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Idoso em instituições de longa permanência no município de Vitória/ES: relações familiares e institucionalização

Introdução:

O rápido crescimento da população mundial na primeira metade do século XXI tem indicado que o número de pessoas com 60 anos ou mais, que era de aproximadamente 600 milhões em 2000, chegará a 2 bilhões em 2050. Esse aumento será mais acelerado e mais percebido nos países centrais de desenvolvimento capitalista, para os quais se prevê que a população idosa vai quadruplicar nesses próximos anos. Na Ásia e na América Latina, a população idosa passará de 8% para 15% até 2025. Na Europa e na América do Norte, entre 1998 e 2025, a população idosa passará de 20% para 28% e de 16% para 26% respectivamente.

Consequentemente haverá uma transformação demográfica de proporção mundial, o que provocará profundas mudanças nos diferentes aspectos da vida: individual, comunitário e internacional, mudanças essas psicológicas, espirituais, sociais, culturais, econômicas e políticas (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2002).

O Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento (resultado da II Assembleia Mundial do Envelhecimento, abril de 2002, em Madri, promovida pela ONU) definiu vários temas, com vistas a orientar as ações para que, em todas as partes do mundo, a população possa envelhecer com segurança e dignidade e para que os idosos, estejam eles onde estiverem, possam continuar participando de suas respectivas sociedades como cidadãos, com plenos direitos, com liberdade e sem discriminação.

O aumento da expectativa de vida no Brasil é resultante, pelo menos, de três fatores: em primeiro lugar, dos esforços empregados em políticas sociais, voltados para a melhoria das condições de vida da população brasileira, principalmente a partir da década de 1970, com a ampliação da rede assistencial, da infraestrutura de saneamento básico e com o aumento da escolarização; em segundo lugar, das pesquisas no campo da saúde e da medicina, principalmente da medicina preventiva, com o controle de muitas doenças infectocontagiosas, sobretudo em razão da facilidade de acesso aos antibióticos e à vacinação em massa, cujos avanços vêm contribuindo para a elevação da longevidade; em terceiro lugar, das mudanças sociais ocorridas na vida da mulher ao longo dos anos, tais como a dissociação da sexualidade da reprodução, maior acesso à educação, a saída da mulher de casa para o mercado de trabalho, a redução no número de filhos, entre outras.

Não temos dúvidas de que o Brasil percorrerá velozmente um caminho rumo a um perfil demográfico com uma proporção cada vez mais elevada dessa faixa etária. Isso implicará adequações nas políticas sociais, principalmente naquelas voltadas para as áreas da saúde, previdência e assistência social.

Política pública para a terceira idade

A Constituição de 1988 estabeleceu os direitos desse segmento populacional, daí resultando a Lei no 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso (PNI), regulamentada em 1996, que tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Ainda em 1994, o Ministério da Saúde assumiu a implantação de um novo modelo assistencial de saúde, o Programa de Saúde da Família (PSF), que elege como prioridade o estabelecimento de vínculos e a criação de laços de compromisso e de responsabilidade entre os profissionais da saúde e a população (BRASIL, 1997).

A PNI, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), instituída pela portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006, baseia-se na garantia de atenção adequada e digna para a população idosa brasileira em consonância com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, de 1° de outubro de 2003. Destina-se a regular os direitos assegurados às pessoas idosas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, na qualidade de instrumentos legais que norteiam ações sociais e de saúde e instituem os direitos das pessoas idosas.

A elevação da expectativa de vida coloca a necessidade de reestruturar a atual administração, desde a esfera familiar até a governamental. Os novos arranjos familiares apontam um idoso que sai do espaço restrito da família e surge num espaço de responsabilidade da sociedade. Portanto é fundamental, segundo Lopes (2007), que a sociedade e o Estado renovem seus espaços sociais e institucionais para abrigar idosos.

Entre os desafios, colocados pela elevação da expectativa de vida no Brasil, está a necessidade de efetivação de políticas públicas eficazes na atenção a essa demanda de indivíduos que necessitam de atendimento especializado. Essas políticas podem ser entendidas como estratégias de enfrentamento das desigualdades sociais e econômicas. No entanto, há outros fatores particulares, relativos ao envelhecimento de cada pessoa, que decorrem da história de vida, da evolução cronológica, e envolvem aspectos biopsicossociais específicos dessa idade, tais como: envelhecimento biológico, envelhecimento psicológico e envelhecimento social, este determinado pela cultura, pela história de cada um e pelos costumes da comunidade em que vive, como a perda do papel profissional e do papel na família como provedor, o que conduz o idoso ao isolamento, com o sentimento de inutilidade (MERCADANTE, 2003).

Metodologia

O objetivo deste artigo é caracterizar o perfil de idosos (segundo raça, escolaridade, faixa etária, situação civil e número de filhos), demonstrar as relações familiares e os fatores que os levaram à institucionalização, visando sistematizar as informações que influenciam as ações das redes de apoio social aos idosos, e com isso contribuir para que estas possam atuar de forma mais efetiva no seu esforço de manter esses idosos junto de suas famílias com vínculos afetivos positivos.

A pesquisa, de caráter exploratório, foi realizada no período de outubro de 2010 a fevereiro de 2011. O estudo de campo incidiu sobre uma amostra intencional de idosos internos de três instituições de longa permanência – duas privadas e uma filantrópica. A metodologia utilizada foi de natureza qualitativa e operacionalizou-se mediante um instrumento de coleta de dados, o formulário, que possibilitou a realização de uma entrevista semiestruturada.

Este artigo está estruturado na seguinte ordem. Além dessa introdução, no próximo item será apresentado, a partir das respostas obtidas nos formulários, o perfil dos idosos asilados; no item seguinte, serão demonstradas as relações familiares e a institucionalização, e na conclusão serão feitas as reflexões finais.

O perfil dos idosos asilados

A caracterização do perfil dos idosos nas instituições pesquisadas será feita por meio das variáveis: raça, escolaridade, faixa etária, estado civil, número de filhos. Foi possível identificar que a maioria dos idosos asilados (75%) está na faixa dos 71 aos 90 anos. Assim sendo, são idosos que já estão com algum comprometimento físico e/ou mental. Por esta razão demandam cuidados que a família, às vezes, não está preparada para dedicar-lhes.

Em relação à raça, a pesquisa permitiu-nos observar que o número de idosos brancos institucionalizados (72%) é bem mais expressivo que o de negros (6%) e pardos (22%) juntos. Esse resultado destoa dos que estamos acostumados a ver nas instituições de atendimento a crianças e adolescentes de menor poder aquisitivo, onde há uma grande maioria de pardos e negros, nas quais brancos são quase inexistentes.

Santos, Lopes e Neri (2007, p. 72), em seu estudo Escolaridade, raça e etnia: elementos de exclusão social de idosos, dizem o seguinte:

A frequência mais alta de ascendentes brancos entre os idosos permite suspeitar – e somente suspeitar – da ocorrência de um processo de seleção em que eles seriam relativamente mais numerosos do que os demais grupos raciais por causa das condições sociais.

Na literatura pesquisada, embora seja constatado que os idosos institucionalizados são na maioria brancos, não há análise sobre o assunto. Há uma invisibilidade quase absoluta dos cidadãos negros com idade igual ou superior a 60 anos.

A baixa escolaridade também é um dado visível na população idosa asilada, na qual constatamos que 22% é de analfabetos e 53% dela aparece com o primeiro grau incompleto. A maioria desses, na verdade, frequentou a escola somente por dois ou três anos, principalmente as mulheres. Esse último dado não contempla somente idosos asilados, mas também idosos das classes menos favorecidas de uma maneira geral.

Vale lembrar que, quando os idosos de hoje eram crianças e adolescentes, não havia obrigatoriedade de frequentar a escola. As mulheres, em especial, não eram estimuladas a estudar, e sim preparadas para o casamento. Para os homens, o mercado era menos exigente e eles começavam a trabalhar muito cedo, a partir dos 14 anos, o que implicava, na maioria das vezes, deixar a escola (SANTOS, LOPES & NERI, 2007). Essa situação de analfabetismo e baixa escolaridade compromete muito o grau de entendimento dos idosos, pois o nível de informações fica restrito aos registros de sua memória.

O estado civil predominante é de viúvos (53%) e solteiros (28%), que totalizam 81% dos idosos asilados, o que nos leva a admitir que a maioria não tem companheiro(a) e/ou família. Dos idosos viúvos, a quase totalidade é de mulheres; entre os solteiros, a maioria é de homens, ou seja, não constituiu família e, quando a família de origem morreu, os descendentes não assumiram o parente, restando a este, como única alternativa, o asilo.

Encontramos 16% de idosos separados, constituídos por homens que se separaram ainda jovens e, na época, não deram assistência à família, e quando se viram idosos e sem condições de se manter sozinhos foram encaminhados ao asilo por parentes ou conhecidos. Pudemos perceber,no triste relato de alguns, a falta de afetividade dos filhos para com eles, em função da negligência em demonstrar afeto e atenção, por parte do pai, quando os filhos eram crianças e/ou adolescentes.

Os idosos sujeitos da pesquisa, de uma maneira geral, encontram-se distanciados de sua família, e esse distanciamento se cristalizou em decorrência da institucionalização. Além disso, romperam os laços com seu contexto histórico, com a comunidade onde estavam inseridos. Mesmo aqueles que afirmam gostar da instituição, e estar felizes lá, apresentam em sua fala indícios de que gostariam de viver ao lado da família. Estes são geralmente viúvos ou viúvas sem filhos, ou então solteiros e solteiras que já perderam a maior parte dos componentes de sua família; dos que ainda têm alguém, este também é idoso, e não pode acolher o parente por dificuldades financeiras, limitações físicas ou mesmo por falta de afetividade (estes nunca recebem visitas). Os que têm filhos, com raras exceções, justificaram sua institucionalização alegando que ficavam muito sozinhos.

Dos idosos asilados pesquisados, apenas 44% não possuem filhos. Neste grupo estão incluídos os solteiros e os que, mesmo casados, nunca tiveram filhos. Isso nos permite deduzir que ter filhos não é garantia da permanência do idoso na família.
Com relação ao número de viúvos e viúvas, 53% dos pesquisados foram para a instituição após a morte do cônjuge, indicativo de que ter um(a) companheiro(a) contribui para se permanecer em seu próprio domicílio.

Encontramos 28% de solteiros. Isso de alguma forma justifica o asilamento, supondo que não tiveram condições de permanecer vivendo sozinhos e não foram acolhidos pelos parentes. Devemos levar em consideração a disponibilidade da família para cuidar do idoso, o que tem a ver com as condições materiais de existência e com os laços afetivos, que podem favorecer ou não essa disponibilidade.

As relações familiares

De acordo com o Estatuto do Idoso, deve-se “(...) priorizar o atendimento do idoso por sua família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência” (RAMAYANA, 2004, p. 18), e, ainda, entender que o asilo não é o melhor local para abrigar uma pessoa idosa, quando há possibilidade de ela permanecer na família. Tais considerações estão em consonância com o Art. 229 da Constituição Federal, que diz: “(...) os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (OLIVEIRA, 1994, p. 103), embora saibamos que essa imposição legal não garante os cuidados da pessoa dentro das famílias.

Pelo relato dos idosos entrevistados, em resposta à pergunta sobre como era sua vida antes do asilo, percebemos que a maioria já vivia uma situação de solidão, e também de precariedade financeira. Quando têm filhos, relatam que moravam com um filho ou uma filha, mas ficavam em casa sozinhos, enquanto todos saíam para o trabalho. Muitas vezes é para sanar essa situação que os filhos resolvem levá-los para uma instituição. Observamos que as mulheres solteiras, após a morte dos pais e irmãos, ficaram sozinhas e, não querendo incomodar ninguém, pediram que as levassem para uma instituição.

Há também algumas mulheres que não tiveram filhos e com a morte do companheiro decidiram asilar-se, alegando também que não queriam ficar sozinhas. Quanto aos homens solteiros, já viviam sós desde jovens, e quando envelheceram/adoeceram, e não tinham mais como se manter sozinhos, foram levados para o asilo por algum parente ou vizinho.

A maioria das respostas está relacionada à perda de autonomia/independência e ao fato de não terem ninguém para ajudá-los/cuidar deles ou até mesmo fazer-lhes companhia. A esses motivos, dadas as precárias condições financeiras, soma-se a falta de um lugar para morar com a família ou, exceto os que viviam sozinhos (47%), de condições de viver só. Alcântara (2004, p. 22) destaca:

Em face dos novos arranjos e do número reduzido de membros na família, envelhecer junto a esta é um desafio, visto que a sociedade moderna, movida pelo mundo do trabalho, não tem tempo para conviver com seus velhos. O espaço doméstico é restrito apenas ao casal e a um ou mais filhos. As mulheres, que antes cuidavam dos filhos, pais e avós, foram absorvidas pelo mercado de trabalho, e assim, esses cuidados foram transferidos às creches e aos asilos.

As respostas dadas à pergunta sobre quando e como surgiu a ideia de ir morar na instituição também estão relacionadas à perda de autonomia/ independência e à falta de condições de algum membro da família para exercer o papel de cuidador, ou, no caso da maioria dos solteiros, à falta de parentes disponíveis.

Os idosos percebem a família como um espaço em que os laços de respeito devem ser preservados. Em geral protegem seus filhos e familiares de qualquer julgamento moral, justificando na maioria das vezes o fato de estarem no asilo, de receberem poucas visitas ou, em muitos casos, visita alguma, sempre dizendo que os filhos trabalham muito, que têm seus filhos para cuidar e vivem sem tempo. Muitos deles (47%) não recebem visitas, ou as recebem muito raramente, e 53% são visitados: alguns uma vez na semana e outros até uma vez por mês (instituição filantrópica). No caso das instituições particulares, as visitas semanais são obrigatórias, condição para que o idoso permaneça na instituição.

A maioria dos idosos que não recebem visitas regularmente é do sexo masculino e estes relatam que não constituíram famílias (são solteiros). Quando tiveram, houve separação antes do envelhecimento, e os filhos não os acolheram na velhice; informam que, após a separação, se distanciaram da família, ou seja, na qualidade de pais ausentes, os filhos não mantiveram afetividade em relação a eles. Avelar (2007, p. 26) destaca:

Em algumas situações, a família que tem poucos recursos financeiros para manter o seu parente idoso no convívio familiar pode pensar na internação em uma instituição de longa permanência, de caráter filantrópico, como opção para suprir as necessidades básicas desse familiar, como moradia, alimentação e medicamento. Não se esquecendo de que, mesmo em tal circunstância, a família deve manter os vínculos e o relacionamento com seu familiar.

Idosos são encaminhados a instituições em razão de dificuldades financeiras, falta de espaço para sua privacidade em casa, impaciência dos familiares para com eles e deles para com netos, crianças e/ou adolescentes, falta de disponibilidade de um familiar para o cuidado, falta de habilidade dos familiares para lidar com determinadas enfermidades graves e falta de afetividade, entre outros fatores.

A institucionalização

Nas sociedades antigas, a família, tradicionalmente extensa, assumia o cuidado de seus idosos. Com várias gerações morando em uma única casa, cabia às mulheres a tarefa de cuidar dos mais velhos, quando estes necessitavam. Verificava-se, nesse momento, a presença de uma solidariedade, além da obrigação de quem estava morando na casa com o idoso de dispensar-lhe cuidados. Só os idosos sem família iam para os asilos.

Levando em consideração todas as implicações da institucionalização, verificamos que os idosos, após o asilamento, apresentam certa apatia, um grau elevado de passividade e falta de desejo de fazer não importa o quê. Ximenes e Côrte (2007, p. 36) ressaltam:

Na realidade cotidiana asilar, a sensação que se tem é de um lugar onde o tempo estagnou. As horas preguiçosas estendem-se, resistem e, no seu marasmo, contaminam todo o ambiente, num quase nada acontecer em suas diferentes horas: idosos sentados estáticos, muitas vezes, um ao lado do outro, sem conversas ou, quando se ouve alguma voz, na maioria das vezes é solitária. Idosos conversam, mas não se ouvem. Uns gritam, sem motivo aparente, outros vagam. A sensação é de desistência
da vida. Permanece um tempo vazio de “espera” da morte.

No cotidiano das instituições há pouca atividade, é uma rotina que se repete dia após dia, sem expectativa de como será o futuro; é como se ele não existisse. Entretanto, quando a instituição oferece alguma atividade, os idosos não se interessam por ela.
Estudos demonstram que “o não fazer nada” traz malefícios à saúde da pessoa idosa e sua capacidade física é levada ao declínio pelo “desuso” das funções do organismo, afetando o desenvolvimento das atividades de sua vida diária e de sua vida prática (XIMENES & CÔRTE, 2007).

Quando perguntados sobre o que fazem na instituição, 31% responderam de forma similar, ou próximo da seguinte assertiva: “(...) nada, aqui não tem nada pra fazer, aqui a gente só come e dorme”. Um grande número de idosos respondeu: “(...) ando de um lado para o outro, vejo TV, bato papo”.
Avelar (2007, p. 56) comenta:

O cotidiano da instituição asilar pode se constituir de rotinas que se repetem, dia após dia, normalmente não correspondendo aos desejos, anseios e expectativas dos residentes. É como se o futuro não mais existisse para eles e restasse apenas a repetição da rotina dos dias, sem a expectativa de como será o dia seguinte, pois este já é conhecido e programado sem a sua participação
A maioria dos idosos diz que a instituição não propõe nenhuma atividade, ou, quando oferece, é algo que não atende a seus interesses, que não os estimula a participar. Os idosos acabam por ficar sentados uns ao lado dos outros sem nada para fazer a não ser conversar, dia após dia, o que nos revela que o espaço asilar é um lugar de inércia, sem movimento e sem atividades, propício para que seja reforçada a condição de inutilidade e dependência.

Ximenes e Côrte (2007, apud FALEIROS & MORANO, 2009, p. 333) destacam que: “(...) há uma desvalorização das necessidades do idoso, por se acreditar que estas se limitam a certas prioridades fisiológicas (alimentação, vestuário, moradia, cuidados de saúde e higiene), (...)”.

Percebemos que o nível de insatisfação, quanto ao asilamento, é maior nas instituições privadas, onde estão os idosos com maior poder aquisitivo. Os idosos das camadas mais empobrecidas, talvez por terem menos opções em decorrência de sua situação financeira, acabam se conformando.

Ressaltamos que, embora dependa das condições materiais de existência, desiguais em relação à situação de classe, a velhice é vivida também como um processo individual. Portanto, mudanças biológicas, fisiológicas, psicossociais, econômicas ocorrem no ciclo de vida de toda e qualquer pessoa. Além das desigualdades sociais, que dividem profundamente a sociedade brasileira, há diferenças, em cada pessoa, no processo de envelhecimento, dependendo da maneira como encara a vida e também de tempos cronológicos diferenciados.

Conclusão

A interpretação e análise dos dados permitiram-nos perceber que a maioria dos idosos já vivia, antes do asilamento, uma situação de solidão, e, muitos, de precariedade financeira. Observamos que as mulheres solteiras que ficaram sozinhas após a morte dos pais e irmãos, por não querer incomodar os parentes, buscaram uma instituição. Há também algumas mulheres sem filhos que, com a morte do companheiro e sem condições de se manterem sozinhas, procuraram o asilamento. Já os homens solteiros, que já viviam sós desde jovens, quando envelheceram/adoeceram, não tiveram mais como se manter sozinhos, e, sem outra opção, foram levados para o asilo.

A idade por si não é um determinante de asilamento, os fatores que melhor o explicam são: as dificuldades financeiras, o declínio das condições de saúde, a perda da autonomia e da independência para as atividades da vida diária, o surgimento de doenças crônicas, viver sozinho (solteiro, viúvo ou separado) e não ter ninguém para ajudar/cuidar de si ou até mesmo fazer companhia, a impaciência dos familiares para com o idoso, e deles para com netos, crianças e/ou adolescentes, a falta de espaço para sua privacidade em casa, ou a falta de um lugar adequado para morar com a família, a falta de disponibilidade de um familiar, falta de afetividade dentro da família apresentaram-se como fatores cruciais para a institucionalização.

Quanto às instituições privadas, estas surgem para atender a uma demanda de segmentos sociais que podem arcar com os elevados custos e encaminham seus idosos, com alto grau de dependência, para as casas de repouso. Nesse caso, precisaríamos estudar as razões dessa transferência de responsabilidade da família para a instituição, uma vez que não é a falta de recursos financeiros que a determina, mas a secundarização da posição do idoso no seio familiar, justificada pela falta de disponibilidade
de um familiar cuidador, ou mesmo de habilidade e preparo para lidar com determinadas doenças graves. Optam por pagar uma instituição, a pagar alguém para cuidar desse idoso no seio da família.

Diante do exposto, o que se pode auferir é que é necessário evitar o asilamento, de acordo com o previsto na Constituição e no Estatuto do Idoso; isso só deve ocorrer quando não há nenhuma possibilidade de a pessoa idosa permanecer na família. Temos (o Estado, a sociedade e a família) de construir uma rede de serviços aos idosos na comunidade, investir em ações que possibilitem a estes permanecerem com as famílias em sua comunidade, bem como fomentar a implementação de políticas públicas eficazes e ações preventivas à institucionalização.

Temos de pensar no asilamento, quando inevitável, como uma alternativa que proporcione dignidade e qualidade de vida à pessoa idosa. As instituições precisam romper com a imagem histórica de segregação e afastamento da sociedade e se tornar uma alternativa digna para os idosos.

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