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Na vanguarda do atraso
Falta muito para o Brasil alcançar as nações mais desenvolvidas na corrida da atualização tecnológica
Na década passada, a que se dá como perdida no Brasil, os gastos nacionais em ciência e tecnologia não passaram de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB). É uma taxa desconsoladoramente baixa, quando comparada à de países industrializados, onde nunca fica em menos de 2% ou 3%. E é uma taxa assustadoramente baixa, quando se calcula quanto o país precisa avançar para se equiparar aos concorrentes num mercado globalizado como o que se espera para o próximo milênio.
Um estudo da Unesco, órgão das Nações Unidas a que estão afeitos os assuntos de educação, ciência e cultura, divulgado no ano passado, revela que os gastos com pesquisa e desenvolvimento da Argentina, em 1990, equivaliam a 0,8% de seu PIB, enquanto o Chile aplicava 0,5%, só para citar dois dos mais fortes parceiros e concorrentes do continente latino-americano. Em 1991, ainda segundo a Unesco, a China investia 0,7% do seu PIB nesse setor, a Coréia do Sul, 1,9%, Taiwan, 1,7% e Cingapura, 1,3%. Entre os países mais ricos, o Japão aplicava mais de 3%, os EUA, 2,7% e a Alemanha, 2,6%.
Há muito a fazer, ainda, no Brasil, principalmente quando se sabe que, além da escassez dos recursos destinados à tecnologia, há uma clara concentração da responsabilidade pelos gastos da área no setor público.
Aqui, 80% do que se investe em ciência e tecnologia vêm do governo, mas nos países industrializados do Ocidente as empresas se encarregam de pouco menos da metade desses programas. A média tem sido de 40%, mas sobe a 80% na Coréia do Sul e a 70% no Japão.
Há ainda outro agravante nessa situação - o fraco relacionamento entre universidade-empresa -, o qual foi citado pelo ministro José Israel Vargas, da Ciência e Tecnologia, ao anunciar a meta nacional de elevar os gastos nacionais no setor a 1,5% do PIB já em 1999, ampliando a participação das empresas para 30% ou 40% desse total. É a meta do Plano Plurianual, iniciado no ano passado e que deve ser concluído antes da virada do século. Para isso, o governo pretende reforçar a infra-estrutura científica e tecnológica, reduzindo a distância entre a pesquisa e a produção para encontrar soluções que melhorem a condição de trabalho das empresas (produto e processo), a fim de aperfeiçoar a qualidade de vida do brasileiro.
Um claro sinal de que as coisas podem estar melhorando, mas não vão bem, é o dado revelado por levantamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), segundo o qual foram investidos no ano passado R$ 41 milhões em bolsas no Brasil e R$ 5 milhões no exterior para pesquisadores de diversas áreas. Em 1994, o CNPq e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) forneceram quase 63 mil bolsas no país e quase 5 mil no exterior, mas não há dados sobre o retorno desses investimentos. Agora, começa a se desenvolver um programa para atrair esse pessoal de volta ao país, acenando com a possibilidade de emprego atraente. Só em Boston (EUA), informa o Itamaraty, estudam 2 mil brasileiros como bolsistas, e a maioria confessa não encontrar estímulos para aplicar, aqui, o que aprende lá.
Trabalho precário
Em recente artigo publicado na imprensa paulista, Luiz Pinguelli Rosa, diretor de Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, chamou a atenção da opinião pública para o perigo do esvaziamento do que considera o conjunto de agências sérias dos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia,- o CNPq, a Capes e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), por redução das verbas disponíveis. Segundo ele, alguns programas desses órgãos não recebem mais de 20% das dotações previstas desde 1996. Na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em julho em Minas Gerais, comentou-se a precariedade do trabalho dos cientistas brasileiros e seu isolamento, de que resulta o pequeno alcance da pesquisa nacional.
A crise do Estado brasileiro não só reduziu as verbas para a área como concentrou fortemente sua distribuição. Foi dito na SBPC que menos de 20 institutos de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais recebem quase todos os US$ 60 milhões destinados a formar doutores no exterior. O Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) financia 77 projetos, dos quais 66 estão nesses três estados. O presidente da SBPC, professor Sérgio Henrique Ferreira, considera fundamental a criação de uma frente suprapartidária em defesa da ciência e da tecnologia. A idéia é desenhar um projeto nacional de desenvolvimento para o setor. Disso deve resultar, entre outros efeitos, a necessária aproximação entre a pesquisa e a produção.
A ação do governo deve se basear, como tem assinalado o ministro José Israel Vargas em quase todas as suas manifestações públicas, no reforço da legislação específica para concessão de incentivos fiscais aos empresários que investem em tecnologia e no oferecimento de linhas de crédito para suportar seus programas. O objetivo é dar condições às empresas para que se expandam, integrando-se ao mundo globalizado de forma competitiva.
O instrumento básico do governo é formado pelas leis 8.248, de 1991, e 8.661, de dois anos depois. Esta última autoriza empresas industriais e agropecuárias a abater parte do Imposto de Renda (IR) e reduz o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) se estiverem executando algum plano de desenvolvimento e pesquisa. A lei 8.248 atende especificamente o setor de informática e automação. Em alguns casos, os benefícios fiscais podem significar uma economia de até 50% do custo do projeto. O problema é que as leis estão aí, mas ainda quase inexploradas.
No primeiro ano de vigência da lei 8.661, em vigor desde 1994, apenas uma empresa se candidatou a receber incentivos fiscais (do IR e do IPI) como prêmio pelos investimentos feitos em ciência e tecnologia. De lá para cá, a situação melhorou, mas os técnicos do governo consideram ainda muito baixo o índice de aproveitamento dos planos de incentivo à inovação tecnológica pelas empresas brasileiras.
Duas vezes (em 1995 e em janeiro deste ano), o assunto foi alvo de pesquisa conjunta da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que, a rigor, reúne boa parte dos usuários do programa, e do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), a principal origem dos planos oficiais de estímulo.
O nome da pesquisa é Estudo da Demanda do Setor Privado por Investimentos em Tecnologia. O desencontro entre a oferta de incentivo fiscal e a capacidade empresarial de se valer dele pode ser medido pelas conclusões dessa pesquisa, segundo as quais enquanto 6% das grandes empresas utilizam os programas de incentivos fiscais, somente 2% das micro e pequenas empresas e 1% das médias fazem isso. Pela mesma razão, entre as empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento, 77% das micros são obrigadas a fazer isso contando apenas com recursos próprios. Entre as pequenas, o índice apurado pelo estudo foi de 66% e entre as médias, de 57%. Quanto às grandes, só 38% usam recursos próprios estritamente. Têm conseguido alguma forma oficial de financiamento apenas 7% das micros, 22% das pequenas, 29% das médias e 38% das grandes.
Em resumo, são três as causas do que se poderia chamar sobra de recursos ou mesmo desperdício de incentivos. A primeira é a falta de informação. O empresário não sabe que programas existem ou, se os conhece, ignora como pode ter acesso a eles.
A segunda causa é a ainda reduzida decisão de investir que inibe os programas na área. Só a estabilidade trazida pelo Plano Real é insuficiente para a maior parte dos empresários nacionais - que gerenciam empresas de pequeno e médio porte - se aventurarem em investimentos de vulto. Antes disso, estão ocupados em ajustar suas empresas ao mercado, cada vez mais aberto à concorrência nacional e internacional. O passo seguinte depois desse ajuste, prevêem especialistas, será investir em tecnologia.
Desencontro
A terceira causa é quase um contra-senso, comprovado na pesquisa CNI/MCT e em levantamento feito pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e pelo BNDES: a clientela dos programas não se encaixa nas exigências estipuladas. Ou seja, o empresário precisa de incentivo, o plano existe, mas as duas pontas não se encontram. É que a maior parte dos programas é de incentivos fiscais, ou seja, desconto do imposto a pagar por quem investe em tecnologia - mas micro e pequenos empresários em geral ficam isentos dos principais tributos federais. O BNDES e o Sebrae (órgãos que, como o MCT e a CNI, são, respectivamente, fornecedor e usuário de financiamentos) verificaram que, no ano passado, 70% dos microempresários ouvidos informaram não ter tido capital para adotar novos métodos de produção como queriam, ou que não puderam se valer do desconto do IR simplesmente por estarem isentos desse recolhimento. Ou seja, a vantagem oferecida se anulava.
Essa afirmação é feita com base em outro dado levantado pelo estudo da CNI/MCT, segundo o qual os projetos de investimento em execução ou em planejamento nas empresas, de 1997 a 2001, devem se concentrar na modernização do parque fabril. As prioridades são a formação de pessoal habilitado para operar máquinas mais modernas (a segunda entre as prioridades citadas) e a capacidade de ajudar os departamentos de pesquisa a desenvolver novos produtos.
Entre as grandes empresas, a intenção de comprar equipamentos mais sofisticados é citada por 86% dos entrevistados, pois 75% deles pretendem lançar produtos inovadores no mercado. Para isso, precisam capacitar e treinar seu pessoal, como indicaram 84% dos entrevistados.
Os números crescem quando se ouvem os empresários de médio e pequeno porte, pois 92% dos primeiros e 87% dos segundos dizem precisar renovar seus equipamentos para se manter ou evoluir no mercado.
Em 1995, primeiro ano da enquete, 22% das empresas brasileiras gastavam entre 2% e 5% do faturamento líquido com pesquisa tecnológica; 14% aplicavam mais de 5%, e a grande maioria (74%) gastava menos de 2% ou, pior, não tinha planos para o setor.
Mas a situação mudou, e pode-se dizer que melhorou, ainda que o Brasil esteja longe dos países mais adiantados, nesse item (ver texto abaixo).
No começo de 1997, a CNI e o MCT verificaram haver, entre os empresários ouvidos, disposição de dobrar até o ano 2001 o número de quem investe entre 2% e 5% de suas vendas. Dos empresários entrevistados, 14% investem, agora, 5% ou mais de seus recursos em tecnologia e 28% deles querem estar gastando isso no ano 2001.
Ao lado dessa tendência, persiste um enorme desconhecimento dos programas oficiais. A pesquisa indica que 80% das 1.012 pessoas consultadas ignoravam a existência desses planos. É por isso que 60% das empresas usam capital próprio para financiar projetos, e tão poucas, 2% apenas, se valem dos benefícios fiscais para complementar seus esforços. As que procuram alguma forma de financiamento oficial chegam a 30% das que investem em ciência e desenvolvimento.
Em recente seminário realizado pelo MCT em São Paulo, foram divulgados dados segundo os quais já estão incluídas nesses programas 250 empresas que, como conseqüência dos projetos desenvolvidos ou em execução, prevêem faturar em exportações R$ 9,5 bilhões este ano.
O peso do atraso
O relatório anual da Unesco sobre a situação da ciência e da tecnologia no mundo identifica uma prioridade básica para os países latino-americanos. É fundamental harmonizar a pesquisa a políticas de industrialização, de modo a fazer com que a tecnologia contribua efetivamente para o processo de modernização industrial, requisito necessário para a retomada do crescimento econômico, que por sua vez é imprescindível para reduzir a pobreza no continente e integrar grandes camadas da população no processo de desenvolvimento.
A mesma recomendação se faz para as áreas de saúde, agricultura, ambiente e energia, diz estudo encomendado a Guillermo Cardoza e Raimundo Villegas, professores venezuelanos.
Os especialistas compararam dados do Brasil, da Argentina, do Chile, do México e da Venezuela, que consideram os países de maior produção científica no continente latino-americano, com os dos chamados NICs, sigla inglesa que identifica os Novos Países Industrializados do Sudeste Asiático, Coréia do Sul, Cingapura e Taiwan.
Nesses países, desde os anos 80, houve um significativo esforço para expandir os gastos em pesquisa e desenvolvimento, ao contrário do que ocorria nas nações da América Latina, imersas em crises econômicas consideráveis. Resultado disso é que, já em 1990, havia se alargado fortemente a distância entre o número de pesquisadores por milhão de habitantes dos três NICs e o dos seis países latino-americanos. Da mesma forma, não há quase como comparar os dados da produção científica nesses dois grupos.
Dessas e de outras circunstâncias, assinala o estudo, resultou uma situação em que o crescimento do PIB dos países asiáticos é reflexo direto de um volume muito maior de produtos de maior valor agregado, que formam sua pauta de exportações. É óbvio, lembra o estudo, que outros fatores, como inflação e valorização das moedas nacionais, têm influência nos resultados econômicos globais. Mas não se pode desconsiderar, conclui, o peso da decisão política de dar prioridade a programas específicos de pesquisa e desenvolvimento, integrados ao modelo de desenvolvimento industrial.
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