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Valdete da Silva Cordeiro

Valdete da Silva Cordeiro nasceu na Bahia e mora em Minas Gerais, tem 73 anos e uma vida ativa. Valdete acredita no grupo, no apoio mútuo, na solidariedade como forma de transformar a realidade à sua volta. Com seu sorriso aberto e franco nos recebeu para uma entrevista, quando esteve em São Paulo para mais uma apresentação das Meninas de Sinhá, grupo que formou e organizou, com o objetivo de ajudar as mulheres de sua comunidade.

REVISTA - Conte para nós onde a senhora nasceu e um pouco sobre sua família.

Valdete - Meu nome é Valdete da Silva Cordeiro, tenho 73 anos, nasci na Bahia, Cidade da Barra, perdi meus pais muito cedo, eu era criança, eles morreram de tuberculose, porque eram indigentes. Fui criada pela minha madrinha de crisma porque, antigamente, quando os pais morriam, os padrinhos que criavam os afilhados.

REVISTA - Como foi morar Belo Horizonte?

Valdete - O marido da minha madrinha foi transferido em Pirapora e de lá viemos para Belo Horizonte. Devo ter vindo com a idade de cinco anos, porque eu não sei também a data em que eu nasci.

REVISTA - Que lembranças você tem de sua infância?

Valdete - Eu morava em Bairro Funcionários, que é um bairro de classe média alta, e eu tinha muita amizade com as crianças da vizinhança. Quem morava lá era médico, advogado, e eu lá no meio. Eu era convidada para todos os aniversários e eu ia. Mas, me chamou a atenção foi o aniversário do filho do secretário da educação, que foi no palácio do governo. Eu fui nesse aniversário, e o tema era Branca de Neve e os Sete Anões. Tinha um jardim no fundo do palácio, e lá puseram a Branca de Neve, os sete anões. Aquilo, me fez vir na minha cabeça “__Gente, e eu que nunca fiz aniversário?”. Pensei “__Quero saber” e perguntei para minha mãe “__Que dia faço aniversário?” e ela respondeu: “_Não sei”.

REVISTA - E como você reagiu a isso?

Valdete - Ah eu pensei “__Mas eu tenho que fazer aniversário”. Como eu gostava muito do sete de setembro, do desfile de sete de setembro eu falei “__Ah! Vou fazer aniversário no dia sete de setembro...mas eu tenho que fazer uma festa, todo mundo faz festa, tenho que fazer a minha”. Como eu fazia muitos favores às pessoas – comprar jornal, ir à padaria - eu comecei a cobrar um tostão, porque eu queria fazer a festa do meu aniversário, e fui juntando. Quando chegou no dia sete de setembro, minha casa ficava a três quarteirões da avenida Afonso Pena, fui ver o desfile, e, na volta, já fui passando na casa dos meninos e convidando todo mundo para meu aniversário. Fui no botequim, comprei todos aqueles doces, cocada, pé-de-moleque, comprei todos aqueles doces com o dinheiro, cheguei em casa piquei em pedacinhos, e fiquei esperando o pessoal. Daí eu olhei e falei “__Ué, gente, não tem bolo. Como eu faço?” Peguei uma caixa de sapato, embrulhei uma caixa de sapatos e pus as velas, foi o meu bolo. Para mim, foi uma festa, para os meninos foi melhor ainda, eles não estavam acostumados a comer doce de boteco, porque os pais não deixavam. Então, pela primeira vez eles comeram doce de boteco e foi meu primeiro aniversário, dia sete de setembro.

REVISTA - Você estava na escola?

Valdete Nessa época eu ainda não estava na escola não. Eu tinha muita vontade de estudar, mas eles me criaram assim, eu comia bem, dormia bem, mas eles não se preocupavam em me por na escola, me educar, catecismo, nada disso. Eu tinha uma amiga que morava na favela e ela era minha colega de catecismo e ela estudava no colégio Dom Pedro II. Ela disse “__Olha, você chega para a diretora, diz que mora lá onde eu moro, porque se você disser que mora aqui, ela não vai deixar, e você fala que mora com sua avó e fala que ela é doente, e não pode vir fazer sua matrícula e ela faz para você”. Eu fui lá falar com a diretora, e ela me matriculou e estudei o primeiro e segundo ano e quando eu ia fazer o exame para o terceiro, eles me deram o castigo de não ir a escola. Eles me davam castigo de vez em quando e o castigo era não ir à escola. E era a última prova de Matemática. Eu tinha que fazer, mas não fui e não fiz a prova. Andando na rua, encontrei minha professora e me encontrei com ela e ela disse “__Valdete, você, minha melhor aluna, não foi fazer a prova.” Eu fiquei com vergonha, baixei a cabeça, não disse nada, só que nunca mais fui à escola.

REVISTA - Você escolheu sua data de aniversário e se registrou, não é isso?

Valdete - Isso mesmo, quando chegou minha adolescência, eu vi que todo mundo tinha documento, carteira de identidade, carteira de trabalho e eu queria ter um documento também. Tinha uma vizinha que o marido era candidato a alguma coisa e ela me disse “__Olha, se você votar no meu marido, eu faço sua carteira... mas você deve ter uns 16 anos, eu vou aumentar sua idade dois anos.” Eu votei e ela me deu o documento, mas quando eu precisei de registro, rodei todos cartórios de Belo Horizonte, mas não achei. Ela me deu só o título de eleitor. Aí eu mesma fui me registrar. Cheguei no cartório, a moça me perguntou “__Como chama seu pai?” eu falei “__ Manoel da Silva.” saiu na hora. “__E sua mãe?” “__Ermelina da Silva”. Então ficou Valdete da Silva. Eu coloquei a idade pelo título de eleitor, 1938, então, nome dos pais, eu inventei na hora. Fiquei Valdete da Silva e dia sete de setembro ficou meu aniversário. Tudo inventado e ficou resolvido.

REVISTA - Como você saiu da casa de seus pais?

Valdete - Fui trabalhar em casa de família, que era a única coisa que eu sabia fazer. Eu queria comprar meu perfume, queria ter meu pó de arroz, meu batom. Ela era costureira, mas não me ensinava, Eu só sabia cozinhar, lavar. Uma parenta dela tinha duas amigas que iam receber uma visita de São Paulo e a prima ia passar uns dias lá em Belo Horizonte. Como trabalhavam, precisavam de uma pessoa para ficar quinze dias com elas. Essa prima da minha mãe de criação pediu e ela permitiu que eu fosse. Fiquei cinco anos. Fui para ficar quinze dias e sai de lá casada.

REVISTA - Como e quando você foi morar na comunidade de Alto Vera Cruz?

Valdete - Meu marido foi jogador profissional, não tinha muito valor e ele ganhava uma micharia. Mudamos para Formiga, depois para Campo Belo e voltamos para Belo Horizonte. Não voltei para a mesma casa porque eu tinha vergonha de voltar com quatro filhos. Minha mãe já tinha morrido, e meu pai morava com outra pessoa, então, ficava difícil. Como eu tinha uma irmã de criação que morava na favela de Alto Vera Cruz, eu fui para lá. Só que cheguei lá, era uma casa de três cômodos e ela estava com uma sobrinha, então, uma amiga da minha sogra me chamou para ir morar com ela e eu fui para lá com meus quatro filhos. Lá, eu fiquei. Depois, minha irmã me deu um pedacinho de terreno e lá construí meu barraco onde moro até hoje.

REVISTA -  Foi nesse espaço que você deu início a ações comunitárias, conte como foi?

Valdete - Na favela, naquela época, não tinha luz, não tinha rua, não tinha escola, não tinha água, não tinha nada. Como eu fui criada no Bairro funcionário, comecei a pensar, porque lá tem e aqui não tem? E tinha uma mulher que ia lá no Centro comunitário e eu perguntei como a gente fazia para ter água, luz e ela foi explicando como fazia. Que a comunidade tinha que se juntar, que tinha que correr atrás e eu comecei a convidar umas vizinhas e fazia reuniões em casa, mas eu queria chamar a comunidade . Daí eu pensei em fazer um teatro para chamar a atenção da comunidade. Mas como fazer o teatro? Nós fomos inventando a peça de teatro. Era um marido, que levava todo dia arroz e chuchu na marmita e era uma sala de uma senhora, e os vizinhos estavam lá conversando, e o marido chega e fala, não aguento mais levar chuchu para o trabalho e ela diz, mas você não luta pelo seu salário, não é comadre? E começa a falar, tem que lutar pela água, pela luz e a gente fazia todo fim de semana. A gente pegava um caminhão velho, e fazíamos o teatro.

REVISTA - E quem participava das peças?

Valdete - Eram as vizinhas e o Paulão. Esse Paulão foi até vereador, ele fazia teatro na igreja e nós puxamos ele para nos ajudar. Eram umas dez pessoas e tinha criança também que pedia para fazer teatro. E a gente fazia sobre tudo que acontecia no bairro. Uma mulher era despejada, então, a gente ia lá para saber o que aconteceu e fazia o teatro e assim nós fomos fazendo teatro e correndo atrás de melhoria para o nosso bairro. Primeiro veio a água, depois a luz, depois as ruas.

REVISTA - Esse movimento foi em que período?

Valdete - Há uns 30, 40 anos atrás. Data, eu não guardo. Nesse trabalho da melhoria do bairro, eu trabalhei fora, trabalhei em hospitais, em diversos lugares. Tinha um órgão do governo lá que atendia crianças e adolescentes, Centro Comunitário de apoio a crianças e adolescentes, e eu fui voluntária lá também.

REVISTA - Como você se envolveu no trabalho com as mulheres?

Valdete - Teve um concurso do estado para trabalhar nesse Centro, eu prestei e passei. Trabalhava de faxineira. Foi nessa época que comecei a notar que quando eu ia para o trabalho, e passava em frente do Posto de Saúde, via muitas mulheres saindo com a sacola de remédios. Eu implicava com aquilo. Um dia entrei no PS e comecei a conversar com elas. Elas não dormiam, não comiam se não tomassem remédio. Fui embora pensando, que tinha que ajudar essas mulheres, mas não sabia como fazer.

REVISTA - E como você descobriu como agir?

Valdete - Numa reunião que a gente fazia da Associação todo mês eu falei sobre isso. O presidente, não falava mas dava dicas, falou “__Chama pra bater um papo”.

REVISTA - E você fez isso?

Valdete - Fiz, fui lá e convidei-as para tirar uma horinha para conversar. E elas disseram que não tinham tempo para isso, não. Eu falei “__Olha, eu trabalho fora, cuido da minha casa e tenho um tempinho para conversar com vocês”, eu fui todos os dias, até que consegui que algumas se reunissem.

REVISTA - E como era essa conversa e o que vocês faziam?

Valdete - Cada uma contava sua vida, sua história. Elas gostaram e começaram a levar outras e foi aumentando o numero de mulheres. Começamos a fazer trabalhos manuais: fuxico, tapetes, bichinhos e a ganhar um dinheirinho vendendo tapetes. Mas elas continuavam a tomar remédios, não queriam saber de nada e eu pensava “__O que eu faço?” Daí teve uma festa no bairro e uma professora disse “__Olha gente, aqui tem expressão corporal para idoso e para gestante.” “__É isso que eu quero para meu grupo.” Pensei. Conversei com ela, expliquei sobre o grupo quase 60 mulheres, que fazia trabalhos manuais, mas que precisava mais de algo para se mover. Ela se ofereceu para ajudar se a prefeitura cedesse algumas horas de seu trabalho. Nessa hora passou o diretor da secretaria da cultura, puxei ele e contei o caso. Ela ficou conosco por seis meses. Quanto terminou ela disse “__ Valdete, você está apta para tomar conta do seu grupo, não precisa mais de mim.”

Eu trabalhava o corpo com elas. O que eu aprendo, eu faço. Comecei a trabalhar que somos bonitas como crianças, como adolescentes, como jovens e com a nossa idade. A gente tem que se achar bonita como somos. E falei, agora, o que precisa é vocês pararem de tomar remédios para dormir, para ficarem mais bonitas, melhorar a pele e a
vaidade foi aparecendo.

REVISTA - E as apresentações como começaram?

Valdete - Foi em uma festa grande da prefeitura. Não me pergunte que ano, era época da copa. Tinha duas mil pessoas, foi na rua. O que tinha? Tinha dança afro, tinha hip hop, rock, pessoal jovem que fazia a festa. Chegou a nossa vez, a moça falou “__ Agora, vamos apresentar o grupo Lar Feliz, vamos aplaudi-lo”. O grupo escolheu o nome Lar Feliz. Nós subimos e quando começou a música, com a gente no palco, que silêncio. A gente só ouvia os carros passando ao longe. Quando terminamos foi só aplausos, foi cheio de lágrimas. A Cristina, da Secretaria da Cultura também chorou. Porque lá, nessa época, ninguém sabia ainda o que era um grupo da terceira idade. Foi o primeiro grupo de terceira idade que eles viam em cima de um palco.

REVISTA - Qual a idade das mulheres do grupo?

Valdete - Sessenta, setenta e poucos. Daí para cima. Quando nós descemos, todo mundo aplaudiu. E fomos chamadas para ir a vários lugares. Até na polícia militar fomos convidadas para apresentar expressão corporal. Em festas das prefeituras nos chamavam.

REVISTA - O grupo continuou com as reuniões e as apresentações?

Valdete - Sim, a gente se encontrava três dias da semana. Na sexta tirava para fazer brincadeiras: chicotinho..., papa mel, roda, aquelas brincadeiras de infância. Toda vez que a gente terminava de brincar, elas falavam “__ Vamos brincar de roda?” Em uma reunião eu falei “__ A gente precisa resgatar essas brincadeiras de roda, levar para a praça, para a escola, para a creche”

REVISTA - Qual foi a reação do grupo?

Valdete - Na hora todas concordaram. Toda sexta elas traziam uma cantiga de roda que lembrava a cidade delas. Até que um rapaz que trabalhava na secretaria da cultura, decidiu me ajudar. Toda sexta-feira, ele levava o gravador e gravava as músicas que elas traziam. Depois, elas foram para o bairro fazer pesquisa com aquelas senhoras que eram mais idosas ainda, para elas cantarem cantigas da época delas e iam gravando. Depois de tudo arrumadinho, decidimos ensaiar essa roda para apresentar.

REVISTA - Como o nome do grupo mudou para Meninas de Sinhá?

Valdete - Um dia uma delas falou “__ Vamos mudar o nome do grupo? Estamos muito assanhadas e esse nome não assenta mais.” Mas eu sabia que não era isso. Elas não queriam carregar mais o lar para elas. Libertaram-se! Decidimos fazer uma pesquisa e escolher outro nome para o grupo. Elas descobriram que havia um grupo de maculelê chamado Meninos de Sinhá e esse grupo acabou. Decidiram por um “a” e ficou Meninas de Sinhá. Concordei desde que soubessem o que é “Sinhá”.

REVISTA - E como o grupo Meninas de Sinhá começou a apresentar-se e quando foi?

Valdete - Havia um centro cultural que estava ficando pronto e na inauguração nos convidaram para fazer a brincadeira de roda. Pensamos “__Tem que ter uma roupa bonita para chamar a atenção. Como vamos fazer?” Conseguimos na secretaria de cultura o tecido e um figurinista. Ele desenhou o modelo, as meninas que costuravam fizeram a roupa. Era uma saia estampada e uma blusinha branca de manguinha. Nos apresentamos no Centro Cultural há 15 anos, no dia 8 de dezembro. Essa data eu guardei. Dessa época que nos apresentamos até agora já rodamos o Brasil inteiro, já gravamos o segundo CD, e se você me perguntar como chegamos até aqui eu não sei dizer. Só sei te dizer que tudo que a gente faz com amor, cresce. E é muito bom.

REVISTA - Nada foi planejado?

Valdete - Foi por amor, igual a minha vida. Inventei. O grupo também fui inventando. Com as mulheres, também não houve resistência.

REVISTA - E houve alguma resistência por parte das famílias?

Valdete  - Agora que vou chegar a isso com você. Então, eu consegui aumentar a autoestima, libertaram-se, as mulheres eram escravas. Eu tive sim resistência dos maridos. Teve um deles que falou que se fosse um trator passava em cima de mim. A mulher dele era daquelas que só ficava no portão, cumprimentava a gente do portão. A mãe dela já estava no grupo, a irmã também e tentando levar ela. Não tinha jeito, tomando sempre remédio. Depois fui puxando, puxando, e consegui levar. Por parte dos filhos, também, houve um pouco, porque era aquela mãe que dava tudo nas mãos dos filhos. Ela achava que era obrigada a fazer isso porque os filhos estudavam e ela começou a sair e deixava a comida no fogão.

REVISTA - As atividades de expressão corporal continuam?

Valdete - Sim, ainda tem expressão corporal, mas agora com uma professora, porque com a artrose eu não dei conta mais de fazer. Na ensaiamos o repertório, continua do mesmo jeito. Então o que eu consegui, as mulheres se libertaram, se reconheceram como mulheres e hoje participam das atividades da comunidade, saúde, de tudo.

REVISTA - Como esse trabalho se refletiu nas relações, na comunidade?

Valdete - Hoje, a família, pelo menos, a família elogia. Os maridos reconhecem o valor. As mulheres são exemplo para a comunidade. As mulheres com netas levavam eles para assistirem em praças. Então, os netos e netas, começaram a querer vestir igual à avó, querer cantar, querer ser igual à avó. Então, formei as Netinhas da Sinhá, o vestido parecido, tal. Como o grupo já estava começando a se apresentar, aonde a gente ia levava. Então os meninos começaram a pedir para participar e queriam ser os Netinhos da Sinhá. Meu neto tocava violão e o amigo dele cantava, então chamei os dois e pedi ajuda. Fizemos um projetinho a diretora, do lugar que trabalho, gostou do projeto, deu um jeito de comprar instrumentos para eles tocarem. Então, hoje, esse grupo chama Alto Batuque. Eles se apresentam também em vários lugares, e começamos também com o Rap, quando veio a ideia do CD. Nos apresentamos no SESC Pompéia e tivemos a ideia de gravar um CD.

REVISTA - Como você se sente por tantas mudanças na vida delas?

Valdete - Ah, eu nem sei o que sinto. Acho que cresci muito com elas. Eu aprendi muito com elas. Cada um tem um jeito de ser. Uma é mais quietinha, mais observadora, outra é muito carinhosa, e você vai pegando o jeitinho com elas. Eu cresci muito como pessoa.

REVISTA - É um grupo grande, existe algum conflito?

Valdete - Existe sim. Coisas de implicância uma com a outra, coisas assim. Eu lido, conversando. Uma reclama da falta de paciência da outra, eu resolvo conversando. É mesmo como mãe com as filhas. Eu considero como minhas filhas, tanto as mais novas quanto as mais velhas.

REVISTA - E o seu processo de envelhecimento, você já parou para pensar sobre isso?

Valdete - A única coisa que me incomodou de dois anos para cá foi minha saúde. Eu tive um problema muito sério de sentimento, e esse sentimento me levou à diabete. Eu nunca tinha tomado remédio. De repente eu entrei em coma, por causa da diabete. Isso me deixou muito chateada, e custei a me conformar para aceitar a doença, mas
aceitei. E a artrose também, estou chegando à velhice, mas só meu corpo, porque a mente continua a mesma.

REVISTA - E o envelhecimento das Meninas de Sinhá?

Valdete - Eu não vejo o envelhecimento delas, eu as vejo como entraram, do mesmo jeito. Tem a Geraldinha que está com 92 anos, cabecinha ótima. Agora, eu perdi algumas que faleceram. Algumas não andam mais, a gente visita (...) envelhecer, a gente sabe que isso vai acontecer então, a gente leva isso com tranquilidade.

REVISTA - Você considera todo esse percurso um movimento do grupo?

Valdete - Sim, eu não sou a cabeça, o grupo tem que decidir junto. O grupo não é meu, de jeito nenhum. É um grupo. Todo mundo faz tudo junto. Resolvem tudo junto, isso é importante também.

REVISTA - Como você vê seu futuro?

Valdete - Eu já tenho bisneto, isso já foi um sonho realizado. Tenho quatro bisnetos, estou feliz da vida com eles e o futuro é continuar com meu trabalho. Eu só penso assim, quero gravar um DVD com as meninas. Nós não temos uma sede, nós usamos uma sala de uma Associação e meu sonho é ter uma sede para a gente colocar os troféus, nossas coisas. Eu tenho dois sonhos e o outro é voltar a minha terra, eu sonho com isso. E vou filmar, já tenho até quem vai filmar a minha viagem a minha terra.

REVISTA - Estamos terminando nossa entrevista você quer contar mais alguma coisa?

Valdete - Só quero contar uma coisa. Eu tinha paixão para conhecer o Vale do Jequitinhonha, por causa da cultura do vale, porque eu sou baiana e o vale puxa,,! Fizemos um projeto, viajamos para as cidades pobres e comecei a formar grupos com as mulheres de lá. Fazia reuniões grandes, e falava para as mulheres dos direitos delas, das suas vidas, da liberdade delas, das dores que elas sentiam em casa. Sempre brincando com elas de roda. Em cada cidade, fazia alguma coisa e falava sobre os grupos. Depois pensei “__Fui lá no Vale há tanto tempo, falei dos grupos, será que deu resultado, será que plantei uma semente?” Tornei a voltar. Todas as cidades que nós fomos tinham formado grupos. As lavadeiras fizeram um grupo de crianças... Eu chorei emocionada. Foi maravilhoso. É uma pena eu não poder ir mais, porque é longe. Da última vez que estive lá, tinha umas mulheres que só faziam expressão corporal. Eu falei “__ Vocês sabem tanto canto de roda, tanto verso de roda, porque não formam
um grupo de roda para vocês cantarem também?”