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“É preciso separar as emoções dos alimentos para evitar desequilíbrios”

Levar emoções negativas – estresse, ansiedade – para a cozinha e para a mesa é um erro que resulta em problemas de saúde e consequente piora na qualidade de vida. A relação com os alimentos não pode ser reduzida à refeição propriamente dita, mas incluir a união de fatores como o lugar, a companhia, o modo de comer e os alimentos que integram a refeição.

As opiniões são de Sonia Tucunduva Philippi, nutricionista e autora de livros de referência na área. Em sua trajetória de pesquisas sobre consumo e transtornos alimentares, a especialista adaptou a pirâmide alimentar americana aos hábitos brasileiros na constante busca pelo equilíbrio.

Nesta entrevista, a pesquisadora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo defende que é possível manter-se em forma fazendo escolhas inteligentes em qualquer situação emocional que a pessoa estiver vivenciando. A professora revela também quais são os fatores que têm comprometido o padrão alimentar do brasileiro.

SESC-SP: as pesquisas apontam a obesidade como um dos mais sérios problemas da saúde pública, inclusive nas classes sociais mais baixas, e indicam crescente ingestão de alimentos baratos, calóricos e pouco nutritivos. Nessa abordagem, qual é a sua avaliação sobre os caminhos que o alimento percorre no Brasil até chegar à mesa? Como está a situação da insegurança alimentar no Brasil?

Sonia Tucunduva Philippi: Acredito que as políticas públicas deveriam voltar mais a atenção para os subsídios aos alimentos básicos: arroz, feijão, carne, verduras, legumes e frutas regionais. Essa estratégia permitiria aumentar, e muito, o consumo dos indivíduos de mais baixa renda. Outra iniciativa de acesso aos alimentos deveria ser o aumento de opções de consumo para as camadas mais pobres com pontos de venda itinerantes e com alimentos a preços mais baixos. Acho também que os programas de alimentação escolar deveriam oferecer alimentos saudáveis, naturais e regionais formando hábitos alimentares adequados que pudessem interferir nesse processo de excesso de peso crescente, que tanto preocupa pais e médicos.

Para combater a insegurança alimentar no nosso país, o nutricionista deveria estar, prioritariamente, nas equipes multidisciplinares dos serviços públicos de saúde e nos pro gramas de saúde das famílias para orientação nutricional aos grupos populacionais mais vulneráveis.

Se as escolhas alimentares inteligentes envolvem maior consumo de frutas, legumes, verduras e cereais integrais e a diminuição de óleos, gorduras e de açúcares, a realidade brasileira está distante de atingir um equilíbrio para reduzir doenças e melhorar a qualidade de vida?

Infelizmente, sim. As pesquisas do IBGE mais recentes mostram que o perfil da população brasileira está mudando. Homens e mulheres estão com maior peso; o problema já atinge 50,1% deles e 48% delas. Nossos levantamentos revelam que essa situação é causada pela mudança no estilo de vida, pela adoção de hábitos alimentares inadequados e, claro, pela falta de atividade física. Sempre digo que há necessidade de programas de orientação alimentar, políticas públicas de subsídio a alimentos saudáveis e incentivo a melhores condições para a população praticar a atividade física.

É preciso também separar as emoções dos alimentos para evitar o desequilíbrio, que tem sido um dos maiores desafios da vida moderna. Ou seja, desentendimentos nos relacionamentos ou problemas no trabalho não precisam ser resolvidos com a comida, seja ela pouca ou exagerada. Existem vários alimentos capazes de deixar as pessoas felizes e que são grandes aliados em momentos de estresse e na hora do regime. Tudo é permitido desde que se tenha bom senso.

Nesse aspecto emocional que envolve a alimentação, você já disse que nosso corpo funciona como um computador que se programa para lidar com certas situações. No caso do brasileiro, como isso funciona?

A obesidade e a compulsão pelo consumo de alimentos muito calóricos e de baixo valor nutritivo podem estar relacionadas também com o estresse e a tensão proporcionadas pelo atual estilo de vida. A anorexia e a bulimia podem surgir devido à ênfase na magreza feminina como uma expressão de atração sexual. Atualmente, a sociedade valoriza a atratividade e a magreza em particular, fazendo da obesidade uma condição altamente estigmatizada e rejeitada. A associação da beleza, sucesso e felicidade com um corpo magro tem levado as pessoas à prática de dietas abusivas e de outras formas não sau dáveis de regular o peso.

Entre as crianças, a anemia é uma doença muito comum, que poderia ser evitada com uma alimentação adequada, a presença de alimentos ricos em ferro, como carne, feijão e outros alimentos fortificados. Falta, também, uma preocupação com a orientação para as mães e profissionais envolvidos na alimentação das crianças.

Os adultos também sentem essa falta de orientação? O que é preciso ser feito para que a indústria do emagrecimento seja contida e haja conscientização dos riscos de dietas populares, porém nocivas?

Os profissionais da área de saúde devem estar afinados no mesmo discurso de orientar melhor e de forma mais realista aspectos da alimentação e da atividade física. O acesso aos serviços de saúde deveria ser facilitado para que, de maneira preventiva, pudesse ser feito um trabalho de orientação sobre alimentação e nutrição.

A pirâmide alimentar é um guia de ali mentação aprovado pela organização mundial da Saúde. Ela substituiu a roda de alimentos usada para explicar os grupos de alimentos, que foram subdivididos para melhor garantir o consumo de todos os nutrientes nas quantidades adequadas. De acordo com a história do alimento, como foi elaborada a pirâmide alimentar para que fosse adaptada aos hábitos do brasileiro?

A pirâmide é uma adaptação da pirâmide alimentar elaborada nos Estados Unidos em 1992 à realidade profissional brasileira dos grupos de pesquisa em alimentação e nutrição. A pirâmide alimentar adaptada foi o primeiro trabalho brasileiro publicado e foi planejada com os alimentos distribuídos em oito grupos (cereais, frutas, verduras e legumes, leguminosas e oleaginosas, leite, carnes e ovos, gorduras e açúcares) de acordo com a contribuição de cada nutriente básico na dieta. Com base em dietas pré-estabelecidas, adaptamos a pirâmide alimentar norte-americana à realidade da nossa população, servindo como guia para a escolha dos alimentos e definição das porções na composição de uma dieta saudável.

Foram estabelecidas três dietas-padrão (1.600 kcal, 2.200 kcal e 2.800 kcal), com distribuição dos macro nutrientes carboidratos (50%-60%), proteínas (10%-15%), e lipídios (20%-30%). Cada nível foi apresentado em porções mínimas e máximas a serem consumidas de acordo com as dietas referidas. Para o cálculo das dietas e definição das porções utilizou-se o software “Virtual Nutri”.

A Pirâmide Alimentar Adaptada pode ser utilizada como instrumento para orientação nutricional de indivíduos e grupos populacionais, respeitando-se os hábitos alimentares e as diferentes realidades regionais e institucionais. Hoje, utilizamos a pirâmide alimentar planejada com uma dieta de 2.000 kcal, dieta também utilizada como exemplo pelo Guia Alimentar do Ministério da Saúde, pela rotulagem dos alimentos e em inúmeros programas de educação nutricional.

É importante que a pirâmide alimentar seja sempre avaliada e adaptada em função dos objetivos a que se destina, da população a ser atingida, respeitando a disponibilidade de alimentos e os hábitos alimentares locais para que ela seja um guia prático de orientação nutricional.

Para você, o que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come, como se come e com quem se come? Em sua opinião, quais são os principais hábitos do brasileiro e o que mudou nos últimos tempos? Nós estamos comendo melhor ou pior hoje?

Acredito que uma refeição não é apenas o ato de se alimentar e sim a união de vários fatores como o lugar, a companhia, o modo de comer e os alimentos que integram a refeição. O ritmo de vida dos brasileiros está cada vez mais acelerado, e o tempo para refeições está cada vez mais curto, além de ser cada vez mais frequente a realização de refeições fora de casa. Isso leva ao consumo de alimentos com baixo teor de nutrientes e elevada densidade energética, como os fast-food, e à omissão de refeições e consequente ingestão de alimentos pouco ou nada saudáveis e também de elevada densidade energética ao longo do dia.

Por outro lado, os avanços da ciência, dos meios de comunicação e até mesmo da mídia eletrônica levaram os brasileiros a terem uma maior preocupação com a saúde, com a auto-imagem, e, consequentemente, com os hábitos alimentares. Antigamente, comia-se muita gordura, como banha de porco. Hoje, é comum entre os brasileiros evitar alimentos gordurosos, devido à informação amplamente divulgada de que estes aumentam níveis de colesterol e podem causar doenças crônicas não transmissíveis e obesidade. Mas a alimentação mais rápida, o uso excessivo de açúcar e bebidas como refrigerantes, o consumo exagerado de frituras e a ausência de frutas, verduras e legumes e grãos integrais têm piorado o padrão alimentar do brasileiro.