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Setor empresarial amplia iniciativas de apoio à comunidade

OSWALDO RIBAS


Programa Petrobras Fome Zero: combate à desigualdade / Foto: Divulgação

O papel das empresas brasileiras, como co-participantes da gigantesca tarefa de reduzir a miséria absoluta do país, nunca esteve tão em evidência como hoje. Desde que o selo das prioridades passou a carimbar programas sociais, como o Bolsa Família, com seu potencial de levar renda a milhões de famílias até então desassistidas pelo poder público, observa-se uma ampla mobilização do setor empresarial para abraçar causas comunitárias. A partir de 2003, conforme registram as estatísticas, ganha espaços cada vez maiores na sociedade brasileira uma intensa cooperação do setor privado com instituições e organizações não-governamentais (ONGs) dedicadas à causa da inclusão de grandes contingentes da população sem acesso a uma infra-estrutura básica de educação, saúde, alimentação, moradia e, claro, trabalho.

Utilizando seus canais de distribuição, recursos financeiros e apelo institucional, grandes empresas como Grupo Pão de Açúcar, Nestlé, Telefônica, Natura, Petrobras, Vale do Rio Doce e bancos como Itaú, Banco do Brasil, BankBoston e Santander, só para citar alguns, passaram a ter, cada vez mais, suas marcas associadas a algum tipo de ação social. "Essa forma de comprometimento corporativo torna a companhia alvo de admiração", afirma Fabián Echegaray, diretor do instituto de pesquisas Market Analysis Brasil. Para ele, os grupos empresariais no Brasil acordaram para um importante desafio: serem rotulados com a etiqueta da responsabilidade social e ambiental.

"Cada vez mais carregar um estigma de irresponsabilidade nessas áreas representa um atestado de morte prematura perante o mercado e, para piorar (ou melhorar) a situação, nos últimos anos o consumidor abriu os olhos para a atuação social das empresas na hora de escolher uma marca ou um fornecedor", diz Echegaray. Segundo o Monitor de Responsabilidade Social Corporativa, um levantamento divulgado em fevereiro pelo Market Analysis Brasil realizado com pessoas de 18 a 69 anos, nove em cada dez (88%) esperam das corporações uma postura ativa na resolução dos problemas sociais locais.

Percebendo os expressivos ganhos de imagem que a empresa socialmente responsável passou a desfrutar entre seus vários públicos - consumidores, fornecedores, acionistas, funcionários -, grandes nomes do empresariado nacional chegam a disputar até um ranking informal entre os que mais destinam recursos a essa área. Entre eles despontam, por exemplo, o empresário Abílio Diniz, que divide com a corporação francesa Casino o controle do Grupo Pão de Açúcar de supermercados. Em 2005, foram R$ 12 milhões investidos pela rede, por meio do Instituto Pão de Açúcar. Outro capitão de indústria já intimamente ligado à causa social, Jorge Gerdau, do grupo siderúrgico que leva seu nome, anuncia que sua empresa deverá aplicar R$ 45 milhões em 2006, em ações como montagem de bibliotecas em escolas públicas, cursos profissionalizantes e instalação de rede de restaurantes comunitários. A lista dos empresários socialmente responsáveis engorda a cada dia e inclui ainda notáveis como Antônio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim; Jorge Paulo Lemann, da AmBev, e Milú Villela, maior acionista isolada do Banco Itaú e coordenadora da ONG Faça Parte, que estimula o voluntariado para ações sociais.

Índice na Bolsa

"Nossa meta é ser uma empresa reconhecida pela sua consciência da importância da inserção social", afirma Sandra Castellano, gerente de Comunicação Corporativa da multinacional de medicamentos Pfizer Brasil. Ela lembra que esse comprometimento tornou-se tão forte que a companhia elegeu o social como um dos pilares de sua ação institucional. Um de seus principais programas, o Cabra Escola, que proporciona o acesso de famílias do semi-árido à atividade da caprinocultura, desde que elas mantenham filhos menores na escola, vem sendo considerado um exemplo de criatividade, associando segurança alimentar, geração de renda e educação.

Sonia Favaretto, superintendente da Fundação BankBoston, também destaca o valor institucional da atuação do banco nas comunidades em que está inserido, e a prioridade dada à questão, em seus quase 60 anos de Brasil. "Desde que foi criada a Fundação BankBoston", diz ela, "temos dois caminhos que norteiam a assistência ao público prioritário de crianças e adolescentes em situação de exclusão: projetos em alianças e parcerias com outras fundações, ONGs, governo e universidades, e a valorização do voluntariado dos funcionários do banco e seus familiares." Sonia enumera cinco linhas principais de atuação do BankBoston: erradicação do trabalho infantil; inserção de minorias; garantia de direitos da criança e do adolescente; voluntariado; e intervenção urbana.

Para incentivar e premiar as empresas e dar dimensão ainda mais corporativa ao seu envolvimento cívico-comunitário, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) lançou, no dia 2 de dezembro, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), indicador que inclui companhias comprometidas com responsabilidade social, ambiental e socioeconômica. A carteira é composta por 34 papéis de 28 corporações, escolhidos entre as 150 ações com maior liquidez da Bolsa.

Salto qualitativo

Ao lado, portanto, da antiga tradição assistencialista, que sempre dominou a relação de empresas e instituições com as classes mais populares, o maior diferencial dessa retomada do sentimento cívico na gestão de pequenas, médias e grandes corporações brasileiras são iniciativas chamadas de estruturais, ou seja, projetos para a população desassistida poder dar um salto qualitativo de cidadania: em vez de doações e filantropia, programas educacionais ou profissionais.

"A idéia central de todo esse movimento é aumentar a esfera do público, introduzindo novos atores, como o setor privado, que, junto com o Estado, possam impulsionar mudanças estratégicas e necessárias à construção de uma sociedade mais justa", afirma Glauco Arbix, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizador de um amplo estudo, em todo o território nacional, exatamente sobre esse comprometimento da área privada com a causa pública.

A Pesquisa Ação Social das Empresas, do Ipea, revelou que a maior parte do setor privado brasileiro está envolvida de alguma forma com a área social. O Ipea concluiu que 59% das empresas do país desenvolvem ações em benefício da comunidade. São cerca de 465 mil companhias que dão sua contribuição. O investimento realizado atinge cifras superiores a R$ 5 bilhões.

A gerente de Comunicação e Responsabilidade Social da AES Eletropaulo, Maria Angela Jabur, lembra que, até 2003, era muito ruim a imagem da Eletropaulo aos olhos do consumidor. "Tínhamos apenas projetos assistencialistas", afirma, acrescentando que foi criada, então, uma gerência para cuidar dessas questões ligada diretamente à presidência da empresa. Desde então, a companhia passou a adotar medidas mais eficazes em relação a seus funcionários e à sociedade. "Para nós, esse assunto não deve ser restringido a uma área, mas atingir a empresa como um todo", completa.

Educação e cultura

Hoje, a Eletropaulo desenvolve uma extensa programação, incluindo iniciativas como o Eletropaulo na Comunidade. O projeto, que faz parte do programa de Eficiência Energética da empresa, está em sua segunda edição. Consiste no desenvolvimento e implementação de eventos itinerantes compostos por uma farta programação sociocultural para as famílias residentes em núcleos de baixo poder aquisitivo.

A educação como instrumento essencial para o desenvolvimento humano sustentável e para a construção de um futuro melhor para o Brasil é o grande lema da política de responsabilidade social do Banco Real ABN Amro e é nela que a instituição concentra suas ações voltadas à inclusão. "Nosso objetivo é criar e apoiar soluções que causem impacto positivo na comunidade, contribuindo para a transformação da realidade social brasileira", diz Laura Oltramare, superintendente de Educação e Desenvolvimento Sustentável do banco.

Para se ter uma idéia da importância que a educação assume nas iniciativas do Real, o balanço de atividades sociais do banco mostra que 70% dos recursos destinados a essa área seguem para programas de educação em ambiente escolar. Os demais 30% são canalizados para ações que envolvem geração de renda e projetos relacionados a raça e etnia. Em 2004, incluindo também patrocínios culturais, como a recuperação de locais históricos e artísticos e o incentivo a práticas esportivas, o total aplicado pela instituição bancária chegou a R$ 16,5 milhões. "Estamos obtendo excelentes resultados tanto na prática do exercício da cidadania entre nossos funcionários, como na realização de projetos de grande alcance social", revela Laura, exibindo números crescentes, que mostram a adesão de 7 mil funcionários ao Amigo Real, com um volume de contribuições de R$ 2,55 milhões.

A Telefônica, que se encontra entre as maiores empresas de telefonia do país, pôs em marcha o programa EducaRede. Trata-se de um projeto de inclusão digital que visa à melhoria da qualidade do ensino na rede pública, e que tem como beneficiários professores e alunos do ensino fundamental e médio. Após quatro anos no ar, o EducaRede está entre os mais consolidados portais educativos nacionais. Com acesso gratuito, registra uma média de 2 milhões de consultas mensais a suas páginas e 43 mil usuários cadastrados - 80% pertencentes à rede pública de ensino. Os conteúdos, as ferramentas e os ambientes do portal têm sido utilizados para a capacitação de professores e a realização de atividades com os alunos das redes públicas estaduais e municipais de sete unidades da federação - Bahia, Mato Grosso do Sul, Ceará, São Paulo, Sergipe, Pernambuco e Paraíba -, em parceria com as Secretarias de Educação. Já foram beneficiadas diretamente 50 mil pessoas.

Buscar uma crescente interação com as comunidades, por meio de parcerias com entidades públicas e ONGs, associações ou grupos organizados da sociedade: assim a Aracruz Celulose, líder mundial na produção de celulose de eucalipto, procura promover suas ações sociais e assegurar condições para um processo de desenvolvimento sustentável. De forma direta, por meio de programas voltados para as comunidades situadas no entorno de suas unidades produtivas, especialmente nos estados do Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a companhia tem projetos cujo foco principal são as áreas de educação e geração de renda, que objetivam contribuir para a melhoria da qualidade de vida. O Projeto Formar, de capacitação em serviço de professores até a quarta série do ensino fundamental, implantado no Espírito Santo, é uma das bandeiras da empresa em escolas dos municípios de Aracruz, São Mateus, Conceição da Barra, Pedro Canário, Ibiraçu, Linhares e Fundão. "O objetivo dessa iniciativa é proporcionar aos docentes uma formação continuada no trabalho, integrando a discussão teórica a práticas inovadoras", diz Jessé Moura Marques, gerente de Relações com a Comunidade da Aracruz. Segundo ele, "com o Formar também podemos melhorar o desempenho da escola por meio de uma concepção de educação que estimula novas formas de atuação e a interdisciplinaridade". Desde 1997, de acordo com dados da empresa, aproximadamente 5 mil professores participaram do projeto, beneficiando 110 mil estudantes.

Hortas urbanas

Mais empenhada em dar assistência também a projetos emergenciais para as populações que têm fome e, portanto, não podem mais esperar, a Fundação Banco do Brasil (FBB) entregou-se a várias iniciativas, entre elas o projeto Hortas Comunitárias Urbanas, que transforma terrenos baldios das cidades em áreas produtoras de verduras e legumes para o consumo de escolares ou de famílias de baixa renda, melhorando a qualidade da alimentação a custos menores e ainda gerando emprego e renda.

"Cada horta comunitária apoiada pela FBB atende, diretamente, a cerca de 150 famílias que vivem em situação de exclusão social e são selecionadas por instituições parceiras. Os beneficiários recebem informações sobre o cultivo, além de ferramentas, sementes e insumos", diz Jacques Pena, presidente da FBB.

Esse projeto procura instalar as hortas comunitárias em lotes vagos, de modo a abastecer as famílias que moram nas proximidades desses terrenos. São cultivados alface, tomate, rúcula, couve, espinafre, repolho, alho, rabanete, beterraba e cenoura, entre outras verduras e legumes. Na maioria dos casos, o plantio é feito a partir dos princípios de agricultura orgânica, ou seja, sem os inseticidas e fungicidas tradicionais, o que garante mais qualidade aos produtos.

A Petrobras, maior empresa do país, também está desenvolvendo uma ampla estratégia de intervenção social. No fim de 2005, cearenses, mineiros, amazonenses, paulistas, paranaenses e demais representantes de 74 projetos sociais de todos os estados uniram-se na sede da companhia, no Rio de Janeiro, para uma comemoração em comum. Eles assistiram ao anúncio da seleção pública que aprovou suas propostas para integrarem o Programa Petrobras Fome Zero, que destinará R$ 18 milhões a iniciativas que têm o objetivo de fortalecer o combate à desigualdade social no país por meio da geração de emprego e renda, melhoria das condições de educação e qualificação profissional para jovens e adultos, além da garantia dos direitos da criança e do adolescente. Em 2006, a companhia investirá R$ 303 milhões em projetos do Programa Petrobras Fome Zero, que atenderão a mais de 4 milhões de pessoas. Para o presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, não basta apenas distribuir os recursos que a companhia tem, mas também dar condições para que os projetos sobrevivam ao longo do tempo.

Contrapartida

Espécie de financiador de última instância de vários programas sociais, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal banco de fomento do país, está empenhado em dar uma dimensão sem precedentes no combate à exclusão. Segundo seu diretor de Inclusão Social, Maurício Borges Lemos, a instituição vai vincular a concessão de qualquer linha de crédito às empresas brasileiras a uma contrapartida de intervenção social. "Dessa forma, poderemos ampliar o grau de comprometimento de grandes companhias e também do banco a iniciativas destinadas a reduzir as desigualdades regionais."

Educação e saúde são os dois eixos principais das ações comunitárias da Fundação Itaú Social, entidade criada no ano 2000 com o objetivo de garantir recursos, de modo permanente, aos projetos desenvolvidos e apoiados pelo Banco Itaú. Baseada no conceito de cidadania empresarial, ou seja, o setor privado comprometido com questões comunitárias, a fundação, com parcerias estratégicas, como as que mantém com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Universidade de São Paulo (USP), está desenvolvendo e implementando mais de uma dezena de projetos.

Ana Beatriz Patrício, superintendente da fundação, destaca que, nesses cinco anos, foram várias as iniciativas que renderam benefícios às comunidades onde atuou. Entre elas, Ana menciona o Raízes & Asas, programa que focaliza o papel da escola na comunidade; o Educação & Participação, voltado para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, e o Jovens Urbanos, que oferece formação qualificada aos jovens da periferia das grandes cidades.

Coincidência ou não, o fato é que, a partir de 2003, a taxa de pobres e indigentes no Brasil passou a declinar. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a economista Sonia Rocha, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) verificou que nas áreas metropolitanas, de 2003 a 2004, o percentual de pobres recuou de 39,8% para 38,7%, enquanto o de indigentes, no mesmo período, caiu de 9,5% para 7,9%. Bastante significativo é o fato de a grande contribuição para a erradicação da miséria extrema ser procedente das áreas rurais. A queda da indigência no campo foi de mais de 3 pontos percentuais de um ano para outro. Mesmo assim, o Brasil ainda abriga um exército de 57,7 milhões de pobres, dos quais 3,3 milhões vivem na mais negra miséria. Ou seja, a situação melhorou, mas certamente ainda há muito a ser feito, tanto em termos de políticas públicas quanto em mobilização do setor privado.

 

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