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Colecionador de Imagens

Educado desde criança como monarca, Dom Pedro II identificava-se com os intelectuais, nutrindo verdadeira paixão pelas letras, ciências e por conhecer novas culturas e tecnologias. Essa curiosidade levou-o a longas viagens pelo Brasil e para o exterior, incluindo passagens pela América do Norte, Europa, norte da África e Oriente Médio.

Durante as excursões, o imperador adquiria e ganhava muitas fotografias, que deram origem, junto com seus diários, livros e documentos, a uma coleção de grande valor histórico, reconhecida como patrimônio da Memória do Mundo pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em 2010. Foi o primeiro conjunto documental do Brasil a receber essa chancela da instituição.

Afrescos de Giotto [o pintor e arquiteto italiano Giotto di Bondone viveu de 1266 a 1337] em Assis, na Itália, as ruínas de Pompeia, templos no Líbano, mosteiros na Síria, paisagens em Israel e as pirâmides do Egito são alguns dos temas das fotografias.

“Considero a coleção de fotos de D. Pedro II a mais abrangente construída por qualquer governante do século 19”, afirma o pesquisador da Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Joaquim Marçal, envolvido no projeto de catalogação e tratamento do acervo.

A maior parte da coleção do monarca pertence à Casa Imperial, em São Paulo, ao Museu Imperial, em Petrópolis, e à Biblioteca Nacional, e sua primeira exibição pública aconteceu só em 2003 na mostra De Volta à Luz, Imagens Nunca Vistas do Imperador realizada no extinto Banco Santos. “Quando comecei a trabalhar no acervo do imperador, na década de 1980, constatei que 80% dele nunca tinha sido identificado, ou seja, durante quase 100 anos, quase tudo ficou guardado”, afirma Marçal.

“Ficamos cerca de 20 anos trabalhando na planificação [as fotos em papel albuminado passaram por um processo químico para serem desenroladas] das fotos do Líbano.”

Em 1840, D. Pedro II adquiriu um daguerreótipo, um ano após o francês Louis Daguerre divulgar esta que é a primeira patente da fotografia. Sabe-se também que o imperador gastou expressivas quantias em serviços fotográficos no Brasil, sendo considerado um mecenas da fotografia nacional. Ele concedeu o título de Photographo da Casa Imperial a mais de 20 profissionais entre 1851 a 1889.

“Naquela época, ter o título e poder imprimir nos seus cartões ‘fotógrafo de sua majestade’ conferia extremo prestígio”, acrescenta Marçal. 

A fotografia teve rápida expansão geográfica pelos centros urbanos. Já nos primeiros anos após a apresentação pública do daguerreótipo, as capitais de importância no período colonial receberam muitos fotógrafos estrangeiros que abriram ateliês e se fixaram no país.

“O francês Theophile Auguste Stahl chega a Recife em 1853 e o alemão Revert Henrique Klumb, um dos fotógrafos paisagistas mais importantes daquele período, se instala no Rio de Janeiro em 1853”, diz a professora de História do Museu Paulista, da Universidade de São Paulo (USP), Solange Ferraz de Lima. 

De acordo com Marçal, ao contrário do que considera o senso comum, as pesquisas históricas indicam que D. Pedro II ?quase não fotografava. “Fotografar era um processo extremamente trabalhoso naquela época, tinha que ter muito tempo e paciência”, esclarece. De toda a coleção do monarca, supõe-se que somente duas imagens sejam de sua autoria.

“Existe um autorretrato de D. Pedro II jovem, feito na Quinta da Boa Vista [onde se localizava a residência da família imperial], que poderia ter sido feito sob a direção dele, além de outra imagem que tudo leva a crer que também tenha sido tirada por ele, mas não existe nenhuma foto de autoria comprovada do imperador.”

Olhar imperial

Mostra traz imagens e outros registros históricos da viagem realizada por D. Pedro II que desencadeou a imigração libanesa para o Brasil

Em cartaz de novembro a janeiro no Sesc Vila Mariana, a exposição D. Pedro II no Líbano – 135 Anos da Visita do Imperador reuniu 25 fotos da viagem do imperador ao país em 1876, além de alguns de seus objetos, como uma espada, a bandeira oficial do Brasil em 1822 e a reprodução de trechos de seu diário.

As imagens da mostra, realizada em parceria com a Associação Brasil Líbano, são de autoria de Félix Bonfils e Giorgio Somer, importantes fotógrafos europeus que trabalhavam no Líbano na época.

“Não existia ainda o conceito de fotógrafo oficial neste período. Então, quando havia visitas solenes, profissionais estabelecidos no Líbano eram contratados para acompanhar a comitiva”, diz o pesquisador da Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Joaquim Marçal.

Apesar de não serem únicas, tendo em vista a reprodutibilidade da fotografia, as imagens de paisagem que ele adquiriu, como a dos templos de Baalbek, são exemplares das melhores fotografias feitas do Líbano, neste período.

O Líbano foi um dos países pelos quais D. Pedro II passou em sua segunda viagem internacional como imperador do Brasil, que teve duração de um ano e seis meses entre paradas e percursos feitos de navio, trem e carruagem.

Acompanhado da esposa, a imperatriz Thereza Christina Maria, e de uma comitiva de aproximadamente 200 pessoas, ele também foi aos Estados Unidos, Canadá, Turquia, Egito, Síria e Palestina.

Admirador da cultura árabe, D. Pedro II estudou a língua, ainda no Brasil, com um arabista alemão. No Líbano, o imperador encontrou-se com vários intelectuais vinculados às ciências e às artes, como o professor Cornelius Van Dyck, da Universidade Americana de Beirute, Nami Jafet, um dos pioneiros da emigração libanesa para o Brasil e o gramático Ibrahim al-Yazigi, que lhe ofereceu livros em árabe, hoje pertencentes ao acervo do Museu Imperial de Petrópolis.

O imperador visitou as cidades de Bkerke, Baabda, Sidon, Tiro, Sofar, Zahlé e Baalbek. “Durante a viagem, D. Pedro fez propaganda do Brasil e disse que os libaneses seriam bem-vindos”, afirma a diretora da Associação Cultural Brasil Líbano, Lody Brais. “Essa viagem deu início a um fluxo migratório para o Brasil”, diz. Calcula-se que existam atualmente cerca de 8 milhões de libaneses e descendentes no Brasil. É o maior número de imigrantes do Líbano no mundo.