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Nas cordas da criação
Ao unir tradição e modernidade, bandolinista inspira novas gerações
de artistas e defende a coletividade em ambiente virtual
Hamilton de Holanda escreveu um novo capítulo na história da música ao acrescentar um par extra de cordas ao bandolim tradicional. O resultado, segundo o jornalista e crítico musical Irlam Rocha Lima, foi a união da tradição à modernidade, instigando novas gerações de músicos a utilizar o instrumento não só em formações de choro, mas também de jazz, rock e até pop. Nascido em 1976, no bairro carioca de São Cristóvão, teve o pai, o violonista José Américo de Oliveira, como incentivador. Desde pequeno, já em Brasília, para onde a família se mudou quando Hamilton tinha apenas um ano de idade, esteve rodeado de instrumentos de brinquedo. Aliás, foi na capital do país que ao lado do irmão, Fernando César, montou o grupo Dois de Ouro e, das apresentações no Clube do Choro, despontou pelo Brasil e para o mundo em carreira solo. Radicado no Rio de Janeiro há mais de 15 anos, o bandolinista aproxima-se do público, neste cenário de isolamento social, graças a apresentações online. Caso da live realizada em abril, com o acordeonista Mestrinho pelo #SescAoVivo. Nesta entrevista, Hamilton fala sobre esses encontros virtuais, em especial o NOSSOBANDO – Festival de Ideias Colaborativas, evento que criou com o produtor Marcos Portinari para discutir ideias sobre o bandolim de dez cordas e o choro. O músico destaca ainda a importância da coletividade “para enfrentarmos essa pandemia da maneira mais branda e produtiva possível”.
CRIATIVOS EM COLETIVO
A minha agenda de apresentações foi cancelada de ponta a ponta, shows no Brasil, Estados Unidos, Europa. Por isso me articulei para que ficar em casa não fosse uma atividade tediosa. Além da solidariedade que o momento exige, temos que usar a inventividade, a qual funciona se associada à coletividade. A pessoa criativa sozinha em seu próprio mundo não adianta, então criamos [Hamilton de Holanda e Marcos Portinari] esse festival para juntar as pessoas. Quando conversamos e trocamos ideias, acabamos por descobrir soluções para problemas comuns. Às vezes, um comentário sincero sobre as nossas experiências pessoais se conecta com o pensamento de quem nos ouve. O objetivo era a integração. Que conseguíssemos nos inspirar em nós mesmos e que esse fluxo inspirasse outras pessoas a terem boas ideias e atitudes para enfrentarmos essa pandemia da maneira mais branda e produtiva possível.
NOSSO BANDO
A série de conferências virtuais NOSSOBANDO – Festival de Ideias Colaborativas, realizada no mês de abril, que reuniu músicos interessados em choro e bandolim de dez cordas, foi uma iniciativa que talvez não acontecesse se não estivéssemos neste momento. Apesar de há muito tempo pensar em um festival sobre bandolim, choro e improvisação, a pandemia criou a necessidade de inventarmos novos processos. Para mim, foi um sonho porque venho desenvolvendo esse trabalho com o bandolim de dez cordas desde 2000, e hoje há músicos que vivem só de tocar esse instrumento. Foi emocionante ver cada um deles compartilhando sua história durante o festival online.
Além da solidariedade que o momento exige,
temos que usar a inventividade,
a qual funciona se associada à coletividade
JUNTOS NA REDE
Não fui só eu que mudei minha relação com as redes sociais, mas o mundo inteiro. Ainda bem que temos a internet para nos aproximar. Eu já tinha uma atividade grande, mas, agora, creio que se intensificará cada vez mais na tentativa de lidar com a ausência de shows. Sou um cara de palco, de sentir a emoção, de estar me apresentando, então, preciso, no meu dia a dia, criar situações nas quais eu preencha o meu coração também. Ao mesmo tempo que preencho o coração, surgem oportunidades nas redes sociais. Estou bem ativo e vou ficar cada vez mais para saber sobre todas as etapas técnicas que envolvem lives e shows reproduzidos online. Com isso, vou melhorar o que faço e, acima de tudo, chegar mais perto das pessoas.
FEITO POR ELAS
Sou um eterno incentivador da trajetória de mulheres tocando, fazendo música instrumental. Nos meus shows, a quantidade de mulheres no público é equilibrada com a de homens, mas, se comparado à presença nas redes sociais, vejo que é menor. No último show que fiz, levantei essa bola e gostaria de ver mais meninas tocando. Conheço várias instrumentistas e acompanho o trabalho delas. Precisamos dessa força e delicadeza que a mulher traz à música. Tia Amélia [leia o Perfil na Revista E de maio sobre essa grande dama do choro] é um exemplo clássico. Chiquinha Gonzaga, que foi uma pioneira, é uma referência para todos nós. Acho que mais mulheres podem se inspirar na trajetória de instrumentistas de diferentes períodos históricos. Posso citar a Dani Spielmann, saxofonista e flautista que toca choro, e, pelas redes, também vejo mais mulheres instrumentistas compartilhando vídeos de suas apresentações. Eu continuarei a incentivar para que esse número aumente cada vez mais.
Assista à live de música com Hamilton de Holanda e Mestrinho realizada pelo #SescAoVivo no YouTube do Sesc São Paulo