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Distanciamento físico, sim, social, não

Foto: Clóvis Farias
Foto: Clóvis Farias

Texto: Rosângela Barbalacco e Gustavo Nogueira de Paula

 

A continuidade das ações do Trabalho Social com Idosos durante a pandemia de covid-19

 

Desde seu início, na década de 1960, o Trabalho Social com Idosos (TSI), do Sesc, teve como característica predominante a integração dos idosos à sociedade. Inicialmente, para integrar o idoso nas mais variadas atividades sociais e, atualmente, procura-se a integração com o idoso e com a comunidade para que, em conjunto, seja possível construir novos olhares para o envelhecimento.

Tudo sempre foi feito por meio do contato direto. O trabalho institucional se entrelaça, assim, com os saberes dos velhos a fim de se criar novos caminhos para esse período da vida.

No momento, o Trabalho Social com Idosos (TSI), mais do que inserir o idoso à sociedade como era feito no início do trabalho, busca integrar-se ao processo social e cultural que é o envelhecimento humano e contribuir para a desconstrução de estereótipos. Todas as unidades do Sesc São Paulo desenvolvem atividades para os maiores de 60 anos, distribuídas nos eixos Arte e Expressão, Corpo e Movimento, Sociedade e Cidadania. Até o início da pandemia do novo coronavírus, podemos dizer que todas essas ações eram presenciais, mas, desde então, estão sendo desenvolvidas e implementadas à distância, algo que será cada vez mais constante na programação de modo geral, visando o atendimento da maior quantidade e variedade possíveis de idosos pelo Brasil afora.

Vale notar que o idoso é um ser presente em todas as unidades do Sesc e contribui com sua presença para a pluralidade da instituição. Quando da chegada da pandemia às ruas, era impossível prever como ela iria de fato acontecer. Mesmo com as notícias vindas da China, Europa e outras localidades, poucos conseguiram prever a forma com que a covid-19 se desenvolveria no Brasil. Diante deste cenário, uma das dúvidas primordiais que encontramos, enquanto membros da Gerência de Estudos e Programas Sociais (Gepros), foi: como manter as ações cotidianas do Sesc e, ao mesmo tempo, alertar sobre a periculosidade da doença, sobretudo para as pessoas mais velhas?

As programações e planejamentos seguiam normalmente, mas a partir do início de março percebeu-se que isso seria inviável. O clima, um misto de dúvidas e preocupação, tornou os ambientes tensos e a principal preocupação passou a ser de fato a saúde do público frequentador do Sesc, bem como a de nossos colegas de trabalho. Acompanhando as decisões dos governos estaduais e municipais, as unidades do Sesc foram fechadas e, definitivamente, as ações precisariam ser revistas, repensadas e reestruturadas. Não temos mais a presença física do idoso. Por outro lado, temos a experiência da instituição, construída ao longo desses 57 anos de Trabalho Social com Idosos (TSI), que nos guia, juntamente como a escuta dos anseios e desejos dos mesmos. Assim, está sendo possível construir possibilidades de atuação, mesmo que sem o tão precioso contato físico.

Com a necessidade do distanciamento social, o Trabalho Social com Idosos (TSI) precisou reinventar-se com rapidez para adaptar suas atividades, ações e atitudes e, dessa forma, continuar atendendo seu grande público. De imediato, constatou-se a necessidade de manter contato com seus participantes, fosse pelo telefone, grupos de mensagens ou encontros virtuais. Não apenas para manter as programações regulares, mas também para acompanhar da melhor forma possível a saúde dessas pessoas, bem como se tornar uma fonte confiável de informações, vista a avalanche de notícias que começaram a surgir, muitas delas falsas.

Contudo, antes de qualquer contato com o público, existia a necessidade de se estabelecer uma comunicação constante e direta com os técnicos e técnicas responsáveis pelos programas nas unidades. Foram criados grupos, em diferentes redes sociais, para agilizar a troca de informações, sugestões, ideias e assim por diante. No início, havia até mesmo o compartilhamento a respeito de idosos que contraíram o novo coronavírus, algo que, felizmente, foi contornado com o estabelecimento de fato da quarentena. Ao todo, cerca de 40 pessoas integraram o grupo de técnicos para discussões.

Isso facilitou e dinamizou bastante a comunicação e a divulgação de boas iniciativas. Mesmo com formas diferentes de interação e participação, os grupos têm funcionado de maneira bastante satisfatória, auxiliando a todos e todas no manejo das crises e no desenvolvimento de atividades.

Além disso, muitos técnicos de referência do Trabalho Social com Idosos (TSI) passaram a estabelecer rotinas de conversas e troca de experiências, ensinando a confecção de máscaras, dando apoio às instituições carentes e/ou parceiras, assim como ações correlatas a estas. A diversidade de público já era conhecida em relação aos frequentadores e frequentadoras do Sesc, mas com a necessidade de contato mediado pela tecnologia, essa multiplicidade mostrou-se ainda mais evidente.

Outra questão veio à tona, trazida pela pandemia: com os idosos no centro das atenções em relação à mortalidade da doença, várias foram as declarações preconceituosas a esse respeito, desde pessoas comuns a líderes governamentais relativizando/minimizando este problema, considerando como menores as mortes das pessoas com mais de 60 anos, até a enorme quantidade de memes, piadas e declarações desrespeitosas para com os mais velhos. Mesmo sabendo que o etarismo (velhofobia, ageísmo, etc.) não é novidade, parece que acabou por ser normalizado e/ou aceito. Em várias redes era possível encontrar alguma manifestação desta natureza. Isso nos mostra que há ainda muita luta pela frente e a importância do trabalho constante de conscientização das pessoas.

De forma geral, conseguiu-se estabelecer uma boa rede de contatos com os idosos e idosas participantes das atividades do Trabalho Social com Idosos (TSI) nas unidades. Aos poucos, fomos recebendo novidades, vindas das mais variadas unidades da capital, interior e litoral. Mensagens carinhosas em agradecimento aos técnicos e técnicas de referência do programa começaram a surgir, vídeos gravados pelos idosos e muito mais. Uma das principais ações realizadas neste período foi o Ponto de Encontro.

O Ponto de Encontro, inserido no eixo Sociedade e Cidadania, esteve presente em todos os períodos históricos do Trabalho Social com Idosos (TSI), com nomes variados, mas com a mesma essência. Nele, os idosos se encontram e se reconhecem em primeiro lugar. Então, realiza- se uma troca entre o técnico do TSI e os idosos. E, a partir daí, acontece uma tentativa de integração. Os maiores de 60 são convidados a opinar sobre a programação do Sesc, tanto aquelas já realizadas como aquelas que estão sendo elaboradas, além de falar de seus anseios e experiências. O técnico ouve, troca, e realiza o diagnóstico para propor atuações ancoradas na realidade.

A ação cumpre essencialmente o objetivo de sociabilizar. É o momento de ver, ser visto, abraçar, beijar, conversar, se emocionar. Com a pandemia, de um dia para o outro ele deixou de existir presencialmente, mas o desejo do encontro permaneceu e foi seguindo as diretrizes e objetivos do Trabalho Social com Idosos (TSI) que os técnicos do Sesc perceberam que era possível construir pontos de encontro virtuais. O objetivo de construir conhecimento ajudou nesta fase inicial. Dentro deste pensamento de aprendizado constante, as unidades mantêm oficinas de iniciação digital para os maiores de 60, em parceria com o ETA (Espaço de Tecnologia e Artes). Para o encontro virtual, os educadores, habituados com o público, construíram tutorias para a utilização de aplicativos.

Assim, chegamos a outro objetivo: descontruir estereótipos. Ao contrário do que o senso comum imagina, é possível que o idoso utilize as redes sociais, as novas tecnologias, para concretizar seu desejo de encontro. É possível aprender e construir conhecimento na velhice, o que gera prazer, senso de pertencimento e melhoria na qualidade de vida. Dessa maneira, foi possível realizar o Ponto de Encontro Virtual, inicialmente desenvolvido pela unidade de Sorocaba e, posteriormente, acontecendo em várias unidades. O chamado para a ação é feito via aplicativos de comunicação, redes sociais, telefone, entre outras possibilidades.

Participar de um Ponto de Encontro Virtual é um evento inspirador e motivador. À medida que os rostos vão surgindo nos quadriculados da tela, várias realidades são descortinadas: a idosa que mora só e continua produzindo encomendas de comida italiana para sobreviver; os idosos que moram com os filhos e contam com sua ajuda para acessar os meios digitas; uma senhora com o sorriso largo congelado ao ver os companheiros, depois de tanto tempo de isolamento.

Renovam-se as esperanças, pois fica patente que o distanciamento pode ser apenas físico. Foram comuns os depoimentos que os idosos participantes enviaram, como este a seguir, recebido pela técnica de São José do Rio Preto:

Boa noite, Fernanda! Você nem imagina como foi boa a videochamada, fiquei com astral lá em cima, me deu um ânimo, não sabia que isso era tão animador! Muito obrigada, adorei! Bjs.

Além do Ponto de Encontro Virtual, as unidades do Sesc têm desenvolvido uma série de ações à distância para os maiores de 60. Temos como guia a experiência acumulada ao longo de tantos anos, bem como a construção de conhecimento técnico, reestruturado constantemente em contato com as novas realidades. Dentre as principais ações, podemos mencionar a continuidade de duas importantes ações em rede, sendo elas: a “Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa” (realizada entre os dias 15 e 21 de junho) e a “Semana de Prevenção de Quedas” (realizada entre os dias 22 e 28 de junho), ambas de 2020. Adaptadas para serem desenvolvidas totalmente online, as campanhas passaram por transformações, visando à continuidade dos atendimentos e também à disseminação das informações.

Com a temática “Onde mora a violência?”, a Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa convidou o médico Alexandre Kalache, especializado em estudos do envelhecimento, o prof. Alexandre Silva, doutor em Saúde Pública e especialista em Gerontologia, além da escritora Conceição Evaristo, para um debate transmitido ao vivo em diferentes redes sociais. Já para a semana de Prevenção de Quedas, os convidados foram: dr. Marcelo Valente, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – secção São Paulo (2018-2020), e o docente do Departamento de Gerontologia da UFSCar, dr. Tiago Alexandre, também para um debate transmitido ao vivo, via redes sociais. Vale ainda destacar que alguns idosos tiveram participação mais intensa durante a Campanha de Conscientização da Violência, gravando vídeos com o celular, em que relatam sobre violências vividas pelos próprios ou por pessoas próximas. Ao todo foram gravados seis vídeos, sendo que três deles foram editados e disponibilizados pelos canais do Sesc para que pudessem ser compartilhados. Isso demonstra ainda mais o caráter de cocriação e coparticipação dos idosos emrelação às ações e projetos do Trabalho Social com Idosos (TSI) no Sesc São Paulo.

A pandemia nos mostra cada vez mais a necessidade de estarmos constantemente em processo de reinvenção e atualização. A urgência fez com que medidas rápidas fossem tomadas e cada vez mais as atividades a distância devem se consolidar, não apenas pela saúde e segurança das pessoas, mas também pelas possibilidades de alcance e difusão. Os próximos passos ainda são incertos, mas apontam, com certeza, nessa direção.

De toda forma, parece que a pandemia não dará trégua num espaço curto de tempo. As reflexões e reformulações em relação aos formatos de programação continuarão, visto que as ações online não poderão ser interrompidas, pelo contrário, tendem a ser expandidas. Que tudo isso reverbere em mais opções e possibilidades às pessoas idosas e que a pandemia seja mais uma história de superação que contaremos no futuro.