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Na última década, a oferta de cursos não formais na área cultural – aqueles que estão fora do sistema regular de ensino, de escolas e universidades, porém apresentam objetivos educacionais definidos – teve um crescimento expressivo na cidade de São Paulo. Basta olhar o número de organizações criadas nesse período para suprir a demanda de uma população ávida por conhecimento em várias áreas.

Em 2006, são criados o Centro Cultural B_arco e a Escola São Paulo, que inaugurou sua segunda unidade em agosto deste ano. Em 2011 o espaço-escola de Cinema e Artes Inspiratorium abre suas portas e em fevereiro de 2012 é a vez do Espaço Revista Cult. A estas instituições, dedicadas a cursos cuja carga horária vai de alguns encontros até um ano, somam-se iniciativas de especialistas, como o crítico de artes plásticas Rodrigo Naves, o poeta Claudio Willer e o crítico de cinema Inácio Araújo, cujas turmas contam com filas de espera, tamanha é a procura. 

Para o professor dos Programas de Pós-Graduação Interdisciplinar Humanidades, Direitos e Outras Legitimidade se de Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo (USP) Sérgio Bairon, a multiplicação desse tipo de curso é resposta a uma demanda da qual o ensino formal não dá conta devido ao modelo dos cursos e a sua infraestrutura. “Os interesses exercitados nas universidades, sobretudo na área de cultura, são limitados às pesquisas desenvolvidas e não dão conta da diversidade temática”, diz.

Além disso, como a estrutura hermética das pesquisas acadêmicas, de conhecimento voltado para o próprio discurso acadêmico, está muito afastada do senso comum, os cursos livres acabam democratizando o conhecimento cultural. “Os cursos oferecidos por estas instituições têm temáticas com relativa complexidade, presentes na pesquisa acadêmica, mas cujo diálogo – por parte dos pesquisadores com a comunidade em geral – é geralmente zero.”

O afastamento das ciências humanas do senso comum teve início no século 18, quando a Filosofia separou os juízos lógicos e científicos do conhecimento das pessoas a respeito do cotidiano, segundo Bairon. Esse padrão se tornou parte da metodologia científica nos séculos 18 e 19, e é praticado até hoje. “A universidade é fruto de um esquecimento absoluto do que se chamou senso comum e olha para as pessoas que não são especialistas naquela área, no máximo como objeto de pesquisa”, aponta.

Entre as iniciativas para socializar o conhecimento acadêmico está a parceria da USP com o projeto Ação Griô (Grão Luz Griô), com previsão de início no final do ano, em que professores universitários e mestres da cultura popular ministram cursos na área de cultura. “Existem vários projetos nesta direção, mas geralmente são iniciativas de um professor, de uma universidade, que tem determinada visão, quer dizer, não é algo institucional, que tenta transformar a universidade para aproximá-la da comunidade em geral”, analisa Bairon.

Cursos livres 

O curso Cinema: História e Linguagem, que o crítico da Folha de S.Paulo Inácio Araújo ministra desde 1999, em seu escritório em Higienópolis, surgiu da vontade de estabelecer um contato mais próximo com seus leitores e de difundir a cultura cinematográfica, que, para ele, é muito frágil no Brasil.

“Em vez de dispor de 30, 40 linhas para falar de um filme, eu tenho um ano para explicar como se chegou a determinado filme, a um 3D, é um percurso em que o desenvolvimento do cinema, toda história, todo o caminho que ele teve, faz sentido”, diz. Em uma aula por semana, as duas turmas, de cerca de 30 pessoas cada, assistem a um filme e depois há uma exposição de ideias em torno daquela produção, escola cinematográfica e diretor.

O programa segue a cronologia da história do cinema, indo do clássico ao contemporâneo. “A ideia é ter um núcleo de pessoas interessadas, que são cinéfilas – não especialistas –, e que possam, a partir do curso, desenvolver um repertório. Ir à videolocadora ou ao cinema e acompanhar as coisas, saber do que está se tratando e aprender a distinguir com facilidade um bom filme de um mau filme”, complementa Araújo.

O perfil dos alunos é variado, desde adolescentes de 17 anos que querem fazer faculdade de cinema até jornalistas, médicos, psicanalistas e engenheiros de várias idades. “Tenho a impressão de que as pessoas buscam nos cursos livres suprir deficiências de formação, ou quem já conhece o assunto procura se aperfeiçoar”, analisa.

O poeta, ensaísta e tradutor, autor de Geração Beat (L&PM Pocket, 2009), Claudio Willer, também acredita que os cursos ?não formais complementam as lacunas do ensino formal. “Acho que é função da administração cultural pública, ou de instituições privadas que tenham uma atuação pública, oferecer esse tipo de educação complementar para sanar algumas deficiências que as pessoas carregam da escola e das universidades”, diz.

Para ele, como o Brasil tem um número expressivo de analfabetos funcionais, talvez mais importante que trabalhar com a criação literária seja dar ênfase à leitura. “Já realizei rodas de leitura para agentes culturais e professores de ensino médio e resolvi casos de dificuldades de leitura nesses encontros. Acho que esse trabalho deveria ser sistematizado, é um primeiro passo.”

Willer ministra uma oficina de criação poética há dez anos, em diversos espaços, sendo o Sesc e a biblioteca Alceu Amoroso Lima os mais recentes. “O objetivo das oficinas é ampliar a capacidade de leitura, já que criação literária é ?inseparável da leitura, e mostrar mais possibilidades e alternativas de expressão. Falo sobre autores, sobre temas literários e avalio a produção da pessoa”, diz. Após os encontros, que variam de 4 a 12, Willer acredita que os participantes podem ou não ter um crescimento na criação literária, mas certamente lerão mais e conseguirão abstrair mais significados de um texto. 

A arquiteta e desenhista Carla Caffé ministra aulas de desenho no ensino formal, na Escola da Cidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, e no não-formal, no Sesc. Carla acredita que o modelo de ensino em que o professor detém o conhecimento e transmite para o aluno está ultrapassado, por isso o foco de seu curso livre é trabalhar a criatividade e elaborar com o aluno as possibilidades que a linguagem gráfica do desenho pode ter para cada um.

“O curso livre tem um caráter democrático porque uma classe é composta por pessoas com idades muito diferentes, profissões diferentes. Você tem desde um jovem de 13 anos até um adulto de 60, desde um dentista até um designer gráfico. Então, a comparação entre os trabalhos e o aprendizado acabam muito ricos”, afirma. “Em uma universidade, estas diferenças quase não aparecem.” O fato de as pessoas buscarem os cursos livres com o único intuito de aprender é outro fator que motiva o aprendizado, segundo ela. 

Instituições

A ampliação do número de cursos da Casa do Saber dão dimensão do aumento da procura pelos cursos não formais na cidade: eles passaram de 10, quando a instituição abriu, em 2004, para os 150 oferecidos atualmente em suas três unidades. Na opinião do diretor executivo da Casa do Saber, Mário Vitor Santos, a demanda por cursos livres é crescente, pois ela é impulsionada tanto por pessoas que têm lacunas de formação quanto pelas que já têm muita informação.

“Aquelas que têm formação não param de se aprimorar e as que não têm sentem a necessidade de buscar essas informações para entender o mundo que estão vivendo e para entender a elas mesmas”, esclarece. “O Brasil está se alfabetizando, a renda média e a formação universitária da população estão crescendo, mas, em termos culturais, a formação ainda é muito fraca, o que alavanca esse mercado.”

A Casa do Saber surgiu, em 2004, da institucionalização de encontros que o empresário Jair Ribeiro fazia em sua casa para discutir temas das ciências humanas na companhia de amigos. As pequenas reuniões, conduzidas por nomes como o filósofo Mário Miranda Filho, fizeram tamanho sucesso entre o círculo de amigos e atraíram tanta gente que o empresário e seu amigo, o advogado Pierre Moreau, resolveram criar uma instituição que reproduzisse o ambiente de discussão de ideias e sociabilidade.

Atualmente, além da sede no Itaim Bibi, a Casa do Saber tem uma unidade no shopping Cidade Jardim e outra na Lagoa Rodrigo de Freitas, na capital fluminense. Heterogêneas, as turmas reúnem pessoas dos 30 aos 70 anos, desde leigos até quase especialistas. Para Santos, um dos diferenciais do público dos cursos livres é que seu objetivo é o saber em si e não o diploma ou uma formação específica para o mercado de trabalho.

Desde a criação do espaço-escola Inspiratorium, em julho de 2011, na Vila Mariana, o interesse pelos cursos de formação, de dois anos, de imersão, de oito meses, e livres de curta duração, só aumenta. Inspirado pela temporada de estudos em uma escola livre de cinema da Europa, o diretor da instituição, Bruno Primor, resolveu reunir reconhecidos profissionais do cinema brasileiro para ministrar cursos que equilibram teoria e prática cinematográficas.

“Recebemos pessoas que já estudaram cinema, mas não tiveram uma boa base de ensino, especialmente de conhecimento teórico”, afirma. “Cinema não é só técnica. Para pegar uma câmera e sair por aí filmando é preciso, além da criatividade, muito conhecimento, domínio e entendimento sobre as possibilidades de construção e desconstrução da linguagem cinematográfica.”

A escola aposta em turmas pequenas para que o maior entrosamento entre alunos e orientadores potencialize o processo de aprendizagem. Segundo ele, o aumento da procura pelos cursos livres está ligado à busca de um ensino mais prático e objetivo, sem deixar de lado as reflexões teóricas, e mais próximo à realidade dos meios. “Já existem propostas de cursos universitários com um perfil de formação mais transdisciplinar, mas a burocracia administrativa e educacional impede remodelações mais imediatas”, explica Primor.

Museus, cinemas e centros culturais também têm programação permanente de cursos. O Museu da Imagem e do Som (MIS) oferece cursos de história da arte, música, fotografia, animação e cinema. O Museu de Arte de São Paulo (Masp) recebe interessados em aprender  sobre pintura, história da arte e xilogravura. Já a programação do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) é composta de atividades na área de história da arte, desenho, pintura, artes cênicas e fotografia.

O Centro Cultural São Paulo tem oficinas de dança, artes visuais e música e o Centro Cultural Banco do Brasil promove cursos relacionados aos temas das mostras realizadas. A unidade da Rua Augusta do Espaço Itaú de Cinema realiza cursos sobre a obra de cineastas. 


Cultura em todos os cantos

Iniciativas espalham pela cidade diferentes possibilidades de aprendizado

ONGs e a iniciativa pública realizam cursos livres gratuitos em diversos bairros da cidade. Os oferecidos pelas bibliotecas públicas temáticas seguem a especialidade do local. A Alceu Amoroso Lima, em Pinheiros, é voltada à literatura; a Roberto Santos, no Ipiranga, ao cinema; a Belmonte, em Santo Amaro, à cultura popular; a Cassiano Ricardo, no Tatuapé, à música, entre outras. Já a Casa das Rosas, na Bela Vista, promove periodicamente cursos de leitura crítica, criação literária e sobre a obra de escritores.

Voltada para a formação em artes cênicas, a SP Escola de Teatro promove, entre outras ações, cursos de extensão cultural, com duração média de um mês, sobre criação poética, história da arte, dramaturgia e crítica teatral. As aulas acontecem em suas sedes no Centro e no Brás. 

As Fábricas de Cultura, centros culturais implantados pela Secretaria da Cultura em bairros selecionados com base no Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) – elaborado pela Fundação Seade a partir de demanda da Secretaria e Estado da Cultura – oferecem oficinas de música, artes visuais, teatro, multimídia, literatura, dança e circo para crianças e jovens, de 8 a 19 anos.

Em funcionamento na Vila Curuçá, Sapopemba e Itaim Paulista, o objetivo do programa é aumentar o acesso à cultura em locais em que há carência de equipamentos culturais. As ações da ONG Casa do Zezinho também têm como foco crianças e jovens de bairros periféricos. Moradores do Capão Redondo, Parque Santo Antônio e Jardim Ângela podem se inscrever nas oficinas de arte realizadas na instituição.


Educação permanente

Conceito norteia ações do novo Centro de Pesquisa e Formação do Sesc

O Centro de Pesquisa e Formação é a mais recente iniciativa do Sesc para contribuir com o debate e as ações no registro dademocracia cultural. Idealizado em três núcleos complementares, Formação, Pesquisas e Publicações e Difusão, o centro desenvolve atividades na inter-relação educação, cultura e artes. A programação de outubro conta com atividades sobre política cultural e economia da cultura, produção editorial, coletivos de artes, histórias em quadrinhos, conservação e acondicionamento de documentos, entre outros.

De acordo com o assistente técnico da Gerência de Estudos e Desenvolvimento do Sesc Mauricio Trindade, que participou da criação do centro, o projeto surgiu com o intuito de contribuir para a formação e a pesquisa no campo da cultura, envolvendo as áreas de gestão e mediação e, também, para incentivar articulações, trânsitos e trocas entre a experiência do Sesc e a produção de conhecimentos nesse campo.

O eixo de Pesquisas se dedica à produção de bases de dados e estudos em torno das ações culturais e dos públicos. O de Publicações atua na difusão de trabalhos nacionais e internacionais que deem subsídios à formação de estudantes e pesquisadores. Já o núcleo de Formação promove encontros e cursos livres, com duração variável, indicados para maiores de 16 anos.

Iniciadas em agosto, no 5º andar do Sesc Vila Mariana, as atividades formativas do Centro compreendem três amplos temas: educação, cultura e artes; políticas públicas e culturais; e economia e cidades criativas. Elas são divididas em: Cursos (compartilhamento e diálogo acerca de conhecimentos ligados às dimensões da cultura); Contextos (palestras com pesquisadores para gerar debate de ideias sobre a área cultural); Vivências (contatos com realidades variadas, por meio de relatos de experiências ou visitas); Pesquisa em Foco (apresentação e discussão de estudos); além do Encontros Sesc Memórias (estímulo ao diálogo sobre temas relacionados a arquivo e patrimônio, história e memória, realizado desde 2010 no Sesc e incorporado ao Centro).

De acordo com Trindade, as ações do núcleo de Formação são pensadas na perspectiva da contribuição para o desenvolvimento humano: “No assunto sobre quadrinhos ou livro e produção editorial, por exemplo, podem ser abordados os aspectos históricos e sociais, éticos e estéticos, políticos e econômicos, na intenção de ampliar conhecimentos e saberes”, afirma.

Em 2013, a atuação do Centro se expande com a circulação das atividades formativas por dez unidades do Sesc no interior e com a criação de um curso de cultura e artes com ênfase em gestão e mediação, com duração de um ano, voltado para o aprimoramento de gestores e produtores culturais. Entre seus diferenciais, está o currículo que confere mesma importância para teoria, metodologia e prática.

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