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Dê ouvidos aos seus sonhos

Pesquisas revelam: mais de 40% dos brasileiros querem empreender / Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Pesquisas revelam: mais de 40% dos brasileiros querem empreender / Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Por: MIGUEL NÍTOLO

Inaldo Lucas de Farias, um vendedor de castanha de caju, virou uma celebridade da noite para o dia. Figurinha carimbada da praia de Pirangi, no município de Parnamirim, no litoral sul do Rio Grande do Norte, uma das mais procuradas pelos turistas que se dirigem àquela região do Nordeste, Farias teve uma ideia simplesmente genial para incrementar suas vendas. Em vez de continuar sendo mais um entre tantos outros vendedores ambulantes que ganham a vida naquela orla, ele resolveu se destacar, projetando sua pessoa e seu negócio. Criou o personagem Dr. Castanha, irreverente, vestido de branco como um médico e escondido atrás de óculos gigantes, passou a realçar as qualidades da amêndoa para a saúde. Ele explica, didaticamente, com a ajuda de um megafone, que as propriedades e os benefícios do cajueiro estão concentrados na castanha. “Elas são fontes de açúcares, cálcio, carboidratos, energia, ferro, fibras alimentares, fósforo, gorduras, magnésio, manganês, potássio, vitaminas C e do complexo B e zinco, além de outros nutrientes e substâncias químicas”, explana o hoje Microempreendedor Individual (MEI) potiguar, informações que podem ser encontradas no site www.drcastanha.com.br (sim, Farias já descobriu a força da internet). Esclarece, também, que a castanha de caju é rica em triptofano (um dos vinte aminoácidos presentes no código genético). A riboflavina e tiamina também são encontradas nessas nozes saborosas, que tornam a pele saudável e melhoram o sistema imunológico.

Os banhistas se encantam com a inventividade daquele empreendedor, e respondem comprando um produto que, em outra circunstância, talvez não despertasse a atenção e o interesse de parte deles. “Busco no humor a forma de agradar e conquistar os clientes”, relatou Farias ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), entidade que mostrou ao vendedor as vantagens dele se tornar um MEI. “Troco energia com as pessoas e isso me proporciona alegria e contagia a todos”, enfatizou. Farias afiançou que seu personagem adquiriu forma e, graças a isso, suas vendas praticamente triplicaram num curto espaço de tempo. De acordo com o Sebrae, a média de vendas mensais do empresário ganhou impulso e já é de 500 quilos de castanha; todavia, nos períodos de alta estação e veraneio, passa de 1 tonelada em razão do aumento do número de visitantes a Pirangi. Além do mar, do sol e da beleza local, a praia tem um outro forte apelo turístico: o maior cajueiro do mundo, que ocupa o equivalente a um campo de futebol, fica em seu solo, nas proximidades da banca de Farias. Com aproximadamente 120 anos, a árvore rende, anualmente, cerca de 80 mil frutos (2,5 toneladas), que as pessoas levam para casa sem ter de pagar por isso.

O fato é que o negócio de Farias está indo de vento em popa. Como os pedidos pela internet também estão ajudando a elevar as vendas, o faturamento bruto mensal do criativo vendedor chega facilmente a R$ 5 mil. “O desempenho do Dr. Castanha é muito bom, considerando que ele não possui a infraestrutura de uma loja”, comentou para o portal UOL o diretor técnico do Sebrae-RN, João Hélio Cavalcanti.

A bem da verdade, nos grandes centros a beira-mar as praias revelaram-se uma espécie de berçário de ideias originais que geram novas maneiras de ganhar dinheiro. Já vai longe o tempo em que o trabalho dos ambulantes sob o sol escaldante se restringia à venda de água, refrigerante e suco e ao aluguel de cadeiras e guarda-sol, entre outros itens de largo consumo pelos banhistas. Hoje é comum vê-los oferecendo serviços que vão de escalda-pés e massagem ao fornecimento de biquínis, trabalhos de manicure e refeições rápidas e sanduíches. O importante nessa história é que muitos desses vendedores autônomos, como no caso do Dr. Castanha, acabam virando microempreendedores, dando saltos inimagináveis em suas vidas. Exatamente como aconteceu com Raphael Krás, que não deixou passar a oportunidade de ganhar dinheiro nas praias cariocas.

Em 2006, vegetariano, Krás notou que os banhistas que, como ele, haviam abandonado o consumo de carne vermelha, não podiam contar na praia com o fornecimento de lanches naturais porque, simplesmente, ninguém, até então, tinha se aventurado a fazê-lo. Entendeu que aquela podia ser uma boa chance de ganhar algum dinheiro e, quem sabe, assumir a pele de um homem de negócios. “Eu passava o dia todo na praia e não tinha dinheiro para comer. Pensei em algo que pudesse me dar uma grana e me alimentar ao mesmo tempo.” Tiro e queda: com apenas R$ 50 reais emprestados da avó ele fez oito sanduíches de soja e deu início ao seu sonho. Começava ali a história da Hareburger, a empresa que ele fundaria logo a seguir e que hoje, com 14 empregados, já ganhou instalações físicas em Ipanema e prepara um plano de expansão por meio de unidades próprias e franqueadas.

Cabelos cacheados

O hambúrguer intergalático e psicodélico, conforme Krás se refere ao seu sanduíche com o propósito de apresentá-lo ao mercado como um produto de outro mundo, nasceu de uma ideia simples, mas está ganhando as alturas porque seu idealizador acreditou que aquilo seria possível. Na realidade, a persistência como Krás transformou seu projeto inusitado num empreendimento rentável encontra paralelo nos passos e nos sonhos de pessoas anônimas Brasil afora. Pesquisas apontam que mais de 40% dos brasileiros cultivam planos de abrir negócio próprio, abandonando, assim, a condição de funcionário assalariado. Também mostrou que boa parte desses pretensos empresários são jovens, mudança significativa em relação a outros tempos, quando apenas as pessoas maduras se aventuravam nessa seara. “Hoje, nem todo mundo quer ter um emprego formal, de carteira assinada. Os jovens percebem as oportunidades de mercado e as mudanças tecnológicas, estão mais antenados e conectados do que os jovens do passado”, diz Luiz Barretto, presidente do Sebrae. Ele destaca que a classe média, em ascensão, desponta com grande poder de consumo e, na mesma ordem, como forte empreendedora em setores diversos.

O Instituto Beleza Natural, no Rio de Janeiro, cuja história começou a ser escrita nos anos 1990 – apesar de sua semente ter sido plantada bem antes –, serve para ilustrar como é ampla a gama de oportunidades escancaradamente abertas aos sonhadores de plantão. Nos anos 1970, Heloisa Assis, a Zica, mentora do Beleza Natural, andava irritadiça com seus cabelos, ricos em cachos. Mas ela não estava disposta a alisá-los, mesmo diante do fato de que, segundo está registrado no site da empresa, não havia no mercado uma solução capaz de resolver seu problema. Empenhada em dar um fim naquilo, ela se matriculou em um curso de cabeleireiro com o intento de aprender os segredos e a magia da profissão. A página do Beleza Natural na internet relata que, com o correr do tempo, decidida a “domar” os cachos de sua vasta cabeleira, teve a feliz iniciativa de misturar aleatoriamente as matérias-primas largamente utilizadas pela indústria de cosmético – empreitada que permitiu que ela chegasse, 10 anos mais tarde, à fórmula de um super-relaxante – preenchendo uma lacuna em um nicho comercial pouco explorado naquele período.

“Ninguém olhava para esse mercado, não havia nenhum xampu, condicionador ou creme específicos para cabelos crespos”, lembrou Zica para a revista “Época”, em agosto de 2013. Ela disse, num outro momento, que as pessoas com esse mesmo problema tinham apenas duas opções: adotar o corte estilo black power (penteado popularizado nos anos 1960 e 1970 pelas pessoas de cabelo crespo), ou alisá-lo com henês, produtos fortíssimos, segundo seu entendimento. “Eu não queria nada isso. Queria o meu cabelo natural, com cachos mais definidos, brilho e balanço. Todavia, o mercado oferecia somente produtos para cabelos lisos”, salientou.

Com o passar dos anos, a investida daquela então empregada doméstica, que no princípio não passava de um projeto aparentemente sem grandes probabilidades de ganhar as alturas, deu margem ao surgimento de uma fornecedora de destaque no mercado de soluções para cabelos crespos e ondulados. “Mostramos que cada ser humano pode ser bonito do jeito que é”, frisa. A hoje empresária de sucesso nunca escondeu que não era uma boa aluna em química, e que só tirava notas baixas nessa disciplina, mas isso não foi empecilho. “Eu acreditei muito no meu sonho e sabia que realizá-lo poderia ajudar muita gente. Por isso, tinha essa certeza inexplicável de que daria certo.” Deu tão certo que, atualmente, o Instituto Beleza Natural, com 2 mil funcionários, está presente fisicamente em 18 endereços (Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo) e faz planos de chegar a 120 unidades em todo o país em 2018. Não é apenas isso: a empresa de Zica também é dona de uma indústria, a Cor Brasil Cosméticos, responsável pela fabricação dos produtos que comercializa e utiliza em seus salões de beleza (bases para tratamento, cremes, xampus e outras soluções).

Pão? Tá na mão!

O início não foi fácil. Quando as primeiras dificuldades surgem e o dinheiro fica curto, as pessoas simplesmente deixam seus sonhos para trás. Não foi assim com Zica Assis, uma carioca da zona norte do Rio de Janeiro, que, vinda de uma família humilde (o pai fazia bicos e a mãe lavava roupa para fora), estava decidida a vencer na vida. Na verdade, sua intenção era descobrir uma fórmula capaz de alisar o seu cabelo, mas o sucesso foi tamanho e a procura dos amigos tão intensa que ela se viu, aos 33 anos, impelida a abrir um salão de beleza no seu quintal, no bairro da Tijuca. Mas justiça seja feita: desde o começo Zica pôde contar com a colaboração do marido (Jair Conde), do irmão (Rogério) e da amiga Leila Velez, que também acreditaram no sonho do relaxante capilar. Conde, taxista, vendeu seu fusca por R$ 3 mil (o único bem da família), Rogério e Leila disponibilizaram, em parceria, R$ 1,5 mil, totalizando, portanto, R$ 4,5 mil, a quantia necessária para o investimento inicial.

O sucesso foi instantâneo: o salão abria às 8h, mas, passado três meses, às 5h já haviam clientes na porta do estabelecimento. Não causa espanto, pois, que Zica, desde 2006, ganha prêmios e menções como “Empreendedoras do Novo Brasil”, pela revista “Você S.A.” e pelo Instituto Empreender Endeavor; eleita, no mesmo período a “Empreendedora do Ano”, na categoria Emerging, pela Ernst & Young (prestadora de serviços profissionais nas áreas de auditoria, impostos, finanças e contabilidade). Em 2007, Zica foi escolhida, a “Mulher mais Influente do Brasil”, na categoria Empreendedorismo, pelo “Jornal do Brasil” e pela “Gazeta Mercantil”; agraciada com o “Prêmio Cláudia”, em 2012, pela Editora Abril, na categoria Negócios. E recentemente, em 2013, entrou na lista das “Dez Mulheres de Negócio mais Poderosas do Brasil”, de acordo com a “Forbes” internacional, revista de negócios e economia dos Estados Unidos, e escolhida “Empreendedora do Ano” pelo “Estadão-PME” (caderno dedicado à pequena e média empresa).

Tem muita gente no Brasil seguindo os passos de Zica. Em São Carlos, município com 236 mil habitantes a 238 quilômetros da capital paulista, o empresário Tom Ricetti, formado em marketing e ativo no ramo de restaurantes, tirou do papel um negócio revolucionário e que, por meio da franquia, começa agora a tomar o caminho de outros pontos do país. PãoToGo, o nome da novidade, é uma padaria que opera pelo sistema drive-thru, a exemplo das grandes redes de lanchonetes, em que o cliente, motorizado, faz o pedido em uma cabine, onde efetua o pagamento, e retira a compra na cabine seguinte. A ideia brotou na cabeça de Ricetti – segundo depoimentos que tem dado à imprensa – num dia de dezembro de 2012, quando o simples ato de comprar pão se converteu numa verdadeira maratona para ele: padarias de rua e de supermercados com estacionamentos entupidos e filas imensas para chegar até o balcão de atendimento.

O formato da PãoToGo, uma loja de 40 metros quadrados e 5 funcionários, prevê a comercialização de algumas dezenas de itens fornecidos sempre por terceiros, caso dos pãezinhos, que chegam congelados e são apenas assados na padaria. “Como começamos recentemente, estamos abertos às sugestões dos franqueados”, disse Ricetti à UOL Economia. Ele falou para a imprensa que o número de clientes tem aumentado e que a procura pelo serviço da PãoToGo, por questões óbvias, cresce nos dias de chuva. “Ao contrário dos estabelecimentos tradicionais, nossas lojas, de arquitetura padronizada, requerem um número limitado de máquinas, dispensam mão de obra especializada e, por exigirem uma área construída inferior, podem ser instaladas em estacionamentos, postos de combustíveis, shopping centers e pequenos terrenos”, acentua o empresário no site da sua padaria.

Bolo da vovó

Como ninguém pensou nisso antes? Quantas ideias, de tão simples, escapam da percepção das pessoas e se revelam um achado quando são apresentadas ao consumidor! Veja-se o caso da paulista Gloops, em fase de debute no mercado, e que, segundo o portal da empresa na internet, nasceu da inquietação de seu titular, Gustavo Siemsen, “que desde pequeno viveu em um lar atento à alimentação natural e integral, muito antes de o assunto ganhar o realce de hoje, e, agora, premissa para uma vida saudável”. Siemsen foi, durante anos, executivo de uma importante indústria de refrigerantes, mas isso não impedia que ele ficasse imaginando um jeito de oferecer ao mercado uma alternativa às bebidas industrializadas. Um produto que fosse despojado de “corantes, conservantes e ácido fosfórico”. O que ele tinha em mente? “Espremer e misturar frutas e fazer com elas sucos deliciosos, mas com um elemento especial: o gás.” Surgiu, assim, uma bebida que apenas lembra o refrigerante e é saudável como um suco de frutas 100% natural. Só que gaseificada.

A Gloops informa que seis sabores já estão disponíveis no mercado (laranja, limão siciliano com framboesa, limão siciliano com hortelã, maracujá com limão, melancia com abacaxi e tangerina). Também esclarece que, exceto os sucos feitos com limão ou maracujá (frutas ácidas), que levam um mínimo de açúcar orgânico, os outros sabores não são adoçados. “Nossas frutas são ricas em frutose, o açúcar produzido pela natureza”, observa. Nota divulgada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, em 30 de janeiro último, observa que os sucos são entregues em domicílio, vendidos em quiosques no Shopping Iguatemi, na capital paulista e em eventos. E que o negócio de Siemsen só não anda mais depressa porque, por ser natural, o prazo de validade dos produtos da Gloops é de apenas 4 dias. O jornal diz que o empresário está à procura de alternativas capazes de esticar o tempo de vida útil dos sucos da marca.

Muitas vezes a chave para a constituição de um empreendimento de sucesso está dentro de casa. Por exemplo, que tal investir na oferta daquelas coisas gostosas que, quando criança, comíamos na casa de nossas avós, delícias que continuam presentes na vida da maior parte das pessoas? Foi pensando assim que Renata Grosso Frioli fundou a Bolo à Toa, na capital paulista, com o propósito, primeiro, de realizar seu sonho de empreender. Renata conta que “há três anos senti a necessidade de fazer alguma coisa que fosse diferente, que não tivesse em São Paulo”. Foi então que decidiu montar uma loja de bolos caseiros com a ideia de trazer para a grande cidade um pouco do costume do interior.

Natural de Araçatuba, a 520 quilômetros de São Paulo, Renata aprendeu desde cedo a apreciar as iguarias doces que se propôs a fornecer aos paulistanos. “Coloquei o nome de Bolo à Toa, porque assim é chamado o bolo na casa da minha mãe, onde tem bolo todo dia. Mas não é um bolo recheado, cheio de frescura”, relatou para a revista “Exame”. Ela disse que a maior dificuldade foi fazer com que as pessoas acreditassem em seu negócio, dessem um aval para a abertura do mercado para o bolo caseiro. Na mesma reportagem, publicada em 2013, Renata revelou que sua empresa, com sede no bairro de Pinheiros e com planos de expansão em curso, produz e vende, mensalmente, de 6 mil a 6,5 mil bolos de 16 sabores.