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Perfil neuropsicológico de idosas com sintomas depressivos

JUCICLARA RINALDI
GIGIANE GINDRI
IRANI IRACEMA DE LIMA ARGIMON
ROCHELE PAZ FONSECA

Introdução

Contextualizada na área de neuropsicologia do desenvolvimento/envelhecimento, esta pesquisa tem por objetivo apresentar um estudo exploratório de caracterização do desempenho neuropsicológico de adultos idosos com sintomas sugestivos de depressão. Nesse contexto, será promovida uma análise da ocorrência de déficits em tarefas neuropsicológicas que avaliam orientação temporo-espacial, atenção, percepção, memória, calculias, linguagem, praxias e funções executivas na referida população.

O crescimento da faixa populacional de idosos, em números absolutos e relativos, é um fenômeno mundial (VERAS, 2009). Entre 1970 e 2025 o número de idosos aumentará em torno de 223%. Segundo as projeções estatísticas, em 2050 a população idosa será de dois bilhões de pessoas acima de 60 anos. Uma das explicações é o aumento, verificado desde 1950, de 19 anos na esperança de vida ao nascer. Os números mostram que, atualmente, uma em cada dez pessoas tem 60 anos de idade ou mais e, para 2050, estima-se que a relação será de uma para cinco em todo o mundo, e de uma para três nos países desenvolvidos (WHO, 2005).

Particularmente no Brasil, em 2002, 14,1% da população do país apresentava idade acima de 60 anos, com projeção para 2025 de aumentar para 33,4% (WHO, 2005). As consequências do crescente número de idosos implicam aumento das demandas sociais, passando a representar um grande desafio político, social e econômico (VERAS, 2009; WONG e CARVALHO, 2006).

Neste âmbito, o aumento da demanda de atendimento ao idoso requer que os serviços de saúde mental se preparem para suprir o consequente aumento da procura pelos serviços médicos e clínicos multidisciplinares, perante os quadros característicos da terceira idade. Fazem-se necessárias alternativas, tais como atendimento ambulatorial, domiciliar, hospitalar e hospital-dia (LINHARES et al., 2003).

A depressão não faz parte do envelhecimento, mas é um dos quadros que têm tido importante aumento entre idosos, tornando-se um problema de saúde (ZIVIN et al., 2010). Os autores observaram que os sintomas depressivos podem ser associados com as características sociodemográficas, as condições de saúde e os comportamentos de saúde da população, bem como com prejuízos cognitivos.

O envelhecimento apresenta-se de várias formas, como a possibilidade de um envelhecer sem prejuízos significativos de saúde – envelhecimento saudável. Na chamada terceira idade com envelhecimento saudável ocorrem doenças físicas e/ou mentais, ou limitações funcionais objetivas ou subjetivamente aferíveis. O envelhecimento saudável pode ser acompanhado, então, por um declínio cognitivo que inclui alterações na memória e nos recursos de processamento de informações; contudo, apresenta as atividades da vida diária preservadas, além da manutenção da saúde objetiva, da saúde autorreferida e da funcionalidade no padrão dos adultos jovens (KIRSHNER, 2002).

Em contrapartida, o envelhecimento patológico caracteriza-se por neurodegeneração associada a doenças crônicas e síndromes típicas dessa fase do ciclo vital (NERI, 1993). No envelhecimento não saudável encontra-se uma frequência maior de doenças gerais como cardiovasculares, de circulação sanguínea e pressão arterial e osteoarticulares.

Os idosos com depressão apresentam maiores taxas de mortalidade que os idosos sem depressão, havendo relação com inatividade física que representa uma parte significativa do risco de doenças cardiovasculares (WIN et al., 2011). Ademais, surgem quadros neurológicos, tais como as demências e estados psicopatológicos, como a depressão. Nesse aspecto os
sintomas neurológicos e psiquiátricos são frequentes na populaçãode idosos, caracteristicamente acompanhados por algum grau de prejuízos iniciais na função de memória (MINETT et al., 2008; THOMAS e O’BRIEN, 2008).

No que concerne ao quadro psicopatológico de depressão, os idosos que buscam atendimento, normalmente, apresentam sintomas depressivos em níveis leves ou moderados, juntamente com sintomas de ansiedade.

A depressão pode ser classificada como um transtorno do humor, em que é possível verificar sintomas como a apatia, a diminuição na comunicação, a falta de cuidados básicos e de perspectivas para o futuro, entre outros critérios (DSM/IV-TR, 2003). Estima-se que a depressão em pessoas com mais de 65 anos atinja uma taxa entre 2% e 5%. No entanto, ainda há controvérsias sobre esses números (XAVIER et al., 2001).As modificações cognitivas que podem fazer parte do quadro depressivo em idosos vão além da dificuldade de memória (ÁVILA e BOTTINO, 2006), embora esta seja uma das queixas cognitivas de maior prevalência (DALGALARRONDA, 2000; REYS et al., 2006). Destacam-se, assim, dentre os déficits cognitivos que podem fazer parte desse quadro na população mencionada, redução das habilidades de atenção e memória, além de lentificação do pensamento (XAVIER, 2006; MARAZZITI et al., 2010; REPPERMUND et al., 2008).

Embora seja frequente na literatura a associação entre déficits cognitivos e a ocorrência de depressão, não se tem, ainda, um perfil sistematicamente definido sobre o processamento neuropsicológico em idosos com sinais sugestivos de depressão. Ante esta lacuna, torna-se importante promover estudos de grupos para delinear quais funções cognitivas se apresentam preservadas ou prejudicadas frequentemente em indivíduos idosos com sintomas de depressão. Em busca de respostas preliminares para a questão “Qual a frequência de déficits neuropsicológicos em uma amostra de adultos idosos com sintomas de depressão?”, apresentar-se-á um estudo exploratório da ocorrência de funções cognitivas deficitárias para verificar se a hipótese de déficits nas funções de atenção e no componente executivo da memória de trabalho é encontrada na amostra estudada.

Método

Participantes

A amostra desta investigação preliminar incluiu 10 adultos idosos do sexo feminino, com idades entre 63 e 90 anos, e escolaridade entre 1 e 17 anos de estudo formal. A amostragem foi de conveniência, realizada no Serviço de Atendimento e Pesquisa em Psicologia (SAPP) da PUC-RS, em Porto Alegre/RS. Entre os critérios de inclusão, foram selecionados idosos com idade mínima de 60 anos, com escore na Escala de Depressão Geriátrica – GDS-15 (ALMEIDA e ALMEIDA, 1999) indicativo de sintomas depressivos, ou seja, igual ou superior a cinco pontos, com ausência de diagnóstico de transtornos de Eixo II conforme DSM-IV/TR (por meio de entrevista estruturada), bem como de problemas auditivos e visuais não corrigidos autorrelatados, e de sinais sugestivos de demência (avaliados pelo Miniexame do Estado Mental – MEEM; CHAVES e IZQUIERDO, 1992).

Instrumentos

Após preencher os critérios de inclusão, os pacientes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme os aspectos éticos sobre pesquisas com seres humanos, de acordo com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Um questionário sociodemográfico foi aplicado para investigar questões referentes à renda, aos hábitos culturais e aos aspectos de saúde geral, auxiliando na caracterização da amostra.

Os instrumentos de caracterização da amostra e verificação de critérios de inclusão foram os que seguem:
(1) Miniexame do Estado Mental – MEEM (FOLSTEIN, FOLSTEIN e McHUGH, 1975, adaptado para a população de Porto Alegre/RS por CHAVES e IZQUIERDO, 1992): é um teste de 30 pontos que avalia orientação, memória imediata e de evocação, concentração, cálculo, linguagem e domínio espacial. Os participantes que alcançaram valores iguais ou acima do ponto de corte (de 0-4 anos de estudo, 17 pontos, de 5 a mais anos, 24 pontos) foram considerados com desempenho adequado para a idade e incluídos no estudo.
(2) Escala de Depressão Geriátrica – versão reduzida de 15 itens – GDS- 15 (YESAVAGE et al., 1983, adaptada para o Brasil por ALMEIDA e ALMEIDA, 1999): é amplamente utilizada como instrumento de avaliação de sintomas depressivos em pacientes idosos. É composta de 15 perguntas negativas e afirmativas em que o resultado de 5 ou mais pontos sugere sintomas depressivos. Para classificação dos níveis de depressão, utilizaram-se os seguintes pontos de corte: 5-7 pontos, sintomas depressivos leves; 8-10 pontos, moderados; e 11-15 pontos, graves.

Os instrumentos de exame do desempenho cognitivo dos pacientes foram os seguintes:
(1) Questionário de Queixas de Memória – MAC-Q (CROOK, FEHER e LARRABEE, 1992): é constituído por seis perguntas que visam a avaliar queixas de memória relacionadas a cinco situações do cotidiano, com uma pergunta direcionada ao desempenho mnemônico global.
É solicitado ao participante que compare o desempenho atual e aquele vivenciado aos 40 anos de idade. As respostas variam de “muito pior agora” a “muito melhor agora”, com cinco diferentes possibilidades de respostas. Uma pontuação igual ou superior a 25 pontos é considerada indicativa de disfunção subjetiva de memória.
(2) Wechsler Adult Intelligence Scale-Third Edition – WAIS-III (WECHSLER, 1997; adaptação de NASCIMENTO, 2004): é um instrumento que avalia as habilidades intelectuais verbais e de execução. Dos 14 subtestes propostos, foram utilizados para a escala verbal o subteste Vocabulário, que avalia a capacidade lexical, e o subteste Dígitos, que examina atenção e memória operacional. Para a escala de execução foram administrados o subteste Códigos, que avalia coordenação visomotora associada à atenção, e o subteste Cubos, que investiga planejamento espacial, com resolução de problemas.
(3) Fluência Verbal – Animal (ISAACS e KENNIE, 1973; BRUCKI e ROCHA, 2004). Foi solicitado que o participante falasse o nome de todos os animais de que se lembrasse durante um minuto. O escore corresponde ao número de animais lembrados nesse período. Quando são lembrados animais cuja denominação de gênero é semelhante, um deles não é pontuado. Assim, a sequência “gato, égua, peixe, boi” receberia quatro pontos, e a sequência “égua, cavalo, peixe, tubarão, baleia” também receberia quatro pontos.
(4) Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN (FONSECA, SALLES e PARENTE, 2008, 2009). Esse instrumento fornece um perfil de desempenho quanto ao processamento neuropsicológico em orientação têmporo-espacial, atenção (concentrada), percepção (visual), memória (de trabalho, verbal episódica de curto prazo, semântica de longo prazo, visual de curto prazo – reconhecimento e prospectiva), linguagem (oral e escrita), habilidades aritméticas, praxias (ideomotora, construtiva e reflexiva), funções executivas (resolução de problemas e fluência verbal fonêmica), considerando idade e escolaridade em anos. Deste ponto em diante, a Bateria de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN será denominada como NEUPSILIN.

Procedimentos

Quanto aos aspectos éticos, o projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS (parecer número 00/820).

Houve a realização de um encontro individual para triagem, objetivando avaliar os pacientes psicologicamente, e os demais encontros foram para sua avaliação cognitiva. Os participantes foram testados individualmente e os instrumentos foram aplicados em duas sessões, com duração aproximada de uma hora cada, em ambiente adequado.

Análise estatística

Os dados foram analisados descritivamente quanto à média e ao desvio-padrão. Buscaram-se dados de frequência de déficit para cada subteste neuropsicológico, caracterizando-se sua ocorrência a partir da consulta às tabelas normativas do instrumento. Para tanto, o desempenho de cada participante, em cada uma das tarefas, foi comparado com o desempenho esperado para o seu grupo de referência quanto à idade e escolaridade. As análises estatísticas foram efetuadas pelo pacote estatístico SPSS, versão 12.

Resultados

Na Tabela 1, podem ser observados os dados de caracterização sociodemográfica e clínica da amostra. Visualizam-se médias e desvios- padrão de escolaridade, idade, escore no MEEM e na GDS-15.

Em média, os participantes apresentavam nível educacional intermediário.

A intensidade dos sintomas depressivos da amostra, conforme o escore na escala GDS-15, foi indicativa de uma predominância de nível depressivo leve, entre 5 e 7 pontos (70%), sendo seguido pelo moderado, entre 8 e 10 pontos (20%), e pelo grave, entre 11 e 15 pontos (10%).

Nas Tabelas 2, 3 e 4 são apresentados os escores brutos dos subtestes do NEUPSILIN por caso. Os desempenhos por caso nas funções de orientação, atenção, percepção, calculia, praxias e funções executivas são apresentados na Tabela 2. As funções de memória (Tabela 3) e linguagem (Tabela 4) estão apresentadas em tabelas individuais ante a maior quantidade de subtestes.

Mediante a observação da pontuação obtida por cada participante nos subtestes do NEUPSILIN, nota-se que a amostra, de um modo geral, apresentou grande quantidade de acertos nas tarefas de orientação, percepção e linguagem oral. A partir da análise comparativa entre o escore de cada caso por subteste com o ponto de corte do grupo normativo correspondente à idade e à escolaridade de cada indivíduo, observou-se que a amostra não apresentou déficit nos subtestes orientação espacial, atenção – subteste repetição de sequência de dígitos, percepção de linhas, heminegligência, percepção de faces – reconhecimento, memória verbal episódica – evocação imediata e reconhecimento, memória visual, linguagem oral – nomeação, linguagem oral automática, processamento de inferência, linguagem escrita – compreensão escrita, e praxia construtiva.

Nas demais tarefas do instrumento, foram encontrados casos com desempenho abaixo do esperado para idade e escolaridade. A frequência de déficits, em ordem decrescente, foi de 20% para as tarefas de orientação temporal, percepção de faces, memória de trabalho – ordenamento ascendente de dígitos e span auditivo de palavras em sentenças, em habilidades aritméticas, linguagem oral – compreensão oral, linguagem escrita – ditado, e de 10% em atenção – contagem inversa e tempo, memória verbal episódica – evocação tardia, memória semântica de longo prazo, memória prospectiva, linguagem oral – repetição, e praxia ideomotora e reflexiva.

Na Tabela 5 expõe-se a ocorrência de déficits nos testes MAC-Q, Fluência Verbal – categoria animais e WAIS-III (subtestes). Nos instrumentos MAC-Q e subteste Códigos do WAIS-III houve perda de dados de um e dois casos, respectivamente.

Discussão

No presente estudo, visou-se a caracterizar o desempenho inicial no processamento de oito funções cognitivas e seus subcomponentes em idosos com sinais de depressão geriátrica. Houve uma grande frequência de queixas de memória, acompanhadas em menor frequência por déficits objetivos principalmente de atenção e memória de trabalho, com alterações também em outras funções neuropsicológicas. Os déficits cognitivos, muitas vezes, podem estar associados a quadros de transtornos do humor, especialmente de depressão. Tais achados eram esperados na medida em que alterações neuropsicológicas podem ser comórbidas aos sintomas depressivos, potencializadas ou, até mesmo, secundárias a estes últimos.
Entre os quadros depressivos em que são relatadas dificuldades cognitivas, vêm destacando-se estudos sobre a depressão geriátrica (ROZENTHAL, LAKS e ENGELHARDT, 2004; THOMAS e O’BRIEN, 2008; XAVIER, 2006).

Neste contexto, a realização de um processo de avaliação neuropsicológica mostra-se útil e relevante no exame global do indivíduo idoso, permitindo aos profissionais da equipe obter informações que embasem tanto o diagnóstico etiológico do quadro em questão quanto o planejamento e a execução das medidas terapêuticas adequadas (REYS et al., 2006).

Tanto os quadros depressivos quanto as doenças cerebrais degenerativas podem afetar a cognição, especialmente o processamento mnemônico (MARAZZITI et al., 2010). Muitos estudos com pacientes deprimidos supervalorizam a avaliação da memória, desconsiderando outras habilidades cognitivas como atenção, funções executivas e velocidade de processamento da informação (ÁVILA e BOTTINO, 2006). É possível que a maior investigação da memória tenha relação com as queixas desta função. Entretanto, destaca-se que essas queixas mnemônicas merecem um olhar mais atento, pois podem estar relacionadas com prejuízos em outros aspectos cognitivos.

Mais especificamente, a amostra estudada apresentou déficits mais frequentes no subteste Dígitos do WAIS-III, seguido do questionário MAC-Q de memória e dos subtestes Vocabulário, Códigos, Cubos do WAIS-III, e, por fim, da Fluência Verbal. No NEUPSILIN, as tarefas em que os participantes apresentaram maior dificuldade foram orientação temporal, percepção de faces, memória de trabalho – ordenamento ascendente de dígitos, habilidades aritméticas, linguagem oral – compreensão, linguagem escrita – ditado.

Ao confrontarem-se os resultados da avaliação cognitiva dos dez adultos idosos com sintomas depressivos avaliados com a queixa de memória, não houve concordância total entre a queixa subjetiva de memória examinada pelo questionário MAC-Q e os déficits de memória avaliados objetivamente pelos subtestes do NEUPSILIN. Observou-se uma discrepância entre uma maior frequência de queixas mnemônicas e uma relativa baixa frequência de déficits objetivos em tarefas de memória episódica, semântica e prospectiva. No entanto, houve uma maior frequência de déficits objetivos de memória de trabalho no subteste Dígitos – WAIS-III e ao redor de 20% no NEUPSILIN, sendo que tais alterações objetivas não puderam ser confrontadas com queixas subjetivas na medida em que o instrumento MAC-Q inclui questões principalmente de memória retrospectiva (BENITES e GOMES, 2007; CROOK, FEHER e LARRABEE, 1992).

A literatura aponta que a maior parte da população idosa não apresenta declínio cognitivo, mas sim uma trajetória evolutiva estável e benigna, salvo nos casos em que ocorre diagnóstico de processos demenciais e naqueles que evoluirão para essas patologias, como a Doença de Alzheimer (CHARCHAT-FICHMAN et al., 2005). A queixa de memória referida por pacientes deprimidos nem sempre corresponde a déficits objetivamente verificados (ÁVILA e BOTTINO, 2006). Ressalta-se, ainda, que a presença de queixas subjetivas de memória em idosos saudáveis pode não estar associada a déficits cognitivos (CARAMELLI e BEATO, 2008).

Paulo & Yassuda (2010) não encontraram relação entre queixas de memória e sintomas de depressão, como observado no presente estudo, e salientam que pode haver associação positiva entre os déficits cognitivos e sintomas de ansiedade.

A população de idosos com depressão geriátrica pode apresentar desempenho rebaixado em testes de memória, contudo o maior comprometimento é observado em componentes das funções executivas, seguidos por dificuldades atencionais e lentificação na velocidade de processamento (ÁVILA e BOTTINO, 2006; ROZENTHAL, LAKS e ENGELHARDT, 2004; THOMAS e O’BRIEN, 2008).

Rozenthal, Laks & Engelhardt (2004) relataram que pacientes deprimidos parecem ter alteração executiva relacionada principalmente à iniciação da tarefa. As funções executivas apresentam-se deficitárias com interferência direta na vida diária dos pacientes e consequente piora do seu prognóstico.

No presente estudo, na avaliação direta das funções executivas, não foram detectados déficits frequentes, como ocorreu no estudo de Hamdan & Corrêa (2009). Contudo cabe salientar que foram examinadas somente as habilidades de fluência verbal fonêmica e de resolução de problemas. De forma indireta, pela avaliação da memória de trabalho com o NEUPSILIN e o subteste Dígitos do WAIS-III, foi observada uma frequência considerável de déficits sugestivos de dificuldades maiores de processamento no componente executivo central da memória de trabalho (BADDELEY, EYSENCK e ANDERSON, 2009).

Na avaliação da atenção dos casos estudados observou-se desempenho deficitário, com resultados similares para a memória de trabalho. A memória de trabalho necessita de recursos atencionais para o seu bom desempenho. Da mesma forma, houve déficit na velocidade de processamento na tarefa de contagem inversa. Levando-se em consideração esses resultados, pode-se pensar que as dificuldades de memória dos pacientes possam ser secundárias a problemas de funções executivas ou, no mínimo, potencializadas por estes (componente de velocidade de processamento da informação, por exemplo), assim como por dificuldades atencionais (atenção concentrada e dividida).

Os escores deficitários menos frequentes no tempo na contagem inversa e nos subtestes memória verbal episódica – evocação tardia, memória semântica de longo prazo, memória prospectiva, linguagem oral – repetição, praxia ideomotora e reflexiva, apresentados por 10% dos participantes, vão ao encontro da literatura. Segundo Reppermund et al. (2008), entre os déficits cognitivos observados na depressão geriátrica, há redução das habilidades atencionais, lentificação do pensamento e dificuldades de memória. Porém, a memória é a função cognitiva que apresenta maior declínio em seu desempenho. As funções executivas, atencionais e a velocidade de processamento de informações apresentam maior comprometimento quando comparadas com a função mnemônica (ÁVILA e BOTTINO, 2006; ROZENTHAL, LAKS e ENGELHARDT, 2004).

Na presença de depressão, podem ser encontradas alterações neuropsicológicas (PORTO, HERMOLIN e VENTURA, 2002). Entretanto, a amostra estudada apresentava sintomas depressivos e não o quadro clínico. Ainda, os achados do presente estudo não permitem generalizações para a população em geral, em razão do número reduzido de participantes da amostra, mas permitem reflexões iniciais sobre a ocorrência de sinais sugestivos de depressão em adultas idosas. A inclusão de participantes somente do sexo feminino é um aspecto positivo, por um lado, por homogeneizar a amostra quanto à variável sexo. Como observaram Souza et al. (2010), em um grupo de 25 idosas, quando comparado com um grupo de 25 idosos, pode haver diferenças de desempenho nos subtestes que envolveram memória, com performance superior no grupo do sexo feminino.

Por fim, analisando qualitativamente os resultados, os participantes com sintomas moderados de depressão apresentaram desempenho aparentemente similar ao dos participantes com sintomas leves de depressão. Atente-se para esse dado, pois seria esperado que pacientes com sintomas moderados de depressão apresentassem desempenho inferior ao dos com sintomas leves (CAMOZZATO et al., 2007). Considerando a depressão como um contínuo, é possível que a performance cognitiva diminua quando a gravidade da depressão aumenta (PORTO, HERMOLIN e VENTURA, 2002). Entretanto, na presente análise não se realizou a avaliação da influência que a duração da sintomatologia pudesse ter nos resultados e, tampouco, a classificação clínica do grau de depressão.

Considerações finais

No presente estudo, apresenta-se o desempenho neuropsicológico exploratório de mulheres idosas com sintomas de depressão, além da frequência de déficits neuropsicológicos. Observou-se que os participantes apresentaram dificuldades na atenção e na memória de trabalho, sendo menos salientes os problemas de memória em comparação com as queixas
mnemônicas mais frequentes.

Para um próximo estudo, salienta-se a necessidade de aumentar a amostra estudada, e de realizar a análise caso a caso, baseando análises de perfil cognitivo em grupos comparativos de casos com participantes que apresentem sintomas leves, moderados e graves de depressão, com a inclusão de avaliação clínica da depressão. Mais pesquisas com perfis cognitivos de pacientes com transtornos de humor são necessárias para que procedimentos acurados e eficazes de avaliação e reabilitação neuropsicológicas possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida desta população. Neste ínterim, sugerem-se investigações de grupos comparativos, de verificação de clusters e de estudos de casos múltiplos, além do efeito terapêutico de psicoterapia e de reabilitação neuropsicológica na cognição desses pacientes.

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