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A classe C já pôs fogo no mercado

por Rosa Symanski

Uma nova classe média despontou no país nos últimos anos. Denominada classe C, essa camada da população vem se destacando pela avidez com que vai às compras, ajudando a impulsionar o crescimento do país e sedimentando-se como a faixa de consumo predominante. “Nos últimos oito anos, foi se desenhando um cenário em que 40 milhões de pessoas passaram do salário mínimo para uma posição entre 4 e 10 salários mensais”, observa Claudio Felisoni de Angelo, presidente da Fundação Instituto de Administração (FIA). “Esses brasileiros, que pertenciam à classe D, se beneficiaram, sobretudo, da estabilidade econômica que o país alcançou”, ele explica.

Somente no ano passado, 2,7 milhões de pessoas mudaram seu perfil de renda, saindo das classes D e E para a C. Além disso, outras 230 mil deixaram a classe média e entraram nas classes mais ricas (A e B). Com isso, em 2011, a maior parte da população (54%) já fazia parte da classe C. Isso representa uma mudança em relação ao verificado em 2005, quando a maioria (51%) estava nas classes D e E, segundo dados da pesquisa Observador Brasil 2012, feita pela empresa Cetelem BGN, do grupo BNP Paribas, em parceria com o instituto de pesquisa de mercado Ipsos Public Affairs.

A massa de pessoas que pertencem à classe C no Brasil (com renda mensal entre R$ 1.750 e R$ 7.500) era, em 2003, de 65,9 milhões, tendo pulado para 105,4 milhões em 2011 – uma alta de quase 60%. Para 2014, esse número, segundo dados da FIA, deverá chegar a 118 milhões. O papel da nova classe média é tão importante que ela já é capaz de sustentar o crescimento do consumo no país. “Mesmo que o cenário econômico internacional venha a experimentar condições adversas, a melhor distribuição de renda – que se reflete no crescimento da classe C – e a redução dos impostos em importantes setores, como o da linha branca, farão com que o consumo se mantenha firme”, observa o presidente da FIA.

Concomitantemente à expansão progressiva da nova classe média desponta o interesse por adquirir produtos que antes não cabiam em seu orçamento. “O que se vê é que os novos consumidores estão comprando itens antes impensáveis”, diz Wagner Sarnelli, sócio-diretor do instituto Data Popular, consultoria com foco no mercado popular. E tem mais. “Eles estão sabendo aproveitar as promoções. Exemplos não faltam: trocam o chip do celular quando as ligações envolvem operadoras diferentes, demonstrando uma clara preocupação com o bolso”, sugere Sarnelli.

A manicure e massagista Joice dos Santos é um exemplo de trabalhadora que conseguiu encorpar sua renda. Ela, que antes de se tornar autônoma era secretária, elevou seus ganhos para R$ 1,7 mil depois que resolveu ser dona do próprio nariz. “Quando trabalhava como empregada, eu tirava menos de R$ 1.000. Agora, que tenho meu negócio, já consegui construir um espaço em casa para fazer massagens e, em breve, pretendo adquirir equipamentos que vão me auxiliar em meu trabalho”, comenta. Com as mudanças no padrão de vida e, agora, com mais dinheiro no bolso, Joice pôde comprar uma geladeira nova e um automóvel. “A geladeira eu paguei à vista e o carro foi parcelado”, conta.

A nova classe média, que se revelou uma consumidora de peso de celulares, dá mostras de que está indo além, partindo agora para a aquisição de eletrônicos mais sofisticados. Segundo pesquisa realizada pela Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), em parceria com o Data Popular, em 2012, a classe C pretende comprar mais produtos à vista do que os consumidores de alta renda.

Em 2012, por exemplo, 49% dessa camada da população planeja adquirir um notebook à vista, enquanto na faixa de renda mais elevada esse percentual cai para 41%. O mesmo levantamento trouxe à tona uma outra descoberta interessante: 50% dos consumidores da nova classe média disseram que tencionam comprar um tablet à vista e 58,7% deles afirmaram que também utilizarão essa forma de pagamento para adquirir um novo celular. Já entre os representantes da classe mais favorecida, o número de pessoas que demonstraram o desejo de pagar à vista pelos mesmos itens é menor, da ordem de 31,1% e 48,7%, respectivamente.

Os números estão sinalizando que, no futuro, o país será conduzido por essa nova classe de consumidores. Um estudo realizado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP) indica que o produto interno bruto (PIB) do Brasil deverá crescer 40% até 2020. Além disso, dos R$ 2 trilhões que serão acrescidos ao PIB até aquela data, cerca de R$ 1,4 milhão virá do consumo de famílias principalmente da classe C, que abrange 54% da população, atualmente, e é responsável por 51% da demanda total.

Classe urbana

O avanço do poder dessa nova camada já pode ser sentido no movimento de diversos setores da economia. Dados do Pyxis Consumo – ferramenta do Ibope Inteligência que gera estimativas relativas ao varejo, com base em 50 diferentes grupos de produtos – indicam que a classe C tem o maior potencial de compra de alimentos e artigos de limpeza, com R$ 103,8 bilhões e R$ 6,53 bilhões, respectivamente. “Em porcentagem, ela responde por 46,91% do consumo dos primeiros e 42,67% dos segundos. Já a classe A, que ocupa apenas 2,6% das residências brasileiras, gasta R$ 15,55 bilhões com alimentação e R$ 1,47 bilhão com limpeza.” Esses valores, pode-se afirmar, estão próximos do total a ser desembolsado pelas classes D e E (20,58% das moradias) na aquisição dos mesmos itens, indica o estudo.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) antes do Censo 2010 e utilizada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) para o estabelecimento do perfil da classe C, essa camada da população é essencialmente urbana (89% das pessoas que a representam vivem na cidade). A maior concentração da nova classe média fica na região sul, com 61% dos habitantes, vindo depois a sudeste, com 59%, e a centro-oeste, com 56%. Outra descoberta interessante: ela está mais presente em cidades de pequeno porte, contrariando a ideia mais ou menos generalizada de que é nos grandes centros que ela mais se evidencia. Os dados educacionais mostram que 99% das crianças e adolescentes dessa classe de consumo, com idade entre 7 e 14 anos, estão frequentando a escola, basicamente a mesma proporção exibida pela classe alta.

Ainda de acordo com a pesquisa, 75% das pessoas da classe C têm casa própria e seis em cada dez brasileiros dessa camada estão empregados. A maioria (53%) trabalha com registro em carteira (sendo 11% funcionários públicos), 19% não têm carteira assinada e 19% trabalham por conta própria; outros 3% são empregadores e 6% não são remunerados. O perfil de formalização da classe C está assim acima da média nacional, de 47%, mas, na classe alta, esse índice é maior (59%).

Apesar de todos esses avanços, o ministro Moreira Franco, da SAE, ressalta a necessidade da elaboração de políticas capazes de dar segurança e oferecer novas perspectivas. “É preciso estudar detalhadamente esse grupo de brasileiros e criar uma trava nas políticas social e econômica para que não retornem à situação de pobreza”, afirma ele.

Já do ponto de vista do mercado, a preocupação é a maneira de atrair essa nova força de consumo. Uma boa receita é investir no setor de serviços, aconselha Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular. Um estudo realizado por esse instituto de pesquisa detectou que de cada R$ 100 gastos pela classe média, R$ 65,20 são direcionados à contratação de serviços, restando apenas R$ 34,80 para a compra de bens. Os segmentos de turismo e de beleza são dois entre tantos outros que estão sabendo tirar proveito dessa realidade.

O consumo não tem o mesmo significado para a nova classe média e a elite; por isso, as empresas devem ficar atentas aos anseios do cliente. “Diferentemente das classes A e B, que algumas vezes pendem para a ostentação, a classe C vê o consumo como investimento”, explica Meirelles, citando como exemplos a compra de um computador para o filho estudar ou a de uma moto para economizar tempo na ida ao trabalho. “A nova classe média não se importa muito com os juros nem com pagar até duas vezes mais por um bem”, assinala.

Alguns setores, no entanto, estão mais ao alcance dos apelos da classe C, e um dos que caíram nas graças dos disputados consumidores é o representado pela alimentação fora de casa. “Para as classes A e B, comer fora tem significado meramente social. Para o público de classe C é puro entretenimento, com conotação de lazer”, diz Sarnelli, do Data Popular.

Outro ramo que vem ganhando grande impulso por conta do crescimento do poder de compra dos brasileiros é o da construção civil. “A classe média popular vai dominar o mercado residencial nos próximos anos”, observa Sergio Vale, economista da MB Associados. De acordo com projeções traçadas pela MB, a classe C deverá responder por uma demanda habitacional potencial de 10,4 milhões de imóveis até 2016. Essa projeção de consumo, segundo Vale, é medida pelo número de novas famílias que surgem em cada classe, incluindo-se aí as pessoas que decidem morar sozinhas, como um filho que sai de casa ou um divorciado. A consultoria não considerou no cálculo de demanda potencial o déficit habitacional – condições precárias e coabitação, que alcançam 7 milhões de famílias, 80% delas pertencentes às classes D e E.

As novas famílias endinheiradas estão saindo assim em busca de imóveis, novos ou usados, para compra ou para aluguel. Vale crer, contudo, que grande parte da demanda potencial se direcione para a compra de imóveis novos, tendo em vista a rápida expansão do crédito imobiliário e o aquecimento desse mercado.

Inadimplência

A demanda potencial da classe C é, inclusive, maior que a de todas as outras classes somadas, a qual deve alcançar 9,5 milhões de imóveis até 2016. “O fenômeno se explica pela migração prevista de mais famílias das classes D e E para a C, isso, evidentemente, por meio da continuidade do processo de crescimento econômico e redução da pobreza”, pontifica Vale.

Segundo dados do Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi-SP) uma das principais diferenças entre o comportamento da classe A e o da nova classe média é que a primeira busca o exclusivo e a segunda procura apenas a inclusão. Ainda de acordo com o Secovi, “a classe C representa hoje 80% dos consumidores que pretendem comprar uma casa, 69% dos que esperam adquirir um apartamento e 86% dos que têm expectativa de se tornar donos de um terreno”.

Diante da nova realidade e dispostas a fazer bons negócios, construtoras que antes se concentravam em imóveis de alto padrão começaram a cortejar a nova classe média, oferecendo produtos adequados a esse nicho de mercado. É o caso da Even Construtora e Incorporadora, uma empresa com atuação no segmento de padrão elevado, com imóveis da ordem de R$ 500 mil, em média. Ela lançou recentemente uma nova marca, a Open, voltada para residências de porte médio. São apartamentos comercializados a preços entre R$ 100 mil e R$ 250 mil e direcionados ao atendimento de um público adulto e jovem às voltas com a aquisição do primeiro imóvel.

Outro exemplo é o da construtora LiderCyrela, que passou a apostar nos padrões médios e popular. Antes, a companhia reservava apenas 20% de seus empreendimentos para o público de menor poder aquisitivo. A meta para este ano, segundo o diretor de Incorporação da empresa, Dennyson Porto, é elevar para 40% os empreendimentos direcionados para as classes C e D. “Não podemos fechar os olhos a esse nicho de mercado”, diz o executivo da LiderCyrela, informando que durante todo o ano de 2012 a empresa planeja investir R$ 150 milhões apenas nesse segmento.

Junto com seu novo poder de consumo, a classe C se vê às voltas com um grande fantasma que ronda insistentemente o mercado: a inadimplência. Uma pesquisa recente do Banco Central comprovou que é cada vez maior o endividamento das famílias brasileiras. Atualmente, elas estão comprometendo 42,66% da renda com o pagamento de prestações, num processo que vem ganhando corpo, ano a ano, desde 2004. Naquele exercício, as dívidas consumiam apenas 24,94% dos rendimentos.

Outro levantamento revelou que os menos aquinhoados financeiramente também são os que mais deixam de honrar os compromissos. Pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) mostra que 58,6% das famílias com renda mensal de até R$ 6,2 mil estão endividadas – 23,4% têm débitos já vencidos e 7,3% não estão em condição de saldá-los. Em relação aos lares com salários acima dessa faixa, a fatia dos que se encontram devedores é um pouco menor (50,2%).

“A classe C ainda está numa fase de aprendizado de consumo, educando-se nesse quesito”, afirma Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi. “Soma-se a isso o fato de o brasileiro cultivar o hábito de satisfazer seus desejos sem se importar com o planejamento financeiro.” A bem da verdade, segundo ele diz, não é apenas essa camada da população que necessita de educação econômica. Os bancos e as financeiras também estão tendo de aprender com essa verdadeira revolução no crédito. “O sistema bancário terá de lançar mão de maior critério na concessão do crédito – algo que vai crescer bastante, uma vez que a população é formada por milhões de jovens que, em sua maioria, são ávidos consumidores”, argumenta.

Tingas compara o estilo de vida do brasileiro com o austero perfil dos consumidores do Velho Continente. “Aqui as pessoas gostam de trocar de carro seguidamente, ao contrário dos europeus, que, ao adquirir um veículo, esperam que ele dure 20 anos.” Ou seja, segundo o economista da Acrefi, “lá se consome o que quer que seja de maneira mais comedida”. Ele chama também a atenção para o fato de que a nova classe média não dispõe de reservas ou capitais como a classe média preexistente – que conta com bens extras, como terrenos, casas ou até mesmo joias, ou seja, tem lastro.