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A próxima descoberta do Brasil

Fernando de Noronha, um destino ideal para a prática de mergulho / Foto: Henrique Pita
Fernando de Noronha, um destino ideal para a prática de mergulho / Foto: Henrique Pita

Por: MIGUEL NÍTOLO

Em 2013, estima-se, ingressaram no Brasil 6,2 milhões de turistas vindos de pontos diversos do planeta, um número considerável, quase a população do Rio de Janeiro (6,3 milhões de habitantes), a cidade mais procurada pelos viajantes internacionais que chegam aqui. Todavia, quando comparado às estatísticas do setor, ele não tem nada de grandioso; ao contrário, é demasiado acanhado, resultado que coloca a terra descoberta por Cabral numa posição tímida ante os campeões do turismo mundial, casos da França, China, Estados Unidos, Espanha e Itália – isto para não falar da Turquia, Alemanha, Reino Unido e Rússia. Acostumada com a visita de estrangeiros e, por isso mesmo, dona de uma estrutura impecável para o atendimento do turismo, a nação do Arco do Triunfo e da Torre Eiffel, do Museu do Louvre e do Palácio de Versalhes teria recebido em 2012 mais de 80 milhões de visitantes. Como primeiro destino do turismo internacional, a França fatura, anualmente, uma verdadeira fortuna, e é possível mesmo que naquele ano tenham entrado no país cerca de € 36 bilhões, o equivalente a US$ 42 bilhões ou R$ 113 bilhões.

No mesmo período, o Brasil recebeu 5,6 milhões de estrangeiros (4,5% mais que em 2011), visitantes ilustres que gastaram US$ 6,6 bilhões, volume superior, por exemplo, às exportações de carne bovina no mesmo exercício (US$ 5,7 bilhões), um dos segmentos mais expressivos do agribusiness nacional. Sem sombra de dúvida, o turismo é um excelente negócio, mas o país vai ter que se desdobrar para tomar para si um naco maior desse bolo. “Diante da crise mundial, que foi mais pesada em 2012 do que em anos anteriores, o crescimento de 4,5% foi positivo, mas falamos ainda de um universo muito pequeno” disse para a imprensa, em abril de 2013, o ministro do Turismo (MTur), Gastão Vieira. “Receber menos de 5,7 milhões de turistas estrangeiros é muito pouco para um país como o Brasil”, frisou.

De fato, deitado em berço esplêndido, do tamanho de um continente e ensolarado a maior parte do ano, a nação do samba e da caipirinha reúne atrativos com força suficiente para agradar turistas de todos os gostos. Diversidades naturais e culturais, gastronomia, inesgotáveis opções de lazer, negócios, praias e parques nacionais ainda pouco explorados (ao contrário dos Estados Unidos, cujos parques recebem, anualmente, 200 milhões de visitantes entre americanos e estrangeiros) são pontos a considerar porque podem fazer do Brasil um destino fascinante. A realidade é que, mesmo vagarosamente, os turistas internacionais estão descobrindo o Brasil. De acordo com o MTur, os principais motivos das viagens feitas em nome do lazer (64,2% das visitas, conforme o último Estudo da Demanda Turística Internacional, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas/Fipe) são as praias e o sol, marcas registradas do país que ganharam projeção mundial a partir da difusão das belezas naturais do Rio de Janeiro. Depois aparecem o litoral do nordeste e do sul com destaque, por exemplo, para as praias de Boa Viagem, Pitangueiras e Porto de Galinhas, em Pernambuco; Itapuã, na Bahia; e Balneá­rio Camboriú, Joaquina e Jururê, em Santa Catarina, lugares paradisíacos que deixam boquiabertos os forasteiros.

Pequenos passos

Primeiro em importância entre todas as modalidades de turismo praticadas no Brasil, o lazer está ganhando no país novas atividades, e um bom exemplo são as viagens de aventura que, em 2012, trouxeram mais de 1,2 milhão de estrangeiros. O mergulho, que se encaixa nessa categoria, está em ascensão, motivando turistas aficionados por experiências incomuns a viajarem até Bombinhas, em Santa Catarina; Fernando de Noronha e Recife, em Pernambuco; Guarapari, no Espírito Santo; Ilhabela, em São Paulo. Mas há outros locais igualmente atraentes aos olhos dos viajantes daqui e do exterior, e todos ficam em Mato Grosso do Sul: Abismo Anhumas, uma caverna na região de Bonito com um lago de águas cristalinas, a 72 metros de profundidade, acessível somente por rapel; e dos rios Formoso, da Prata e da Lagoa Misteriosa (que tem esse nome porque sua profundidade é uma incógnita. Um mergulho exploratório chegou a 220 metros sem conseguir divisar o fundo).

Vinícius Lummertz, secretário nacional de Políticas de Turismo do MTur, diz que esse tipo de lazer está se consolidando em solo brasileiro, com potencial para se tornar uma das principais referências do turismo ligado à natureza. No oceano Atlântico, a aproximadamente 300 quilômetros de Natal e 545 de Recife, as 21 ilhas e ilhotas que formam o arquipélago de Fernando de Noronha são consideradas os melhores locais de mergulho no Brasil, com visibilidade que alcança 50 metros em alguns pontos. “A diversidade de espécies marinhas faz com que o praticante se sinta no interior de um grande aquário com golfinhos e tartarugas e uma infinidade de corais e peixes”, destaca o secretário.

A cidade do Rio de Janeiro foi o destino de lazer mais buscado pelos estrangeiros em 2012, seguido por Florianópolis, Foz do Iguaçu, São Paulo e Búzios (Rio de Janeiro). Vale destacar que no turismo de negócios (o segundo em importância), a relação dos destinos mais visitados em igual período foi liderada por São Paulo, aparecendo em seguida Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e Brasília. O Brasil recebeu 258,4 mil alemães em 2012, e a cidade mais visitada por 53% desses turistas foi a capital fluminense. Explica-se: 37% dos conterrâneos de Angela Merkel chegam atraídos pelo turismo de aventura, pelo ecoturismo e pela natureza, e 34% pelas praias e pelo sol. O atendimento e a infraestrutura superior dos hotéis, a pacificação de alguns bairros violentos e os investimentos feitos no Parque da Tijuca certamente contribuíram para melhorar a imagem do Rio, despertando o interesse dos alemães.

É provável que nos próximos anos os números que medem a entrada de turistas ao Brasil sejam significativamente superiores aos registrados até aqui e as projeções são otimistas. O plano governamental é elevar para 22 milhões o ingresso de estrangeiros até 2022 (ano-marco do bicentenário da Independência), tirando o país da incômoda 51a posição no ranking mundial de competitividade do setor. A ideia é que até o final do ano que vem aquele número chegue a 7 milhões, portanto, 800 mil mais que o número de turistas que eram aguardados em 2013. É uma meta possível de ser concretizada, considerando que o Brasil reúne potencial de sobra na área. Todavia, segundo Tony Wheeler, um dos fundadores da Lonely Planet – uma das marcas de guias de viagem de maior sucesso no mundo – o país deve tomar uma série de medidas se quiser melhorar sua posição. Em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, anos atrás, ele salientou que parte do problema que inibe o crescimento desse setor é que o turismo aparenta ter seu foco na direção dos visitantes dos Estados Unidos. “Mas eles não são grandes viajantes em comparação com os europeus, para quem é mais difícil e caro chegar até aqui. Acho que deveria ser feita uma divulgação em várias frentes”. Wheeler destacou que o turismo é construído de pequenos passos e não de um grande investimento de objetivo único. De fato, os americanos formam o segundo contingente de turistas que mais visitam o Brasil, seguidos pelos alemães, uruguaios e italianos. Os argentinos, apaixonados pelas praias brasileiras, em especial as sulistas, ocupam o primeiro lugar. São os europeus, todavia, que mais consomem aqui: em 2012 os espanhóis foram os imigrantes que mais gastaram aqui (US$ 1.703), seguidos pelos portugueses (US$ 1.582), franceses (US$ 1.509) e suíços (US$ 1.484,66).

Turismo religioso

O representante da Lonely Planet também observou que o Brasil precisa diversificar sua imagem turística. Em resposta à pergunta “Como o Brasil pode incrementar seu turismo”, ele disse: “Não viajei tanto assim pelo país, mas há dois pontos que destacaria: a imagem do Brasil é dependente de um número limitado de atrações. Qualquer um no exterior, quando indagado sobre o país, fala logo do Rio (com a estátua do Cristo, as praias e a garota de Ipanema) e da Amazônia. O Brasil é muito mais do que isso. Gostei especialmente de Salvador e sei que há muitos outros pontos encantadores, que se fossem mais divulgados, atrairiam mais turistas. Outro fator é que o país é imenso e há o risco de o viajante ser roubado a qualquer instante”. Wheeler aproveitou para destacar que os grandes eventos programados para os próximos anos são excelentes oportunidades para tornar o Brasil um destino procurado com maior avidez pelos estrangeiros.

A Copa das Confederações, realizada no país de 15 a 30 de junho de 2013, uma tradicional disputa entre seleções nacionais organizada pela Federação Internacional de Futebol (Fifa), pode servir de espelho. Ela rendeu à nação do futebol resultados surpreendentes porque, de acordo com o MTur, os estrangeiros que vieram para acompanhar o evento não limitaram seus passos às metrópoles onde os jogos estavam sendo realizados. Já se sabe que circularam por 132 cidades do norte ao sul do país, chegando a alguns locais que já começam a entrar no mapa do turismo internacional. Além das praias de Natal, como Pirangi do Norte e do Sul, Tibau do Sul e da Pipa, os visitantes colocaram os pés em São Miguel do Gostoso (a 102 quilômetros da capital do Rio Grande do Norte), e em outras cidades do interior potiguarense como Mossoró, Pau dos Ferros e São Gonçalo do Amarante.

Em 2013 um outro importante acontecimento também movimentou o Brasil: a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no Rio de Janeiro, de 23 a 28 de julho, que contou com a presença de Papa Francisco e levou para aquela cidade e outras partes do Brasil (Aparecida do Norte, em São Paulo, por exemplo), 212 mil turistas de todo o planeta. O gasto médio do visitante internacional da JMJ oscilou em torno de R$ 1.830, contra R$ 1.370 do brasileiro. “Os números revelam o potencial do turismo religioso no Brasil”, diz o ministro Gastão Vieira. “Vamos trabalhar para intensificar ainda mais a movimentação em eventos e destinos religiosos, apoiando, principalmente, sua divulgação”.

A grande tacada, aquela que, imagina-se, pode empinar a linha das estatísticas, ainda está para acontecer. A Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014, que será realizada entre os dias 12 de junho e 13 de julho deste ano, deve se transformar numa espécie de divisor de águas do turismo internacional em solo brasileiro, dada a força do evento, a quantidade estimada de visitantes e a divulgação, mundo afora, das imagens de uma nação superdotada pela natureza. Os primeiros cálculos garantem que 600 mil estrangeiros e 3 milhões de brasileiros, aproximadamente, deverão circular pelo país nos meses de evento, gerando 7,8 milhões de viagens domésticas no período. Esses números, segundo alguns críticos, estão superestimados, fora da realidade, e, por isso, são combatidos. Lembram que a Europa está em crise e o Brasil ainda não está preparado para receber e acomodar tanta gente, além de que pode não haver disponibilidade de aeronaves para o deslocamento dessa massa humana, dentro e fora do país. Mas as autoridades contra-atacam lembrando que num único mês, em janeiro de 2012, o país recebeu e deu hospedagem a quase 750 mil estrangeiros.

Um grande destino

Seja como for, o fato é que o MTur já definiu 184 destinos turísticos próximos às 12 cidades-sede do evento (até 3 horas de distância por terra ou 2 horas por avião) em obediência a um planejamento que visa estimular o visitante a conhecer os atrativos no entorno dos vários palcos da Copa, aumentando o fluxo, a distribuição de renda e a geração de emprego. Estudos oficiais indicam que cada estrangeiro fará três viagens pelo Brasil, em média, e gastará pouco mais de R$ 11 mil durante o campeonato de futebol. “Vamos ampliar o ganho do Brasil com o megaevento. Queremos receber bem os turistas, apresentar nossos pontos turísticos e incentivá-los a voltar”, assinala o ministro Gastão Vieira. Os estudos apontaram que o Rio de Janeiro é a cidade que atrairá o maior número de estrangeiros: (413 mil), seguida por São Paulo (258 mil) e Brasília (207 mil).

Outra descoberta interessante: uma pesquisa feita com os turistas que foram à África do Sul em 2010, sede da Copa anterior e que certamente estarão no Brasil em junho próximo, revelou que mais de 80% eram do sexo masculino e 70% tinham entre 25 e 44 anos. É um turista relativamente jovem que pode retornar ao Brasil em outras oportunidades e ajudar a vender a imagem do país no exterior.

A Lonely Planet publicou em 2013 o ranking anual dos melhores países para serem visitados em 2014 e o Brasil aparece liderando a lista. É certo que o guia levou em conta os atrativos turísticos da nação, mas pesou a favor a realização da Copa do Mundo em território brasileiro. É bem possível que, daqui a dois anos, o Brasil volte a liderar o mesmo ranking, só que agora por causa dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, acontecimento que vai reunir mais de 10 mil atletas representando cerca de 200 países e milhares de visitantes do mundo inteiro. É claro que a afluência de turistas estrangeiros durante a Copa e o teste da hospedagem, dos aeroportos e da segurança (afinal, não é novidade para ninguém que a violência grassa solta em todo o país) poderá, sem dúvida, influenciar para mais ou para menos o número de visitantes de fora do país à Olimpíada.

Em princípio, mostram as pesquisas, o turista internacional que viaja ao Brasil tem retornado relativamente satisfeito a seus países de origem. “A percepção é que aqui é um grande destino, cheio de belezas, que o povo é fraterno e recebe bem”, relata Gastão Vieira. “O dado significativo é que quem veio quer voltar. O estudo com os estrangeiros revela também a satisfação com algumas ofertas de serviços – nossa preocupação era com os táxis e os restaurantes”, observa o ministro. De fato, os levantamentos mostram que 84,5% dos visitantes afirmaram que a viagem atendeu plenamente ou superou as suas expectativas, da mesma maneira que 95,7% declararam que pretendem retornar.

A hospitalidade do povo (97,7%), os sabores da gastronomia (95,5%) e a hospedagem (93,2%) são os serviços mais bem avaliados. Já com menor grau de satisfação despontam a telefonia (67,7%), as rodovias (70%), os aeroportos (73%) e a sinalização (76,5%). “Sempre haverá alguma coisa boa para o turista ver ou fazer no Brasil, um país maravilhoso”, acentua Yazeed Kamaldien, jornalista e fotógrafo sul-africano que veio a São Paulo, em novembro de 2013, para registrar como a nação está se preparando para a Copa do Mundo e o que os brasileiros pensam a respeito. “É fácil circular pelo país, assim como acessar os mais diferentes lugares. Em geral as pessoas são prestativas e gostam de auxiliar os estrangeiros”. Kamaldien, que também esteve em Araxá, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, aponta o que considera um fator negativo: os preços elevados de praticamente tudo. Ele diz que pagou R$ 18,50 por um sanduíche numa tradicional lanchonete, valor que daria para duas refeições idênticas numa filial da rede na África do Sul, e ainda sobraria troco.

Outro ponto que deixa a desejar, se­gundo o jornalista sul-africano, é a segurança. “Antes mesmo de vir para cá já havia lido sobre isso e, depois aqui, as pessoas me alertavam sobre essa questão, inclusive com relação às bagagens, que não devia ficar longe do alcance dos meus olhos”. Kamaldien pondera que isso faz com que o turista se sinta inseguro, perturbando sua estadia no país.

 


 

A visita dos hermanos

A Argentina ocupa a liderança entre os países que mais mandam turistas ao Brasil. Foram 1,67 milhões de hermanos em 2012, um número recorde, 4,8% mais do que em 2011 e o equivalente a 30% dos estrangeiros que vieram ao país naquele ano. O Estudo da Demanda Turística Internacional, com base naquele exercício, revelou que os argentinos gastaram individualmente, em média, US$ 647,90, valor apreciável mas que perdeu longe para americanos e europeus, que desembolsaram o dobro e permaneceram mais tempo em território brasileiro. Outro dado do estudo mostra que a maior parte dos conterrâneos de Maradona viajou por terra.