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Entrevista: Oscar Del Pozzo

Oscar Del Pozzo é médico aposentado e um devotado defensor da causa do idoso brasileiro. Nos anos recentes ficou bastante enfermo. Mas, “deu a volta por cima”. Voltou, com todo o entusiasmo que lhe é característico, a estudar, planejar e organizar ações em prol dos idosos pobres, doentes, incapacitados. Oscar tem a grandeza daqueles que reconhecem que a vida foi com ele generosa e que, por isso, deve se dedicar aos necessitados. E faz o que faz não por obrigação, mas porque considera que é seu jeito de ser feliz. Sua história de voluntário começa com seu contato com o SESC, quando foi convidado a escrever suas reflexões sobre velhice nesta revista.

Dentre suas inúmeras realizações destacam-se o site do Movimento Idosos Solidários e o vídeo “Cuidando do Idoso em Casa” Oscar, aos 83 anos, está de volta, cheio de energia e de ideias como se verá na entrevista que nos concedeu.

Oscar, para iniciarmos essa conversa, fale-nos de sua história pessoal e profissional.

Nasci em São Paulo, em 1928. No começo da minha infância, vivi numa vila chamada Vila Santa Lúcia, no começo da rua Santo Amaro, São Paulo, onde está hoje a Câmara Municipal, onde, aliás, muito depois, fui trabalhar por 41 anos. Em seguida, mudamos para uma rua mais sossegada no bairro da Bela Vista. Fui aluno semi-interno no colégio Arquidiocesano. Em 1939, meu pai estava muito ruim de saúde, pressentindo o fim comprou uma pensão em Santos, para minha mãe administrar. Mas ele só pagou a entrada e faleceu.

Minha mãe ficou com quatro filhos, a pensão para tocar e com todo aquele trabalho. Mesmo assim, ela conseguiu me manter no colégio interno, o que prova, para mim, o espírito
forte que ela tinha. Eu me formei no ginásio em São Paulo e fui para Santos, para junto de minha mãe. Lá, eu trabalhei, mas perdi o emprego. Então, voltei a São Paulo. Morei em uma pensão com oito pessoas no quarto e o chuveiro era frio.

Quase vinte pessoas usavam o mesmo banheiro. No inverno não tinha aquecimento, não tinha cobertor, usava jornal para me aquecer. E nessa pensão, no domingo também não havia jantar e a gente comia o mais tarde possível para não sentir fome. Às vezes, eu e meu irmão íamos à casa de algum parente para tirar a barriga da fome. E nunca me esqueço de um primo, filho de tia Olga, que morava em Santana, uma vez perguntou: “pai, porque você escondeu o bolo no armário?” Ficou um clima meio chato.

Como se desenvolveu sua carreira na Câmara Municipal de São Paulo?

Em 1948, eu prestei um concurso público e comecei a trabalhar na Câmara Municipal. Há, inclusive, uma foto histórica, que vou apresentar no próximo sábado lá na Câmara, onde darei uma palestra, que mostra o pessoal da datilografia e o Jânio Quadros ao fundo tomando conta da turma. Quando eu entrei na Câmara, eu percebi que lá era um ambiente onde eu poderia estudar, porque sabe como é repartição pública. Terminei o ginásio no Colégio Roosevelt, e, quando terminei, prestei vestibular, mas só para saber como era. No segundo vestibular, estudei e entrei na Escola Paulista de Medicina. Só que a Escola Paulista de Medicina era paga, era particular. Veja meu atrevimento. Pensei, e agora? Mas, Deus sempre me protegeu e naquele ano consegui uma bolsa de estudos na própria prefeitura. No segundo ano a faculdade foi federalizada. Correu tudo bem e me formei. Antes de me formar contraí matrimônio com essa minha companheira (aponta para sua esposa, Dona Ivette), há 57 anos, e ela me ajudou a tocar o barco, mesmo porque, você sabe, mulher de médico é muito sacrificada.

Quando eu me formei tinha seis empregos, trabalhava dia e noite para sustentar a família com seis filhos. Para cada filho era um emprego. E ela tocava o bonde. E fomos indo. Na Câmara fiquei 41 anos, entrei como datilógrafo e me aposentei como Diretor de Departamento, o mais alto cargo que existe no funcionalismo municipal e eu cheguei lá por muita persistência, cheguei lá aonde eu queria chegar.

Como você viveu o processo de aposentadoria?
Bem, em repartição pública você não pode se aposentar e continuar no cargo. Por quê? Porque você vai prejudicar aqueles que tentam subir e você fica ocupando lugar sem motivo nenhum. Você pode se aposentar com direitos integrais e eu me aposentei com 61 anos. Vim para casa com aqueles planos todos, “ô beleza, estou aposentado, vou fazer o que quiser, vou viajar”, e toda aquela papagaiada. Mas, depois de um mês entrei numa depressão desgraçada. Levei uns três anos nessa brincadeira, não queria nada, desanimado, não queria nada na minha vida, ficou uma coisa chata.

O que eu fiz? Tudo que acontece em nossa vida, isso é uma opinião minha, tudo que acontece não é azar e nem sorte, é uma coisa que tem um significado, mesmo que você não perceba na hora. Quando eu fui um dia lá no SESC, aconteceu uma mudança. Fui lá para pegar uma coisa e saí com outra. Então, tudo tem um fundamento, tudo que a gente faz.

Como foi o seu encontro no SESC?

Fui à biblioteca do SESC Paulista buscar um livro que eu queria, porque estava começando a ler sobre a questão do idoso e, de repente, eu cruzei com o José Carlos Ferrigno da Gerência de Estudos e Programas da Terceira Idade. Ele perguntou o que eu fazia, eu falei que trabalhava com grupos de idosos, ele, então, convidou-me a escrever um artigo para a Revista A Terceira Idade. Fiz e o artigo foi publicado. A partir daí, o SESC e eu vivemos uma simbiose, fui várias vezes convidado a participar de seminários e palestras.

Como teve início seu trabalho em favor dos idosos?

Veja como são as coincidências: minha filha, que trabalha no Posto Municipal da Previdência Social, tinha feito um curso para cultivo de orquídeas e as pessoas que fazem esses cursos são idosas, muitos são aposentados, são japoneses, orientais de modo geral. Eles adoram essas coisas. Perguntaram a ela: “você poderia arrumar um médico para vir fazer uma palestra e falar sobre saúde para nós?”

Ela veio aqui em casa e me falou, “você não quer ir lá?” Bom, para falar um pouco sobre saúde eu sei, se bem que médico, atualmente, sabe muito mais sobre medicina curativa do que de preventiva, isso é uma vergonha, mas é o que existe. Até queria escrever um livro para falar sobre isso, denunciar isso. Então, fui lá falar alguma coisa sobre saúde, sobre alimentação, sedentarismo, dei assim uma linha geral, e eles falaram: “olha, doutor, o senhor falou tanta coisa, mas a gente gostaria que fosse feito cada assunto de uma vez para a gente poder perguntar, entender melhor”. Montei um ciclo de palestras e comecei a falar diversos assuntos e surgiu alguém de um bairro aqui próximo e pediu para eu ir lá falar e eu fui. Daí começou a chover pedido e cheguei a assessorar 22 grupos.

Esse ciclo foi a primeira coisa que eu fiz: “Envelhecer com saúde, viva mais e melhor”. Isso foi em 92, 93, por aí. E fui indo. Sabe o que eu fazia? Eu não dava palestras, eu provocava debates, porque você tem que interagir com o público para eles tirarem as dúvidas deles. A coisa foi evoluindo e aí, comecei a ouvir alguns relatos sobre a turma de idosos da Zona Leste e todo mundo falava que eles eram lutadores, que eles se uniam, que conseguiam tudo que queriam e que nós, das outras regiões, éramos idosos mortos, não conseguíamos nada. Eu pensei, se é assim, vou conhecer esses caras.

Aí, então, se deu o seu contato com o Padre Ticão?

Realmente; entrei em contato com o Padre Ticão. Esse cara é uma bandeira. Outro dia desse me mandou um impresso contando as atividades dele, você não acredita, montou uma escola de cidadania na Zona Leste. O cara é fora de série. Ele está no movimento de saúde da zona leste, movimento de moradia da zona leste, movimento para o fim das enchentes, movimento para a saúde dos deficientes, movimento de cultura para a zona leste, idosos da zona leste, o cara é uma coisa viu. Conversamos muito, falei para ele para a gente fazer um movimento para unir os idosos, a união que faz a força. Pensei: já que não sabemos nada e eles é que sabem o mapa da mina, vamos ver o que dá, e realmente, ele achou a ideia boa e formamos o Movimento Idosos Solidários.

Esse movimento, além de unir os idosos, tem como objetivo lutar pelos direitos dos idosos, porque, infelizmente, tem tantas leis protegendo, tem o Estatuto do Idoso e, no entanto, fica tudo no papel. A maioria da sociedade finge que conhece, ignora, finge que sabe e vamos levando.

Como o Movimento Idosos Solidários foi construído?

Fizemos um programa e a estratégia do Padre Ticão foi muito interessante. Primeiro, nós conseguimos, em cada região da cidade, um coordenador, que já conhecia a região e todos os grupos. Esse coordenador ia aos grupos e perguntava quais os problemas dos grupos, se era saúde, se era transporte, se era alguma outra coisa qualquer. Eles traziam essas reivindicações, a gente ouvia tudo aquilo, depois via quais as principais questões, reunia para discutir, elaborava uma pauta e depois partia para a ação. A ação era muito importante.

Como eram essas ações?

Por exemplo, a maioria das queixas, acho que ainda continua assim, a maioria das queixas era sobre saúde: idoso mal atendido, exames marcados com muita dificuldade, espera de seis meses na fila, tudo muito desagradável. Uma vez, no tempo da Marta Suplicy como prefeita, fomos ao Secretário de Saúde falar com ele dessas dificuldades, por exemplo: exame tem cota, se esgotou a cota... Falei para ele, “escuta uma coisa, se uma mulher tem um Papanicolau grau quatro e tem que fazer uma cirurgia urgente, o que vamos fazer? Não faz? E se sua mãe, sua irmã estivessem nessa situação?” A gente fica indignado com isso. Eu nunca precisei do SUS, graças a Deus.

Na Secretaria da Saúde, a gente tinha um bom diálogo com o pessoal da área técnica do atendimento ao idoso. A gente nunca procurou o secretário que era o Pedro Pasquale. Recebiam a gente bem e o que a gente fazia? Antes de ir lá, a gente preparava um abaixo-assinado, com todas reivindicações dos idosos, em duas vias, ia lá, mostrava, eles assinavam o protocolo dizendo que receberam e já marcava a data do retorno, para não ficar no blá blá blá! A gente conseguiu muitas coisas, melhoria nas UBS, uma situação melhor.

Na Educação, também, nós pedimos ao secretário da Educação, que eu não lembro quem era, a inclusão nas escolas de uma matéria que falasse sobre o respeito aos idosos, não sei se isso hoje está sendo feito, mas a gente pleiteou, a tentativa foi válida.

E a luta continua?

Sim! Vamos fazer o planejamento para o ano que vem, tudo que a gente não conseguiu, vamos colocar no papel e pleitear de novo. pensei que ele fosse massificar os cursos de cuidadores de idosos, o que é outra coisa que precisa ser feita, mas nada disso aconteceu. Bom, depois do Mario Covas, o que é que teve? Fundamos o movimento, e a gente teve muita decepção do outro lado.

Cadê o “Disk Idoso”? Porque eles fazem o seguinte, tanto autoridades federais, estaduais como municipais quando lançam qualquer programa é aquela festa, tem de tudo do bom e do melhor, sai em todas as televisões e todo mundo fica animado, depois abre
a gaveta, joga lá o projeto num canto.

E os projetos não saem do papel...

Não sei se você sabe, o Ministério da Saúde lançou um programa há seis anos atrás, chamado “Internação Domiciliar”. Qual o objetivo da internação domiciliar? Primeiro, evitar que o idoso fragilizado ocupe um leito que é mais necessário para uma pessoa que tem uma doença mais grave, segundo, estando em casa, a família fica mais despreocupada e é bom para o próprio idoso... E em casa não pega infecção hospitalar. Além disso, é uma economia danada para o estado. Nos Estados Unidos, que foi o primeiro país a instalar o “home care”, eles fizeram uma estatística: com o “home care”, a internação de idosos nos hospitais caiu mais de 50%. Aqui, ficam falando em aumentar a verba da saúde, o que precisa é gerir direito os recursos que têm, mas ninguém quer saber de nada. Tem a ideia do cartão magnético. Por que é importante o cartão magnético? Porque o idoso, tem uma história para contar de doenças que já teve, que remédios está tomando. O idoso precisa de um atendimento especial. Só que o médico do posto não tem tempo para fazer isso. Vai perder 15 minutos para ficar com o idoso? Não, ele tem que atender rápido, porque ele tem quatro horas, mas ele liquida tudo em duas horas e vai embora. Aliás, o posto de saúde devia ter o nome de todos os médicos e o horário deles. Isso é uma vergonha também.

No posto de saúde também deveria ter o ombudsman para ficar observando. Quando você vai numa firma particular é diferente. Uma vez estava escrito assim: “Senhor cliente, o senhor é personagem principal da nossa vida. Sem você não existiríamos, portanto, trataremos você com todo carinho”. Agora, funcionário público... aí que está o problema. Veja, o cartão magnético é assim, você vai em qualquer médico, bota o cartão magnético lá, o médico está vendo toda sua ficha, os remédios que você está tomando, os diagnósticos, eu também já passei por isso.

Eu tive uma labiritinte muito forte, tomei um remédio, tive também um problema do coração, tomei remédio vasodilatador, para pressão, tomo remédio para colesterol, só para depressão tomo três, então, eu tomo oito remédios por dia. Eu estava lendo outro dia, que esses remédios interagem. Um remédio, às vezes, prejudica mais do que os outros, atrapalha, potencializa o outro, então, o cartão magnético resolve tudo isso aí. O médico vê o perfil do idoso, sabe se ele é hipertenso, diabético, e também tem uma coisa, o cara vai ao médico, e ele diz: “o senhor está com diabete”. Tudo bem, o senhor está com diabete, está com açúcar no sangue, não pode comer mais nada que tem açúcar e até logo. E daí? O idoso que tem uma doença crônica, ele não passa de seis meses tomando um remédio. Ele começa a tomar, depois diz, ah, não tenho nada, aquele médico é um louco, e por quê? Porque ele não tem nenhuma informação sobre diabete, quais as consequências, e quais as medidas que ele deve tomar. Além da alimentação, ele tem que fazer exercício, ele pode ter que amputar um membro pode perder o rim, então, o cara sabendo tudo isso...espera aí. Tem um posto aqui perto, o que eu fazia? Levava todas esses folhetos (mostra-nos o material) para lá, para os médicos distribuírem para os pacientes. É uma coisa que devia ser obrigatório.

E distribuíam os folhetos que você enviava?

Sim, eu conhecia a enfermeira. E lá tem outro problema, no SUS, porque você sabe que a gente fica idosa e com muito senso crítico. Como é que um idoso pode ficar na mesma sala de espera em que tem um cara tossindo, um outro com hepatite, e o idoso lá. Ele vai procurar uma coisa e sai com outra. Devia ter uma sala especial para idoso e outra para criança. Além das idas à secretaria a gente fazia, uma vez por ano, caravana ao Governo do Estado, lá no Memorial da América Latina onde a gente reunia milhares de idosos de toda São Paulo. A gente ia ao prédio da prefeitura, lá do Viaduto do Chá, fazer reunião com o prefeito. Uma vez aconteceu coisa pior. Era uma manhã muito fria. Os idosos lá fora, nós entramos num pátio, e aquele prédio é muito bonito, foi feito pelo Matarazzo quando nadava em dinheiro, então, é mármore italiano para todo lado, coisa impressionante, um pátio enorme.

A gente esperando até que o guarda municipal chegou e falou: “sinto muito, mas ele está muito ocupado”. Então, em matéria de prefeitura nós estamos muito mal servidos.

Em Curitiba, nós fizemos a primeira caminhada, que nesse ano continua, recebi agora nesses dias, notícia sobre a terceira marcha dos idosos. Nós temos uma relação muito boa com eles, e agora eles vão mostrar o plano de saúde para idosos. O Estado do Paraná é o que tem melhor assistência ao idoso. Ele tem hospital do idoso, tem assistência domiciliar, uma porção de coisas. Agora, eles vão me mandar um relatório sobre o trabalho com idosos no Paraná.

Oscar conte-nos sobre como surgiu o vídeo “Cuidando do Idoso em Casa”.

O idealizador do vídeo foi o Tião. O Tião era um negão muito dedicado lá da Vila Remo, periferia de Santo Amaro. Eu ia lá às vezes. Fui lá no dia das avós e o Tião me falou: “Dr. Oscar, o senhor não quer nos fazer um favor? Nós somos da pastoral dos idosos, e nós visitamos os doentes, mas nós não sabemos nada sobre como cuidar deles, o senhor não podia vir aqui dar uma palestra?” Eu falei: “Olha Tião, infelizmente, eu sou médico, não entendo nada disso, isso é coisa de enfermeiro e de auxiliar de enfermagem. O médico examina o doente, dá o remédio e vai embora. Quem cuida do doente é o enfermeiro e o auxiliar de enfermagem, mas esse é outro desafio e vou ver o que posso fazer”. Procurei o pessoal do Hospital das Clínicas, dos hospitais particulares e nada. Daí liguei para o Hospital Universitário e o cara com quem eu falei quis conversar pessoalmente.

Eu fui. Ele me mostrou um folheto que eles tinham, era um folheto de orientação, era muito bem feito. Mas, disse a ele se não seria melhor fazer um vídeo para mostrar isso tudo, porque o pessoal da periferia vai ler isso e não vai entender e se tiver um vídeo fica muito mais fácil. Ele me disse; “Olha, você deu uma boa ideia, só que não tenho recursos”. Então, perguntei e se eu arrumar um patrocinador?”. “Bom, ele respondeu, se você arrumar um patrocinador, nós fazemos tudo, o roteiro, as filmagens, tudo”. Daí consegui o patrocínio de um laboratório e partimos para a filmagem. Demorou um ano para fazer. Porque você não faz um filme de uma hora para outra.

Primeiro, você tem que ter um roteiro, depois os capítulos, os diálogos. Estava quase no fim, aí eu vi que eles fizeram uma cena numa casa em que era todo mundo loiro. Eu disse, “isso não é assim, o Brasil não é de loiros, porque não colocam pessoas de aparência comum?”. A primeira versão foi em videocassete e, logo de cara, entregamos 800 fitas para o Programa de Saúde da Família da Prefeitura de São Paulo. Depois, quando saiu o DVD foi mais fácil, porque para mandar para fora um vídeo era muito grande, cobra muito caro, tem que fazer por sedex, senão danifica. Por exemplo, o Ministério da Saúde, levou 2500 DVDs, para distribuir junto com o Guia Prático do Cuidador, que é muito bonito, mas com o vídeo ficou uma beleza. Hoje este vídeo está na internet e pode ser copiado, dublado, legendado e traduzido para outros idiomas. Basta acessar o site: www.idosossolidarios.com.br.

No SESC teve também um seminário sobre Velhice Fragilizada e eu fiz uma pesquisa pelo Brasil todo, para saber onde eram esses lugares em que tinha assistência domiciliar e encontrei, era Biritiba Mirim. Esse pessoal foi ao Seminário do SESC e eu me apoderei dessa metodologia, aquilo foi feito por um cara profissional.

Foram surgindo outras experiências de atendimento domiciliar?

Sim. Juntei também as experiências de São José dos Campos. Quando a gente mandava o vídeo, mandava esses programas também. Foi para o Rio Grande do Sul, Paraná, mandamos até para Rondônia, para uma cidade chamada Ji-Paraná. Eles instalaram serviços de assistência domiciliar baseado nisso. Agora, Rio Claro e Rio Preto já estão como cidades amigas do idoso. Eles têm, em Rio Preto, inclusive, um controle sobre as instituições de longa permanência, que é incrível.

Explicam todas as possibilidades: se o idoso passa mal, o que faz, se o idoso precisa de hospital, tudo, tudo, bem explicadinho. Rio Claro também está nessa condição. Aqui em São Paulo, a subprefeitura da Mooca está dentro de um parque, o Parque da Mooca. Eles têm muitos idosos. É um lugar amplo, calçadas boas, tem sombra, sanitários, água. Um dia os idosos se reuniram e falaram, aqui está muito bom, mas pode melhorar. E fizeram reuniões, descobriram o que queriam e foram falar com o administrador e ele topou, porque não eram medidas de grande impacto financeiro, fizeram o negócio. E aí a Mooca virou um “bairro amigo do idoso” dentro da proposta da Organização das Nações Unidas.

O vídeo foi para o Exterior?

Sim. Foi para Portugal, para a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Foi para a Argentina também assim como para Açores. Então, eu penso, que se eu não fiz nada na vida, só esse vídeo me dá uma satisfação fantástica. Porque ele atinge a ponta da ferida, que é o idoso ficar em casa abandonado. Mesmo quando a família quer tratar, não sabe como. Ninguém está preparado. É verdade, o cara não sabe o que fazer fica para cima e pra baixo. Ninguém sabe, nem a prefeitura e nem ninguém. E são quase duas mil entidades que receberam o vídeo e agora vão me mandar mais três mil. Agora sob uma perspectiva muito melhor, nós estamos adiantados com providências para abolir esse negócio de direitos autorais, primeiro, porque é uma coisa de utilidade pública, segundo, porque a gente acha que assim pode dublar, pode legendar, pode ir para qualquer país. E daí nós vamos colocar na Internet. Eu já tenho uma nova edição do vídeo.

E o site do Movimento Idosos Solidários, qual sua proposta, quais os resultados, quem o administra?

Com relação ao site, ele começou com aqueles ciclos de palestras sobre qualidade de vida que eu coloquei na Internet. Depois, encontrei outras coisas e fui fazendo, fazendo e agora tem 148 artigos sobre tudo que você possa imaginar. Não é só sobre doença.

Tem sobre aposentadoria, sobre memória, não são todos da minha autoria. Eu pego artigos científicos, e traduzo isso em linguagem popular. O Victor Matsudo é um cobra, ele fez uma experiência em Sorocaba que foi maravilhosa e eu tenho artigo no site que fala sobre isso. Ele entrou em contato com a prefeitura de Sorocaba e a prefeitura se comprometeu a fazer uma adaptação das calçadas para que os idosos pudessem caminhar. Aí organizaram idosos da unidade de saúde que tinham diabete, depressão, para caminhadas cinco vezes por semana.

Depois de cinco anos, Victor Matsudo fez uma pesquisa com aquele grupo e com um grupo padrão de outra unidade e verificou que as internações hospitalares tinham caído 50%. Esse governo é cego. Veja bem, são coisas tão fáceis de entender. Mas sabe o que é? O pessoal que está lá em cima não tem contato com a base. A gente, que está no movimento, vê isso.

Esse meu site tem 150 mil acessos de países diferentes. Agora já está em inglês e português. Eu percebi que tem gente que nem é de língua portuguesa, Estados Unidos, paises da Europa. A falta de fotos no site é por falta de eficiência, eu ainda estou aprendendo a mexer no power point para poder colocar imagem. O site me ocupa muito tempo. É preciso muito tempo, o problema é esse.

Como você organiza seu tempo? Como é seu dia a dia?

De manhã eu só fico fazendo pesquisa na Internet. Vou atrás de tudo que sai sobre o idoso. E isso leva tempo, se acho que vale a pena, salvo e daí vou traduzir para uma linguagem mais simples, colocar no site e, por vezes, faço a tradução. Tudo isso leva tempo, mas eu faço, porque eu gosto. Ser voluntário, para mim, é a razão da minha vida, não tem coisa melhor.

O que você acha do trabalho voluntário no Brasil de modo geral?

É a “terceira força”, como é chamada. A gente se surpreende, eu mesmo tinha uma impressão e depois cheguei a outra conclusão. Eu fui professor durante sete anos da Universidade Aberta da Terceira Idade da Vila Clementino, e perguntava muito para as alunas sobre trabalho voluntário e me surpreendi com o grande número de pessoas que fazem esse trabalho. Ninguém escreve na testa: “sou voluntário”.

Aqui no hospital (Oscar se refere ao Hospital Darcy Vargas em frente à sua casa), tem um trabalho voluntário formidável, porque geralmente hospital não dá remédio, e se não há, o que o pobre pode fazer? Ele vai continuar do mesmo jeito. Neste hospital, há uma farmácia, eles fazem o visto na receita, a farmácia dá o remédio e no final do mês eles pagam. Tem coisas aqui que você não acredita, tem o “grupo da asma”, tem o “grupo da síndrome de Down”, tem o “grupo de diabetes”, e tudo isso daí, tem especialista que vem dar palestra, eles participam. Chega aí no hospital, caminhão com cesta básica, perguntam para o motorista, quem mandou? “Não posso falar, é anonimamente”. É uma coisa fora de série.

Você trabalha nesse hospital, não é?

Sim, Eu trabalhei aí, me aposentei aí. Vida de médico é muito sacrificada, eu trabalhava dia e noite. O hospital é muito organizado, tem hemodiálise, tem a parte do câncer e as voluntárias, tem coisa que você fica sabendo e você não acredita. Você pensa que está fazendo uma grande coisa, mas está fazendo uma porcaria. Elas alugaram umas casas aqui para fazer o que? Fizeram uma cozinha experimental para as mães aprenderem a cozinhar, especialmente quando tem alguma doença como diabete, explicando tudo para as mães, o que devem fazer de alimentação.

Além disso, vão montar uma escola para síndrome de Down, com professores especializados que vão fazer esse trabalho de graça. Para esse povo sofrido tem que trazer essas coisas. Nada como você ver o sofrimento dos outros para dizer, não tenho o direito de reclamar. Outro dia encontrei uma senhora, com quatro filhos, o marido a largou sozinha, ela não podia trabalhar porque elas ficariam sozinhas, então alguém falou para ela: “Você quer uma cesta básica?” A mulher quase caiu no chão, “cesta básica!?” Estava passando fome.

“A cesta básica é... melhor a senhora levar uma parte agora e uma parte amanhã”. Saiu levando uma sacolona e quatro filhos. Ela tinha que tomar duas conduções. É uma solidariedade bacana, você não acredita.

Ainda há muita gente boa?

Sem dúvida. Nessas favelas por aí, você sabe que quando há problemas de saúde, até os traficantes arrumam condução, não estou dizendo que eles são anjos, mas, de qualquer maneira, eles fazem esse trabalho. Quando eu faço palestras, eu digo que sou gerontólogo, formado pela universidade da periferia. Os meus professores são os idosos de onde eu frequento. Agora vou contar uma coisa que eu tinha esquecido, nós fizemos uma parceira com o Hospital das Clínicas, que tem a “Operação Reouvir e Despertar”. O que eles fazem? Eles vão à periferia, nesses centros que tem muito idoso, e fazem uma espécie de triagem. São convocados os idosos que têm algum problema de audição, isso é muito comum. Examinam, e o que acontece? Aqueles que foram detectados com algum tipo de surdez, eles encaminham para ao Hospital das Clínicas e fornecem o aparelho auditivo de graça.

Eles fornecem e acompanham, ajustam, eles fazem isso. Trabalho muito bem feito. Conheci a Marisa Accioly que é professora da USP Leste e, agora, vou sempre à USP para dar palestras, o Padre Ticão também ia e uma das vezes o padre Ticão inventou de dar um curso sobre cuidadores de idosos. Eu falei, Ticão, vamos deixar o pessoal da USP fazer esse curso, porque tinha dupla finalidade, primeira formar mão de obra especializada, segundo, dar um emprego melhor para aquelas senhoras que eram domésticas e dar melhor assistência para esses idosos acamados. Fizeram um curso extracurricular, foi muito bom, muito produtivo e fizeram depois outros cursos.

Como você está vendo as políticas sociais no Brasil, como está vendo esse momento atual? Você é uma pessoa otimista nesse aspecto?

Não sei, às vezes, eu tenho medo de falar sobre isso porque eu não estou no “metier”, mas eu acho que estão dando “peixe sem ensinar a pescar”. Tem alguns lugares que fazem capacitação de mão de obra. Isso é importante. Tem mais de cem mil vagas de empregos para mão de obra capacitada.

Em relação ao trabalho voluntário, mas não só, em termos de vida social de modo mais amplo, os homens, quando envelhecem participam menos. Por que isso acontece? O que precisaria ser feito para juntar mais homens da terceira idade para um engajamento maior?

Eu sempre faço essa piada, dizendo que as mulheres judiam tanto dos maridos que eles morrem de desgosto. Mas não é isso, tem uma explicação científica para isso, as mulheres tem mais relações, conhecem os vizinhos, os parentes, vai visitar um, vai visitar o outro, e tem mais, ela cuida bem da própria saúde. O homem é relaxado. É machão, não vai fazer exame de próstata, ele tem relação só com o emprego. Quando fica em casa aposentado, perde toda relação social. Quando vê que nos grupos de idosos não tem homens, tem um só, no máximo dois, e quem está tocando todas essas obras para idosos são as assistentes sociais, são todas mulheres. É impressionante. O homem não está acostumado com isso.

Na sua opinião, quem envelhece com menos dificuldade, o homem ou a mulher?

A mulher. Quem é aposentado perde tudo. Um filósofo alemão diz que o homem tem necessidade de ser útil. Quando ele perde essa utilidade, ele perde completamente o eixo. A mulher, mesmo aposentada, gere o lar, ela coordena as compras, então, ela tem utilidade. E o homem? Quando sai de casa vai andar, toma uma pinguinha, ou fica sentado na praça feito um bobo. Tem mais um fator: eles viveram uma época de ditadura, sem direitos, e eles se acostumaram com esse sistema. O homem tem muito menos iniciativa do que a mulher.

Dizem: “Uma coisa é falar do envelhecimento do outro, outra coisa é encarar o nosso próprio envelhecimento”. Como você está vivendo o seu?

O negócio é o seguinte, já passei por grandes problemas de saúde. Fiz 12 cirurgias, um tumor no pâncreas, em que a sobrevida quase sempre é de dois anos e eu sobrevivi. Nos olhos, só ultimamente fiz quatro cirurgias, e assim mesmo não enxergo nada com a vista esquerda, mas tudo isso, para mim, são acidentes de percurso, porque o que eu quero é isso daqui: a cabeça funcionando.

Estou me recuperando bem. Agora, já estou pensando nas atividades de novo. Tenho o fisioterapeuta que me ajuda, então, eu amo a vida, amo a minha família e quero viver. Vou em frente, todo dia faço uma caminhada. Eu corria a maratona antigamente. Uma vez corri no Rio, fui sétimo lugar na minha idade. Tudo isso, desde que vim para São Paulo e comecei a lutar e enfrentar desafios, a gente aprende. A maioria das pessoas não aprende a lidar com as coisas tristes. Por exemplo, na morte de um ente querido, é lógico que é uma perda insuperável no momento, mas você tem que reagir, a vida continua, não é verdade? Uma doença grave é a mesma coisa. Eu sou um lutador, entendeu? Aliás, não sou um lutador, sou um revoltado com o mundo atual, eu sou uma espécie de louco, um sonhador. A gente sonha, e nesse sonho a gente procura alento.

Você é religioso?

Fui educado em colégio de padre, tinha missa todo dia, tinha a benção de maio, e eu saí de lá odiando tudo, mas o tempo muda tudo. Aí, aconteceu uma coisa, fui fazer “cursilho” e percebi o quanto eu estava errado, aprendi a estudar as coisas, ter espiritualidade e a partir para a ação. No mundo, você tem que atuar. Foi aí que eu vim para a paróquia e começamos a fazer um monte de coisas. Minha esposa fazia curso de mães, eu fazia curso de noivos, depois a gente fazia encontros de jovens, fizemos seis encontros, inclusive tinha uma escola de dirigente de jovens, no sábado à tarde, ficava assim de gente.

Até ontem, minha esposa e eu, a gente estava mexendo nas fotografias, você vê aquele pessoal, que entusiasmo! A missa dos jovens, às onze horas, era uma coisa fantástica, cantada, participativa, alegre. O pouquinho que eu fiz, acho que deu para melhorar o mundo e é isso me dá tranquilidade.

Você acha que as futuras gerações, quando velhas, serão mais felizes, terão vida mais satisfatória do que hoje?

Eu acho que sim porque o envelhecimento da população mundial, para o Brasil, é uma novidade, não estamos aparelhados para isso. As coisas, para melhorar a vida dos idosos, estão avançando. Eu tenho aí um artigo que fala do envelhecimento, da longevidade, e que cita um autor, Maslow, que fala que você, quando tem satisfeitas todas suas condições de vida, você sai para a sua comunidade e começa a se dedicar aos outros, você vive uma experiência culminante. O que é uma experiência culminante? É aquela em que lhe traz uma profunda paz, uma tranquilidade.

Estamos chegando ao final dessa entrevista, que mensagem você poderia dar para as novas gerações? A gente sabe que muitos leitores da revista são profissionais que trabalham com idosos e que são jovens, que mensagem você pode deixar para eles em relação à maneira como eles podem envelhecer, que tipo de atitude deveriam ter, como encara a vida?

Hoje em dia sabemos que começamos a envelhecer quando o óvulo é fertilizado no útero, aí já começamos a envelhecer. A partir dos 40 anos começamos a encurvar, até os sessenta aumenta e aos oitenta então, vai direto. No fim, dizem que a pessoa morreu de velhice, não morreu de velhice, morreu de falência total dos órgãos. Para uma pessoa jovem entender esse problema é muito difícil. Apesar de muitos jovens já terem vivido essa problemática com suas mães, não é verdade? Tem que haver uma mudança de mentalidade. Eu tenho a impressão que isso vai demorar um pouco ainda. Quando um jovem se engaja nesse tipo de trabalho com idoso ele aprende muito. Agora, que é difícil é. Dizem que o médico parteiro não entende nada. Por quê? Porque ele nunca deu a luz!