).
Se a margem de lucro fosse diminuída, as filas para visitar o parque seriam maiores, é claro, e provavelmente o agendamento teria de ser feito com mais antecedência – o que irritaria muitos mergulhadores profissionais. Porém, Abrolhos deixaria de ser um privilégio para poucos, e mais brasileiros teriam a chance de conhecer o paraíso.
Tamanho não é documento
A Reserva Natural de Salto Morato (RNSM), localizada na região de Guaraqueçaba, litoral do Paraná, não é grande: apenas 2.340 hectares – uma nanica se comparada aos outros parques desta reportagem. Porém, possui a diferença de ser fruto não do poder público, mas da iniciativa privada, que começa a perceber a importância do investimento em preservação ecológica e de seu precioso retorno em marketing institucional.
Em 1993, a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza criou a reserva comprando as terras das fazendas Figueiras e Salto Dourado. O lugar possui infra-estrutura turística, com espaço para visitantes com auditório, área de camping e trilhas bem demarcadas em meio à Mata Atlântica. Além disso, conta com um centro de capacitação onde são ministrados cursos sobre conservação da natureza, alojamento para pesquisadores e laboratório.
A principal atração é o salto Morato – uma cachoeira em forma de véu com 130 metros de altura (basicamente, a reserva é a queda-d’água e a mata ao seu redor). Aberta de terça-feira a domingo, paga-se uma taxa de R$ 3 por pessoa para a entrada – valor equivalente ao cobrado em muitos parques nacionais.
Segundo José Aurélio Caiut, gerente da RNSM, "a reserva vem se firmando como um modelo de manejo de área natural protegida, tornando-se também um centro de capacitação de profissionais que trabalham nessa área". Nos últimos anos, já passaram por lá mais de 400 técnicos de todo o Brasil. Além disso, em dezembro de 1999, a RNSM foi reconhecida pela Unesco como Sítio do Patrimônio Natural Mundial. "Nós recebemos de 8 mil a 9 mil visitantes por ano", informa Caiut.
A Fundação O Boticário de Proteção à Natureza foi criada em 1990 pela diretoria do grupo O Boticário, com sede em Curitiba, e atua em projetos de conservação do patrimônio natural do país. Além de iniciativas próprias, como a da reserva, patrocina dezenas de projetos em conjunto com universidades ou organizações não-governamentais. Papel, papelão e plásticos que sobram do trabalho nos escritórios e na fábrica de O Boticário são reciclados e transformados em cadernos escolares e brinquedos, distribuídos gratuitamente à população carente de São José dos Pinhais e de Guaraqueçaba.
De acordo com Liane Ingberman, relações-públicas da Fundação O Boticário, na aquisição da reserva foram investidos mais de US$ 1,8 milhão de recursos próprios. A RNSM foi a primeira ação do Programa de Áreas Naturais Protegidas da fundação. A idéia é criar uma rede, com uma unidade de conservação da categoria de manejo de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) em cada bioma brasileiro.
Qualquer pessoa física, jurídica, entidade religiosa ou organização civil sem fins lucrativos pode transformar sua propriedade rural em uma RPPN, desde que esta possua reconhecida beleza natural, seja significativa para a proteção da diversidade ou auxilie em ações de recuperação ambiental de ecossistemas frágeis ou ameaçados.
Não existe um tamanho mínimo para essas reservas – a menor existente tem apenas 1 hectare e a maior, 104 mil. O processo não acarreta nenhum dano ao direito de propriedade e, de acordo com o Ibama, assegura aos donos o mesmo apoio e proteção dispensados, pelas autoridades, às unidades de preservação permanente – como as reservas estatais.
Há uma série de benefícios que vale a pena citar para os que optam em transformar toda ou parte de suas terras em RPPNs: isenção do Imposto Territorial Rural (ITR); maior facilidade de crédito agrícola em bancos oficiais e de obtenção de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente; maior reconhecimento do ambiente natural de sua propriedade, através do contato freqüente com instituições de pesquisa científica; apoio e orientação do Ibama quanto ao manejo e gerenciamento; apoio, cooperação e respeito das entidades ambientalistas; isenção de taxa para criadouro conservacionista e comercial. Além do fato de o governo apoiar a utilização da reserva para negócios relacionados ao turismo, conforme o artigo 3º do decreto presidencial 1.922, de 5 de junho de 1996, que regulamenta as RPPNs.
A Reserva Natural de Salto Morato é um exemplo do que pode ser feito pela iniciativa privada para a preservação da natureza e o desenvolvimento do ecoturismo. À primeira vista pode parecer loucura um investimento dessa magnitude, que, com certeza, não terá retorno direto na mesma proporção. Muitas empresas iriam preferir colocar mais de US$ 2 milhões em campanhas publicitárias, promoções e descontos.
Porém, os dividendos que O Boticário recebe em marketing institucional de suas ações, tanto com a reserva quanto com a própria fundação, extrapolam o investimento. A marca comercial está conseguindo se vincular à idéia de natureza no imaginário do consumidor. É senso comum no mundo dos negócios, mais ainda no início deste milênio, em que a virtualidade ganha espaço, que o patrimônio da idéia é o mais importante. Principalmente quando parte de uma boa causa, como a preservação ecológica, o desenvolvimento sustentável ou projetos contra a fome e a miséria. Ou seja, investir em natureza é como plantar uma semente: o retorno pode demorar um pouco, mas dará frutos por muito tempo e trará sombra e tranqüilidade às próximas gerações.
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