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O poder invisível

GLEISE DE CASTRO

Na primeira semana de fevereiro, a jornalista Lillian Witte Fibe foi afastada do "Jornal Nacional", que apresentava, em parceria com William Bonner, há quase dois anos. Motivo: o público do telejornal da Rede Globo de televisão, líder no país, achou que ela não havia se saído bem no lugar do apresentador Cid Moreira. Ganhava em credibilidade mas perdia para outros em empatia. Deve voltar para o "Jornal da Globo", onde imprimiu sua marca e onde o público a prefere. Como a direção da emissora sabe disso? Pelas pesquisas de opinião.

Os exemplos de como a sociedade se pauta cada vez mais por essas sondagens sobre o gosto e a preferência do público estão por toda parte. Ecologia, leis de trânsito, Aids, poluição, aborto, programação da TV, além de política e economia - os temas são os mais variados. Nenhuma empresa lança um novo produto no mercado sem antes ouvir o consumidor para saber o que ele pensa sobre sabor, consistência, cor, perfume, embalagem e apresentação desse produto, seja o que for. Na política, então, as pesquisas são fundamentais, principalmente em ano eleitoral. Primeiro, o político precisa saber quais os assuntos que os eleitores querem ver discutidos na campanha. Depois, quando a campanha está nas ruas, é imprescindível medir a popularidade e fazer eventuais correções de rumo. Associações de classe também precisam saber se aquilo que defendem está em sintonia com o que pensa a população. Assim, ao defender ou repudiar determinada medida do governo, por meio de seus representantes no Congresso, terão mais chances de sucesso ou, ao menos, o argumento da legitimidade, se comprovarem pelos números que a opinião pública está do seu lado.

Na televisão, os resultados das sondagens de opinião são acompanhados minuto a minuto. As pesquisas que medem a audiência e indicam aos anunciantes onde devem investir sua verba de publicidade ditam a programação e o próprio formato dos programas. No caso do jornalismo da TV Globo, a emissora ficou sabendo, pelos levantamentos do instituto Soma, de Brasília, que a fórmula preferida pela maioria dos telespectadores é uma combinação de linguagem simples, reportagens curtas, principalmente sobre comportamento, saúde, meio ambiente, ciência e tecnologia, além de começar com notícias de impacto e terminar com assuntos leves. O formato do telejornalismo das grandes redes americanas, defendido por Lillian Witte Fibe, não faria sucesso por aqui, segundo os institutos de pesquisa.

Pesquisas sistemáticas e suas análises servem de parâmetro incontestável para os responsáveis pelos vários departamentos das emissoras. Autor de novela de televisão, por exemplo, tem pouco domínio sobre seu enredo. Escreve os capítulos sempre de olho nos resultados das pesquisas. Personagens que não emplacam no gosto do público desaparecem. Outros, sem grande importância na concepção original, podem crescer e conquistar o espaço até daqueles desenhados para ficar em primeiro plano. Se for preciso, o autor até providencia um incêndio e mata todos os personagens de uma só vez.

Apelação

Mas é nos programas de auditório, que dominam a programação dominical das emissoras, que o poder das pesquisas é mais evidente. Nos anos 70, a audiência do domingo era disputada por Chacrinha, Sílvio Santos e Flávio Cavalcanti. Hoje, Fausto Silva, na Globo, e Gugu Liberato, no SBT de Sílvio Santos, protagonizam disputas acirradas. Tanto que no contrato com o SBT, Gugu, preparado para substituir seu patrão na apresentação dos programas de auditório, se obriga a manter uma audiência de pelo menos 14 pontos.

A programação do "Domingo Legal", de Gugu Liberato, e do "Domingão do Faustão", de Fausto Silva, ambos com três horas e meia de duração, é alterada a todo instante ao sabor da máquina que mede a audiência do que está sendo exibido. Se a pontuação de um quadro cai, ele é prontamente trocado por outra atração. Se aumenta, é esticado quanto for possível. A preocupação com os níveis de audiência é tanta que pode levar a espetáculos grotescos, prontamente copiados na mesma escala pelo concorrente.

Ano eleitoral

A realidade não é diferente quando se trata da pesquisa política. Nesse caso, a moeda que conta é a intenção de voto. Antes de a campanha começar, os partidos e os candidatos, ou candidatos a candidatos, precisam saber o que pensa o eleitorado para definirem a agenda de assuntos que levarão ao palanque e à TV, no horário gratuito. Depois, precisam comprovar sua popularidade - sempre em números - para conseguir financiamento para a campanha. Como qualquer produto, o político também precisa cuidar da forma como se apresenta em público. A maneira de se vestir e de falar, se deve usar óculos, omitir convicções religiosas ou a falta delas, tudo isso é avaliado com esmero pelos institutos de pesquisa por encomenda dos candidatos.

Em ano eleitoral, como este, os institutos de pesquisa trabalham como nunca. Os principais são Ibope, Gallup, Vox Populi e Datafolha. O Ibope, o mais antigo da América Latina, costuma multiplicar por cinco seu quadro de pessoal em anos de eleição. É o único que trabalha com pesquisadores contratados, um contingente fixo, só no departamento de opinião pública e política, de cem pessoas em todo o país. Essa equipe já começou a ser reforçada por pesquisadores contratados por período determinado e deve chegar a 500 pessoas neste ano.

Os partidos e candidatos que disputarão as eleições deste ano já estão trabalhando com sondagens realizadas desde setembro do ano passado. Trata-se da primeira das três etapas da pesquisa eleitoral, como explica Márcia Cavallari Nunes, diretora do departamento de opinião pública e política do Ibope. Antes mesmo da definição dos candidatos pelos partidos, a pesquisa funciona como um mapeamento do eleitorado - quem é, a que aspira, o que quer ver discutido na campanha.

Depois, vem a avaliação das candidaturas. Com as campanhas no ar e nas ruas, a pesquisa tem a finalidade de averiguar os pontos fortes e fracos no confronto direto entre os candidatos. É uma avaliação mais detalhada do candidato. E quando a campanha chega à fase final, a pesquisa torna-se uma avaliação da intenção de voto pura. "Para não ser pego de surpresa com algum fato novo, o candidato precisa fazer esse acompanhamento sistematicamente", diz Márcia Cavallari. Além de partidos e candidatos, são clientes das pesquisas políticas o governo, nas três esferas, veículos de comunicação, sindicatos, associações de classe, agências de propaganda e agências e consultores de marketing político.

Credibilidade

É também durante as campanhas políticas que a credibilidade das pesquisas de opinião é posta à prova. Para quem está perdendo, os resultados nunca são verdadeiros e não faltam acusações de manipulação. Quem está na frente os exibe como seu maior trunfo. "A melhor maneira de checar se a pesquisa foi bem feita é a eleição, o único momento em que se confronta a realidade com os dados das sondagens pré-eleitorais", diz Márcia Cavallari.

Por uma questão de ética, o Ibope não fornece análise dos resultados de pesquisas políticas. "Para fazer uma recomendação, é preciso estar muito envolvido com o cliente e com seus problemas. Como atende a todos os partidos, o Ibope não faz análise das pesquisas, só fornece os resultados, que são analisados pelo próprio cliente e seus assessores", diz a diretora do instituto.

É o acerto nos resultados, quando confrontados com a realidade, seja nas sondagens de mercado para o lançamento de um produto seja nas eleitorais, que garante a confiança nas pesquisas.

E quando as pesquisas erram? O caso mais notório foram as pesquisas para a prefeitura de Fortaleza, em 1988. Dez dias antes da eleição, Maria Luiza Fontenelle, a candidata vencedora, detinha 17% das intenções de voto, contra 54% do deputado Paes de Andrade. Situação parecida aconteceu com Luiza Erundina, ao disputar a prefeitura de São Paulo com Paulo Maluf, o preferido nas pesquisas até quase a véspera da eleição.

Sociólogos e especialistas respondem que isso apenas reflete a dinâmica do processo de escolha e da própria sociedade. "O que as pessoas comumente chamam de erro das pesquisas faz parte da natureza do processo", diz Ney Figueiredo, consultor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), diretor do Centro de Pesquisa, Análise e Comunicação (Cepac) e membro do conselho orientador do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp (Cesop). "A pesquisa é um retrato do comportamento do eleitorado num determinado momento. Acontece que a sociedade não é estática. Fatos novos podem ocorrer, mudando a tendência dos eleitores. Por isso é que a pesquisa de boca de urna nunca falha, porque capta o desejo do eleitor poucos minutos antes de ele entrar na cabine eleitoral."

Ney Figueiredo lembra que a pesquisa de opinião é tão antiga quanto nossa civilização. "O gregos costumavam reunir os cidadãos numa praça para saber o que achavam de determinado assunto", diz. Sua importância para a tomada de decisão, afirma, é inquestionável. Segundo Figueiredo, não é à toa que 97% a 98% dos congressistas americanos são reeleitos. "Antes de apresentarem um projeto, consultam todas as pesquisas existentes sobre o assunto, seja qual for, que estão arquivadas no Hopper Center da Universidade de Connecticut, para saber o que o eleitor pensa", diz Figueiredo.

Padrão de qualidade

Para o professor de sociologia Plinio Dentzien, coordenador do Cesop, o padrão de qualidade das pesquisas de opinião no Brasil, embora provavelmente aquém do dos Estados Unidos e Europa, é razoavelmente alto e tem tradição bastante antiga - mais de meio século. Os americanos e europeus levam vantagem em relação aos brasileiros na cobertura por telefone, que, segundo Dentzien, permite o desenvolvimento de tecnologias mais ágeis. "Em vez de colocar muita gente na rua, batendo de porta em porta, é muito mais fácil e tem custo muito menor fazer a pesquisa por telefone", explica. No Brasil, dada a escassez de telefones e sua concentração na faixa da população de renda mais alta, não há outra saída.

Dentzien separa as pesquisas em dois grupos: as de consumo privado, como as encomendadas por empresários para aferir a posição de seu produto na preferência do consumidor, e as de consumo público, que são divulgadas pelos meios de comunicação, como as sondagens eleitorais. É sobre essas que se pode falar com mais detalhes. Das demais, nas quais se incluem as pesquisas de audiência da TV, conhece-se apenas uma parte, "talvez a ponta do iceberg", define o sociólogo. Ou seja, como o cliente só divulga se quiser, e na maioria das vezes é estratégico não revelar os resultados, deve haver muito mais temas escrutinados do que se imagina. "As pesquisas eleitorais normalmente recebem ampla cobertura da mídia e de certa maneira se submetem a um processo de avaliação de qualidade, quando se compara a última pesquisa com o resultado das urnas", observa o professor da Unicamp.

A divulgação da pesquisa, nota Dentzien, tem um efeito espelho, ou seja, tende a levar quem fica sabendo do resultado a comparar o que pensa sobre determinado assunto ou candidato com o que acha a média da população. "Ao fazer isso, vejo se estou mais ou menos próximo do meu grupo de referência, no qual entram características como faixa de idade e grau de instrução", diz o sociólogo. "Tanto posso mudar de opinião, se não estiver de acordo com a maioria, como ficar feliz por ser diferente."

A discussão sobre se as pessoas são influenciadas pela divulgação dos resultados das pesquisas é antiga e está longe de qualquer consenso. Segundo Dentzien, as publicações internacionais sobre opinião pública trazem evidências para todos os gostos. Quando se proíbe a divulgação de uma pesquisa eleitoral, por exemplo, o pressuposto é que o candidato que estivesse em primeiro lugar levaria vantagem porque o eleitor teria um comportamento oportunista, votando em quem vai vencer. Mas, a seu ver, isso está longe de acontecer, porque há muitos casos em que as pesquisas erram, para cima e para baixo. A maioria dos especialistas, segundo Dentzien, não acredita em efeitos da divulgação. No Brasil, é proibida a divulgação de pesquisas 72 horas antes da eleição, o que Dentzien classifica de "obscurantismo".

Instrumento de trabalho

O economista Marco Antonio Guarita, diretor de desenvolvimento da CNI, define a pesquisa de opinião como um instrumento de trabalho para o empresário. A CNI contrata os serviços do Ibope, há 15 anos, para pesquisas trimestrais sobre um leque de assuntos políticos, econômicos e administrativos. Na última sondagem, realizada em janeiro, por exemplo, ficou sabendo que os brasileiros estão satisfeitos com seu padrão de vida depois do Plano Real apesar de temerem o desemprego, que reelegeriam Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno se as eleições fossem agora e que a alta dos juros não mudou sua intenção de consumo, embora boa parte tenha diminuído as compras a prazo no último Natal. "Esse retrato da opinião pública brasileira é muito importante para que os empresários possam programar seus negócios", informa Guarita.

A pesquisa CNI/Ibope é composta de dois blocos. O que ganha maior destaque na imprensa é o político, que avalia as intenções de voto, as medidas tomadas pelo governo e sua própria popularidade. Com a boa aceitação do Real e de FHC, o que se tem no horizonte é um quadro de tranqüilidade propício aos negócios. O bloco de consumo, menos divulgado, tem importância mais imediata, para os empresários, com dados por exemplo sobre o comportamento do consumidor frente aos juros.

A pesquisa encomendada pela CNI ao Ibope também inclui perguntas cujas respostas reforçam a posição política da entidade, como aconteceu no caso da CPMF, que teve alto grau de rejeição. Outro exemplo foi o do acordo para redução da jornada de trabalho e do salário - 60% dos entrevistados aprovaram e 33% desaprovaram. À pergunta sobre se aceitariam o acordo se fosse para preservar o emprego, 67% responderam que sim. "Isso chega ao conhecimento da opinião pública, é debatido no Congresso. Trata-se do uso legítimo da informação", diz Guarita.

Há ainda, nessa pesquisa, perguntas cujo resultado compõe um retrato mais geral do sentimento da população, como o aumento da preocupação com o desemprego. O fato de se saber disso não significa que se vai providenciar mais emprego, mas ajuda o empresário a perceber a compreensão que a sociedade tem de suas prioridades e preocupações. "É uma fotografia de um determinado momento, e sua divulgação pela mídia é um diálogo da sociedade consigo mesma", define Guarita. Ele também não acredita que a divulgação dos resultados possa influenciar a opinião das pessoas. "Se achássemos que toda divulgação de pesquisa é manipuladora teríamos de acreditar que o que se divulga não tem valor, e a pesquisa não teria sentido", argumenta.

O sociólogo Bolivar Lamounier também rebate as críticas à suposta influência das pesquisas de opinião pública e as relaciona com a democracia. "Ao contrário do velho preconceito de que tais pesquisas apenas arranhariam a superfície dos fatos, com objetivos de manipulação, o que se vê, cada vez mais, é que elas contribuem efetivamente para o autoconhecimento da sociedade e para o aprimoramento da prática democrática", afirma, na apresentação do primeiro número da publicação "Opinião Pública", do Cesop. A seu ver, o processo de redemocratização iniciado em meados dos anos 70 deu grande impulso às pesquisas. "A partir daí elas se transformaram em verdadeiro termômetro, indicando a evolução dos sentimentos e preferências do público a respeito de um amplo leque de assuntos", diz.

Lamounier lembra que, da política econômica ao potencial eleitoral dos diversos partidos e candidatos, da confiança nas instituições ao próprio valor do regime democrático, tudo passou a ser perguntado com razoável regularidade a amostras da população brasileira. "Quem examinar o acervo acumulado por institutos comerciais, departamentos universitários e centros privados de pesquisa ao longo deste meio século verá que as pesquisas de opinião pública constituem hoje uma fonte indispensável para o conhecimento da realidade brasileira", conclui.

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