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Moderno por excelência

Acervo Lucio Costa
Acervo Lucio Costa

Enquanto as viagens e deslocamentos entre as cidades do país estão em suspenso devido à pandemia, podemos revisitar a obra de Lucio Costa nos livros, como a reedição de Lucio Costa – Registro de uma Vivência, lançada pelas Edições Sesc São Paulo e Editora 34 (leia Na estante), ou em imagens de seus projetos mais conhecidos disponíveis na internet (leia boxe Ideias na prática), para ser admiradas em detalhes.

O arquiteto nascido na cidade francesa de Toulon, em 1902, estabeleceu-se no Brasil, onde finalizou os estudos na Escola Nacional de Belas Artes carioca, em 1924. Na esteira de sua formação, desponta o arquiteto, urbanista, teórico e conservador do patrimônio histórico, facetas do seu legado. Sem Lucio Costa, a “arquitetura moderna brasileira seria impensável”, observa o editor do livro publicado pelas Edições Sesc e Editora 34, Milton Ohata.

 

Ativo e reativo

Costa chegou a ser diretor da Escola Nacional de Belas Artes, após a Revolução de 1930. No curto tempo em que exerceu o cargo – foi exonerado em 1931, em decorrência das medidas inovadoras que implementou –, promoveu mudanças substanciais na instituição, estimulando a contratação de um novo quadro de professores, fato que desagradou os mais antigos.

Entre os contratados, o ucraniano Gregori Warchavchik e o alemão Alexander Buddeus. Sua gestão é lembrada pelo Salão Revolucionário de 1931, evento na então capital do país, o Rio de Janeiro, do qual participaram artistas da vanguarda paulista responsável pela Semana de Arte Moderna de 1922: Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Di Cavalcanti.

 

Pensador em ação

A vertente humanista de Costa o levou a não separar de modo estrito a arquitetura do urbanismo, afirmando que essa não era uma cisão possível. A organicidade de projetos era evidente ao pensar na dinâmica de cidades abertas que otimizavam a circulação de pessoas, com projetos de residências que abarcavam amplas janelas, e a área aberta e de convivência dos pilotis e dos jardins. Os pilotis têm origem no arquiteto franco-suíço Le Corbusier e são pilares feitos de concreto que sustentam uma construção, mas com espaço vazado entre eles, configurando um fôlego ao térreo, onde circulam as pessoas.

Ao explicar as superquadras de Brasília (grandes quarteirões distribuídos na Asa Norte e na Asa Sul da capital federal), em um dos textos reunidos no livro, Costa vai além e trata dos conjuntos de edifícios residenciais sobre pilotis, que têm na cidade, pela primeira vez, presença urbana contínua. A sensibilidade de seu olhar direciona para a compreensão do chão, que em suas palavras é público, porque “os moradores pertencem à quadra, mas a quadra não lhes pertence. Não há cercas, nem guardas, no entanto, a liberdade de ir e vir não constrange nem inibe o morador de usufruir de seu território, e a visibilidade contínua assegurada pelos pilotis contribui para a segurança”, escreve.

 

Mãos à obra

Se o desenho e as formas de Brasília são capítulos de referência para a arquitetura mundial, o Plano Piloto de autoria de Lucio Costa é emblemático. Um plano piloto é um projeto que embasa a construção de um empreendimento e foi com esse instrumento relacionado ao urbanismo que a sua ideia venceu o concurso, em 1957, para o projeto urbanístico da nova capital, inaugurada em 21 de abril de 1960. Na opinião de Maria Elisa Costa, filha de Lucio e também arquiteta, “as pessoas tendem a achar que o plano piloto é mera aplicação dos conceitos dos Ciam, em voga na época; mas, na verdade, se Brasília buscou nos Ciam o princípio da cidade-parque, dos espaços abertos, dos pilotis livres, buscou na tradição as suas escalas, e é a liberdade sem preconceitos dessa mistura que a define e singulariza”.

Ciam é a sigla para Congresso Internacional da Arquitetura Moderna (Congrès Internationaux d’Architecture Moderne), organização fundada na Suíça, em 1928, considerada o marco acadêmico da arquitetura moderna, com encontros promovidos em diferentes locais, como França, Inglaterra, Alemanha e Bélgica.

Costa também foi diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos (DET), do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), criado em 1937 por determinação do ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema.

A necessidade de preservar o patrimônio cultural brasileiro levou Capanema a convidar o escritor Mário de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, para elaborar o anteprojeto de lei que deu origem ao Sphan, dirigido pelo jornalista e advogado Rodrigo Melo Franco de Andrade até 1967. No órgão foram definidos critérios de análise e tombamento do patrimônio arquitetônico e critérios para a intervenção em centros históricos.

A experiência de trabalho nessa área deu a Costa uma longa trajetória em assuntos do patrimônio e preservação, atuando como servidor público do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), onde se aposentou em 1972.

Em julho de 2010, pouco mais de uma década depois da morte do arquiteto (ocorrida em 1998), foi criado o Centro Regional de Formação em Gestão do Patrimônio – Centro Lucio Costa (como parte do Iphan). O objetivo era ampliar a capacidade de gestão do patrimônio cultural e natural e promover a cooperação entre países de língua oficial portuguesa e espanhola da América do Sul, África e Ásia, incluindo a capacitação de técnicos e gestores dessas regiões.

 

Ideias na prática

Para relembrar projetos marcantes

Vila Operária da Gamboa (Rio de Janeiro, 1933)

Conjunto habitacional projetado por Lucio Costa e Gregori Warchavchik, arquiteto ucraniano convidado para lecionar na Escola de Belas Artes e que fixou residência no país. Considerado um dos primeiros conjuntos habitacionais operários do Brasil, despertou em Costa a possibilidade de fazer algo contemporâneo.

Park Hotel Nova Friburgo (Rio de Janeiro, 1940)

Destinado à hospedagem de eventuais compradores de terrenos num loteamento das áreas supérfluas do Parque São Clemente. Foi concebido e inaugurado num prazo mínimo (um ano) e fruto da comunhão de propósitos do arquiteto e do proprietário.

Parque Guinle (Rio de Janeiro, anos 1940)

Conjunto de prédios residenciais localizados no parque, composto por seis pavimentos sobre pilotis, no meio de uma área verde. O uso da “claustra” (cobogó, ou elemento vazado) como vedação de uma fachada inteira de edifício residencial ocorreu pela primeira vez no Brasil nesse projeto.

Ministério da Educação e Saúde (Rio de Janeiro, 1945)

O projeto do edifício-sede data de 1936. A sua construção, iniciada no ano seguinte, foi lenta. Em 1944 já estava praticamente concluído, mas só foi inaugurado em 1945. Le Corbusier veio ao Brasil em 1936 avaliar o projeto – pronto e aprovado – para o Ministério, porque aquela era a primeira vez, no mundo, que se realizaria uma proposta daquele porte na nova linguagem arquitetônica formulada por Lucio Costa. 

 

Fonte: Lucio Costa – Registro de uma Vivência (Edições Sesc São Paulo e Editora 34)

 

Na estante

Livro robusto abarca bastidores das criações e pensamentos do autor 

O livro Lucio Costa – Registro de uma Vivência (reeditado pelas Edições Sesc São Paulo e Editora 34 em 2018) abarca bastidores das criações e pensamentos do autor, reunindo em 654 páginas uma seleção feita pelo arquiteto, publicado originalmente em 1995. São textos, depoimentos, cartas, desenhos, croquis, projetos e fotografias que traçam uma linha do tempo de sua trajetória, ideias e projetos arquitetônicos.

A apresentação é feita pela filha e arquiteta Maria Elisa Costa, com posfácio da pesquisadora e ensaísta Sophia da Silva Telles. A obra traz ainda ilustrações, fotografias e um índice onomástico para orientar a leitura. No livro, acessamos bastidores das criações e o pensamento de Lucio Costa, expresso em seus anos de dedicação à arquitetura e ao urbanismo.

Conheça alguns documentários que abordam a sua trajetória no streaming do Sesc TV.

 

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