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Um negócio cada vez mais colorido

por Marcelo Santos

Quando retornava de uma viagem de férias no interior, há pouco mais de dez anos, a paulistana e então bancária Gislene Medeiros Mesiara foi tomada de uma repentina frustração. As ruas pareciam mais feias e cinzentas. O verde que se refletira em sua retina durante o mês de descanso havia desaparecido.

Gica, como Gislene é conhecida, bem que desejou ter uma “varinha mágica” para tocar nas casas, ruas e lugares e transformar a São Paulo desvairada num imenso jardim. Aquilo não saiu mais de sua cabeça, tanto que, passado algum tempo, ela tomou uma decisão drástica: deixou o trabalho, fez curso de paisagismo, estudou e, por fim, descobriu a seu modo um jeito de abrandar um pouco a monocromia urbana. “Resolvi dar às paredes o aspecto de jardins.” E como isso foi possível? Gica criou o “Quadro Vivo”, uma engenhoca que permite emoldurar plantas em pequenos ou grandes espaços. A ideia deu tão certo que acabou originando um negócio que decolou e prospera. O esforço lhe rendeu prêmios de empreendedorismo e viagens internacionais para expor sua arte. Mas o melhor, para Gica, foi ver “brotar” em áridas áreas das metrópoles um pouco das plantas de que tanto sentia falta.

Não se sabe ao certo se a preocupação com o verde é mais forte no homem ou na mulher. Estima-se que a maior parte das pessoas que trabalham com o mercado de flores e plantas ornamentais seja do sexo feminino. Algumas estatísticas dão conta de que a proporção é de oito para um a favor das mulheres, num setor que já emprega 194 mil pessoas em todo o país e fatura alto. Como o clima econômico brasileiro tem motivado a ida às compras, o segmento tem crescido em torno de 15%, anualmente, devendo movimentar R$ 5 bilhões apenas em 2012.

O fato é que as flores desempenham um papel de destaque na vida das pessoas. Elas estão lá, nas maternidades, saudando o nascimento, e marcando forte presença nas despedidas, dando um tom menos triste à morte. Ao longo da existência, suscitam paixões, enfeitam cerimônias, aplacam brigas conjugais e aliviam doenças. “O mercado de flores cresce com o país. Já temos 7,2 mil produtores, 9 mil hectares de áreas para plantação, 40 centrais atacadistas, 28 mil pontos de venda e 350 espécies em produção, que dão margem ao cultivo de mil variedades diferentes”, relata Kees Schoenmaker, presidente do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor).

Os números, apesar de superlativos, segundo ele, estão longe do real potencial do setor. “O consumo médio de flores no Brasil ainda é pequeno, quando comparado ao de países desenvolvidos. Estamos apenas superando um atraso”, diz Schoenmaker. Cada brasileiro investe, anualmente, a módica quantia de R$ 14 na aquisição de flores ou plantas ornamentais, estima o Ibraflor – um desembolso muito inferior ao dos europeus. Para ter a exata noção da distância que separa o mercado nacional dos grandes consumidores mundiais basta citar que os suíços gastam R$ 234 com o mesmo propósito, ou seja, 17 vezes mais. A lista é longa: alemães, R$ 180; americanos, R$ 160 e holandeses, R$ 150. Estamos também atrás dos argentinos, que destinam anualmente R$ 50 ao mesmo fim. “O problema é de origem cultural”, garante o presidente do Ibraflor. Ele salienta que, até recentemente, os brasileiros adquiriam flores apenas em determinados períodos e datas, tais como nascimentos, velórios, eventos especiais ou Dia das Mães. “Pela primeira vez, graças ao aumento da renda, o consumidor está levando para casa flores também em outras ocasiões”, diz um otimista Schoenmaker.

Ele sonha com um país de campos floridos, tal como a Holanda, sua terra natal, que deixou para trás há mais de 50 anos, quando, na companhia dos pais e de dez irmãos, embarcou rumo ao Brasil “em busca de sol” e de novos desafios. Experimentada na lavoura, a família começou a produzir arroz, milho e hortaliças na cidade de Holambra, no interior de São Paulo. Porém, foi somente depois de lançarem à terra sementes de gladíolos que seus negócios floresceram para valer. Desde então, as flores de bulbos ganharam tamanha importância no comércio dos Schoenmaker que acabaram motivando o nascimento do Grupo Terra Viva Flores e Plantas, um empreendimento com 12 mil hectares de terras, divididas entre os estados do Ceará, Minas Gerais e São Paulo, e até mesmo na Holanda, e especializado no cultivo de mudas, flores, plantas ornamentais e também frutas, cereais e batatas.

Cidade das Flores

Com 1,6 mil funcionários, o grupo é o mais importante em sua área em Holambra, município com 11 mil habitantes e que, junto com cidades vizinhas, responde por 40% de toda a oferta nacional de flores. A empresa dos Schoenmaker é referência no cultivo de vários tipos de flores de corte, como crisântemos, lírios, copos-de-leite, gladíolos e tulipas. E é destaque em plantas verdes, com a produção de tuias holandesas, zamioculcas e beaucárneas, e em plantas com flores, com a comercialização de antúrios, orquídeas, amarílis, hortênsias e tulipas em vasos.

Diariamente, a Terra Viva produz em torno de 1,5 mil maços mistos, compostos por minicrisântemos e flores silvestres variadas, e empacota outros 900 de minirrosas, 600 de lírios, mil de flores silvestres e 2 mil pacotes de 1,5 quilo de crisântemos. Os preços variam de R$ 1,50, no caso das minirrosas, a R$ 5, no dos rechonchudos pacotes de crisântemos. “É um mercado profissional que requer investimentos tanto em pesquisa quanto em pós-colheita e em durabilidade do produto. São fatores que determinam o sucesso ou o fracasso do empreendimento”, alerta Schoenmaker.

Holambra, a casa dos grandes produtores de flores, nasceu do pioneirismo de gente como os Schoenmakers. Em 1948, um grupo de imigrantes neerlandeses deu vida a uma colônia que, em 1991, seria transformada em município, recebendo o apelido de Cidade das Flores. Graças à origem dos floristas locais, por lá os sobrenomes cheios de consoantes são mais comuns do que os Pereiras, Santos ou Silvas.

Bem antes de o sol aparecer, centenas de trabalhadores rurais já invadem as ruas com suas bicicletas, apertam-se nos pontos de ônibus ou embarcam nos coletivos fretados que os levam para uma jornada de trabalho que se inicia ainda de madrugada. Boa parte da colheita deve ser encaminhada, antes das 6 horas, para a Cooperativa Veiling Holambra (CVH), o maior centro de comercialização de flores e plantas ornamentais da América Latina. Esse é o destino da produção de Kees Schoenmaker e de outros 300 pequenos, médios e grandes agricultores, gerando cerca de 10 mil transações comerciais todos os dias.

Um pregão eletrônico, dotado de três grandes painéis (kloks), permite vendas simultâneas de produtos em corte, vasos e plantas ornamentais. O conjunto de kloks foi inspirado no modelo de leilão existente na Holanda há mais de 120 anos. “É a referência para o mercado de flores. Esse moderno sistema reverso permite a venda de grandes lotes com rapidez, sendo a agilidade sua principal característica”, explica Rachel Osório, gerente do segmento de corte da CVH. Os produtores fornecem à cooperativa 3,5 mil variedades de flores e plantas ornamentais que são adquiridas por 550 clientes, despontando entre eles as centrais de abastecimento e as redes de floriculturas e de supermercados. A região abriga ainda outra grande cooperativa, a Cooperflora, que reúne 52 cooperados.

Holambra aproveita sua fama para lucrar também com o turismo. Anualmente, três grandes feiras de flores são realizadas ali: a Enflor/Garden Fair (exposições conjuntas), a Hortitec e a Expoflora, esta última a mais importante da América Latina e que chega a receber 300 mil visitantes a cada edição. O município também investe em roteiros rurais, conduzindo os turistas por entre campos de rosas vermelhas, estufas de gérberas de corte e crisântemos, viveiros de orquídeas e flores do campo. “Temos atuado em parceria com os produtores da região, que abrem suas propriedades para receber os turistas, os quais chegam ansiosos para conhecer as plantações de flores”, conta Jacqueline Simões de Wit, diretora de Turismo e Desenvolvimento Econômico de Holambra. Ela esclarece que, infelizmente, ainda são poucos os empreendimentos adaptados para recepcionar os visitantes. “Há, por parte dos produtores, uma preocupação com a infraestrutura que é exigida e o receio de que isso possa afetar seu trabalho.” Ela informa que, atualmente, esse roteiro é feito por intermédio de agências de viagens que resolveram apostar na ideia. Traçada com o apoio da Associação Comercial e Empresarial e o Sebrae locais, “essa foi a alternativa encontrada para fortalecer os pequenos estabelecimentos rurais e a agricultura familiar”, destaca Jacqueline.

É sabido que 75% de toda a produção do setor se concentra em São Paulo, nas regiões de Holambra, Campinas e Atibaia, e nos vales do Ribeira e do Paranapanema. Todavia, outros lugares estão começando a se consolidar como fornecedores de flores. O Rio Grande do Sul, por exemplo, responde por 9% da produção e Santa Catarina por 5%. “O mercado, em especial o representado pelo paisagismo – que é o carro-chefe no estado de São Paulo –, vai continuar crescendo 20% ao ano em razão, principalmente, do revigoramento do setor da construção civil”, aposta Gilmar Germano Jacobowski, engenheiro agrônomo da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).

Roseiral cearense

A grande novidade no setor, porém, brotou no nordeste. Coube a um gaúcho de São Leopoldo, Paulo Selbach, enxergar na chapada do Ibiapaba, na divisa entre os estados do Ceará e do Piauí, um lugar propício à cultura de flores. Executivo do setor calçadista e agricultor quando ainda morava no Rio Grande do Sul, ele concluiu que o clima quente, durante o dia, e os ventos gelados, ao entardecer, típicos daquela região, poderiam dar asas a seu incontido desejo de voltar a plantar. Selbach deixara de lado seus dotes agrícolas tão logo havia mudado de ramo e, por força do ofício, se transferira para o nordeste. Porém, segundo diz, “uma vez agricultor, sempre agricultor. O cheiro da terra não sai da gente”, justifica.

Em 1999, depois de comprar um pedaço de terra na cidade de São Benedito e ali fazer seu quartel-general, Selbach começou a plantação de rosas e deu início à empresa CeaRosa. Ele contratou um agrônomo colombiano, especialista em flores de corte, principalmente as rosas gigantes, e investiu em tecnologia de irrigação importada de Israel, assim como no revestimento das coberturas das estufas com lonas de plástico. Sua intenção era exportar, atraído pelos números do mercado mundial de flores, que movimenta valores próximos a US$ 60 bilhões ao ano. Selbach estava de olho no competitivo e seleto mercado consumidor dos Estados Unidos e da Europa, abastecido, em boa parte, pelos produtores da Colômbia, Equador, México, República Dominicana, Guatemala e Quênia. “Por que o Brasil não poderia também exportar suas flores para aqueles lugares?”, ele se perguntava.

E foi exatamente o que a CeaRosa passou a fazer. Até 2008, a empresa liderou as exportações de rosas no país e isso, é claro, causava incômodo aos tradicionais vizinhos sul-americanos atuantes no mercado mundial, que dificultavam as atividades dos concorrentes de outros locais. Então, o que Selbach fez? Estimulou a ida para o Ceará de outros importantes produtores, tais como a gigante Reijers, sediada em Holambra, que montou uma filial em São Benedito.

Consolidou-se assim um projeto ambicioso, que fez do país um dos players no mercado global de flores. Todavia, os gargalos decorrentes da falta de infraestrutura na região, o real valorizado e a crise internacional brecaram temporariamente as exportações. “A questão cambial prejudicou muito as exportações e a péssima logística de transporte contribuiu enormemente para o triste desfecho”, diz Selbach. Ele lembra que a rosa é um produto perecível. Não pode ser tratada, por exemplo, como uma caixa de bebidas. “Ela segue para o exterior de avião e, dentro dos limites do país, pode ser transportada em caminhão refrigerado, mas correndo sérios riscos, devido à precariedade das rodovias”, esclarece Selbach, que também preside a Câmara Setorial de Flores e Plantas Ornamentais do Ceará.

O empresário gaúcho acredita que, não fossem esses entraves, o Ceará poderia ter entre 300 e 400 hectares plantados, contra os 70 hectares atuais. “Faltam aeroportos. Imagine que no Quênia, país com apenas 4 mil hectares plantados de rosa, o avião entra direto na câmara fria, seu bico é aberto e os contêineres são embarcados por esteiras”, diz Selbach. Ele comenta que, todos os dias, quatro Boeings 747 decolam desse país carregados de rosas a caminho da Holanda. Mesmo com todas as deficiências, segundo o titular da CeaRosa, estima-se que o Ceará dê abrigo a 30 produtores, cujos negócios geram 3 mil postos de trabalho e movimentam anualmente R$ 132 milhões.

O sucesso das rosas cearenses não se deve apenas ao paraíso tropical que, a 900 metros do nível do mar, foi encontrado por Selbach há pouco mais de uma década. O fato é que cada vez mais a floricultura investe em técnicas de modificação genética para melhorar seu cultivo. Na CeaRosa, por exemplo, há uma estufa de 5 mil metros quadrados onde são testadas 300 variedades de rosas. “Graças ao avanço genético e tecnológico, é possível obter de uma única pétala até três cores diferentes”, explica Selbach. Ele esclarece que poucos anos atrás só existiam três tipos de cores para as rosas. “A tecnologia fez com que os breeders transformassem o mercado”, salienta (breeders ou desenvolvedores são os especialistas que trabalham com a genética das flores).

Atualmente, é possível cultivar rosas multicoloridas com durabilidade e tamanhos diferenciados. O custo, porém, é alto. A licença para cultivo de cada planta geneticamente alterada é de cerca de US$ 1. Nem todos os produtores estão dispostos a pagar esse preço pelas novas variedades, e alguns acabam recorrendo à pirataria e à concorrência desleal. “Há uma busca incessante pela inovação e ela é de fundamental importância para o setor porque cria ou aumenta a demanda pelo produto, além de levar, muitas vezes, ao incremento do preço final das flores e das plantas, originando um melhor resultado econômico para o agricultor”, afirma Silvia van Rooijen, presidente da Câmara Setorial Federal de Flores e Plantas Ornamentais.

Também participante da diretoria da Associação Brasileira de Proteção de Cultivares de Flores e Plantas Ornamentais (ABPCFlor), Silvia lembra que a lei federal de proteção de cultivares pune o desrespeito ao direito de proteção de variedade. Isso ocorre, segundo ela, quando produtores exploram as variedades novas sem a autorização do obtentor e, consequentemente, sem o pagamento de royalties. Silvia também afirma que a pesquisa de novas variedades de flores e de plantas ornamentais no Brasil ainda é realizada numa escala bem pequena. “É certo que temos algumas iniciativas voltadas para esse objetivo, mas em outros países, como a Holanda, a Alemanha e a França, o número de novas variedades é grande.”

Floristas em apuros

A qualidade superior e o aumento da durabilidade das flores se refletem diretamente nas vendas do varejo. Fenômeno recente no país, o negócio com flores e plantas ornamentais vem ganhando cada vez mais espaço nas prateleiras dos supermercados, um tipo de comércio que lá fora já responde por 70% do faturamento do setor. A rede Walmart, por exemplo, a maior do ramo de autosserviço do planeta, é a principal compradora mundial de flores.

Trata-se de um cenário novo, que tem motivado algumas floriculturas tradicionais a investir forte na inovação para não perder terreno. “Ainda que o comércio e a produção de flores tenham crescido nos últimos anos, o mercado ficou com uma perna extremamente fraca justamente por causa da atual situação desse segmento”, relata Augusto Yasuo Aki, consultor do Sebrae com mais de 20 anos de atuação no setor. Ele informa que as floriculturas tradicionais vendem volumes menores e, para piorar, “estão mais inadimplentes”.

Aki afirma que o empreendedor desse ramo precisa mudar sua maneira de pensar, criando produtos e serviços diferenciados, investindo em marketing e mirando setores corporativos. “As empresas estão cada vez mais preocupadas com a qualidade de vida de seus funcionários, e as flores, é sabido, ajudam a equilibrar o estado emocional das pessoas”, observa o consultor. “Que tal o florista oferecer uma assinatura de flores, em que a empresa paga um valor mensal e recebe, todos os dias, um novo arranjo para dar mais colorido e graça ao ambiente de trabalho?”, ele sugere.

O Brasil conta, atualmente, com 22 mil floriculturas e, destas, 5,5 mil se localizam no estado de São Paulo. “Houve uma redução de 15% a 20% no número total desses estabelecimentos nos últimos anos”, conta Edison Alexandre, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Flores e Plantas Ornamentais de São Paulo (Sindiflores). Segundo ele, “é uma pena que a legislação não proteja a pequena empresa ante a força de mercado dos grandes conglomerados, como os supermercados, por exemplo”. Apesar dessas pedras no sapato, Alexandre garante que está otimista, dizendo que nem mesmo o surgimento de poderosos concorrentes vai mudar seu modo de pensar. “Muitos floristas tradicionais já estão comercializando flores pela internet, agregando maior valor a seus produtos. É um mercado que pode crescer muito e só precisamos nos preparar para ele”, argumenta. Segundo dados do Ibraflor, 2% das vendas de flores e plantas ornamentais já acontecem através do computador. “Na realidade, creio que somente quando as pessoas atingirem um nível cultural maior nossos negócios retomarão o caminho do crescimento”, diz o presidente do Sindiflores. “Só frequenta floriculturas quem tem sensibilidade”, observa. Se, como ensina o confucionismo, “é preciso comprar arroz e flores” – arroz para viver e flores para ter por que viver –, talvez o caminho para o crescimento e a manutenção do setor passe, necessariamente, pela sensibilização das pessoas.