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Entrevista com Ume Shimada

Foto: Matheus José Maria
Foto: Matheus José Maria

"A gente tem que trabalhar para ganhar o dia. Sem trabalho não tem graça. O trabalho ajuda muito." Ume Shimada, 93 anos, empreendedora.

 

Ume Shimada é filha caçula de um casal de imigrantes japoneses - Katsume Sugano e Kikuno Sugano, que chegaram ao Brasil em 1913. Nasceu em Registro em 1927. Casou-se aos 25 anos com o imigrante Akira Shimada, falecido há 10 anos. Teve seis filhos, três homens e três mulheres. 

Em toda sua vida, Ume foi empreendedora. Foi professora de corte e costura, ganhou o sítio Shimada de sua mãe, no qual chegou a produzir treze produtos, vendidos na Baixada Santista. Comprou uma barraca de feira e um caminhão, tornando-se feirante durante seis anos na Grande São Paulo. Comprou uma ótica no bairro da Aclimação, onde ficou residente. Hoje, três de seus filhos estão no ramo de ótica.

Foi pioneira na produção de moti1 artesanal em São Paulo, chegando a processar 30 sacos de arroz moti aos finais de ano. Foi também pioneira na plantação de lichia em Registro, há 25 anos.

Em 2004, reassumiu o Sítio Shimada, que estava arrendado, e continuou com a produção de brotos de chá e lichia.

Em novembro de 2014, inaugurou sua pequena fábrica de chá preto artesanal com a intenção de não deixar a produção do chá morrer, estimulando outros produtores. Por conta disso, recebeu homenagens, participou de três festivais de chá preto no Japão e faz grande sucesso na mídia nacional e internacional com seu chá.

A Revista Mais 60 conversou com Ume Shimada para saber mais sobre sua rotina, família e histórias de vida.

 

Mais 60 Ume, começamos as entrevistas com pessoas especiais, como a senhora, pedindo para contar um pouco da história de vida, onde a senhora nasceu...

Ume Eu nasci aqui, sou brasileira purinha.

E seus pais vieram para cá.... Como foi?

Meus pais vieram do Japão, para colher café. O chá eles conheciam, mas o café não. Então foram para o cafezal, colher café. Aí em vez de colher a fruta, eles colheram a folha e deixaram a fruta. Deixaram dois pés de café peladinhos [risos] depois, o patrão veio e ficou bravo com eles. Depois, meu pai conta que trabalhou, mas nunca ganhou dinheiro. Meu pai dizia “puxa a vida, a gente trabalha, trabalha, trabalha bastante e não ganha dinheiro, vamos fugir”, diz que pegou uma carroça com cavalos e fugiu.

E como o chá entrou na sua vida?

O chá foi assim: eu lembro muito bem, porque meu pai plantou…Não sei de onde ele trouxe a semente do chá, plantou na areia, esse chá brotou, então, meu pai trouxe uma latinha, eu me lembro muito dessa latinha, e meu pai disse: você pega essa latinha, escolhe o brotinho que está aqui nascido e daí colhi e levei para o meu pai. Isso eu lembro muito bem.

E a senhora nunca mais deixou de trabalhar com o chá...

Não, antes tenho uma história para contar. Meu pai, no Japão, trabalhava com casulo. Ele tirava o fio do casulo para fazer tecido. Então, meu pai veio com essa intenção de chegar no Brasil para criar esse casulo, pensando que o Brasil era muito bom, porque a propaganda foi muito boa. Que nada! Depois da guerra mundial, que meu pai voltou para o Japão. Até aí, meu pai sofreu muito, muito mesmo. Depois, ele veio para esse sítio aqui, e plantou café. Daí o café não deu certo, porque entrou bichinho, e ele teve que cortar todos os pés de café. Aí o cafezal ficou abandonado. E meu pai falou “o que nós vamos fazer?”.

E então veio a ideia do chá?

Meu pai trabalhou muito, até que enfim ele inventou de fazer uma fábrica de chá.  Nessa fábrica de chá, eu ajudei muito meu pai. Eu estava no grupo, até o quinto ano, tinha que ir a pé à escola, mas eu lembro muito bem que eu tinha que ajudar meu pai. Ele tinha uma fábrica grande, tocada a vapor, era uma máquina enorme. Depois, ele comprou mais duas máquinas de metal. Assim aconteceu com a vida de meu pai, ele teve essa fábrica, eu ajudei nessa fábrica, eu trabalhei muito nessa fábrica, meu serviço era beneficiar o chá.

E então a senhora com 87 anos, depois de trabalhar com diversas áreas em São Paulo, reinaugurou a fábrica de chá?

Pois é, no ferro velho tinha duas máquinas, e eu fui ver com o meu filho. Mas as máquinas pareciam que estavam podres. E o japonês do ferro velho disse, “Então, parece que está tudo podre, mas essa (máquina) daí é de bronze, se limpar ela fica da cor de ouro. Tinha que me arrastar que nem jacaré para limpar o pé de chá. Sabe por quê? No pé de chá tem bastante mato que fica enrolando que nem cipó. Tinha que limpar, amarrar, fazer uma tosa, e deixar para levar no carrinho, porque se deixar perto do chão vai brotar de novo. Assim foi meu serviço. Eu matei duas cobras venenosas, mas eu limpei. Assim como o chão ficou limpo, a máquina também ficou boa.  Puxa vida, que coisa boa!

A máquina ficou pronta para o trabalho?

Sim. Aí, colhemos o chá bem colhido, no capricho, o broto ficou pronto, e coloquei na máquina. Depois, fiz esse chá, mas que chá bonito! Um chá cheiroso... Que chá gostoso! Então, nós temos que tomar. Então, faça logo para a gente tomar! Aí fizeram esse chá e a gente tomou. E fizeram “hummm... que chá gostoso.” Eu também tomei e falei hummm... que chá gostoso [risos] e assim que aconteceu, o chá ficou bom. Por causa do chá, nós temos visitas boas, olha, não é por causa do chá que você está aqui? Por causa do chá, a gente tem visitas boas mesmo, ele caiu do céu. Por isso eu agradeço, por causa do chá eu tenho visitas boas.

Sim, o chá e a senhora são muito conhecidos! E aí, queremos saber o seguinte: como é o dia a dia da senhora? Quais são seus hábitos diários?

Eu trabalho até às nove horas da noite, é meu costume, mas eu gosto de jogar paciência...

Jogar?

Paciência, no computador. Eu coloco meu relógio na frente – são só duas horas, viu? Eu falo para mim, [risos] puxa a vida, duas horas, já passou o tempo. Ah, agora que já passou, que passe mais, né? [risos].

Mas que horas a senhora acorda?

Meu horário é quatro e meia da manhã.

Quatro e meia... e a senhora faz o quê?

Acordo, lavo a minha cara, e depois vou fazer a minha oração. A minha oração é um pouquinho comprida, porque eu lembro de muita gente, para Deus abençoar, né? Lembro de todo mundo, viu? [risos].

Aí, depois?

Depois eu tomo meu café. Meu café é fácil, não tem muita coisa. Dois biscoitinhos já está bom para mim. Eu gosto de ficar aqui, sentar aqui, eu fico vendo o passarinho voar, a borboleta voar. Eu fico sentada aqui. Na hora que acaba, eu digo, o que eu vou fazer? Aí eu falo para mim mesma: não adianta ficar sentada, tem que trabalhar mesmo. Já levanto e vou fazer meu serviço. O meu serviço está no quarto, faço artesanato.

E faz ginástica? Exercício?

Duas vezes por semana. É bom fazer ginástica... porque tem um professor, sabe? Ele é cantor também.... Eu gosto muito de cantar. O Cesar (professor) canta muito bem.

E o que a senhora costuma fazer durante à tarde?

A tarde... com esse calor, eu vou dormir. Eu tenho meu ventiladorzinho, e eu falo que é só uma hora para dormir. Não posso dormir mais senão a hora passa e não fiz nada. Faço meu serviço de artesanato.... Essa flor não é fácil não. Eu faço dentro da cestinha. Já tem umas vinte cestinhas dessas. Desde a argola de arame, eu faço tudo.

Ume, e como é envelhecer? O que a senhora gosta de fazer?

De vida? A gente que escolhe, né? A gente que faz a vida, né? Eu fui ao médico, de costume, ele me examinou e disse assim: “Escuta, quantos anos você tem?” Ah, eu tenho vinte anos. “Vinte anos, é?” Claro, eu não quero falar a minha idade. “Não, mas fala aí a idade certa.” Então, eu falei, a minha idade certa, eu tenho 93. Aí eu falei: eu gosto muito de dançar. “Que música a senhora gosta?” Eu gosto de música, eu gosto de tudo.

Mas por que a senhora acha que está bem assim? Pelo trabalho, por exemplo?

Ah, se eu não trabalho, não da para viver não. A gente tem que trabalhar para passar o dia. Sem trabalho não tem graça. O trabalho ajuda muito.

Fale sobre seus filhos, Ume?

Começando por meu filho que mora no Rio Grande do Sul, depois tem Roberto, que mora em São José, depois tem o Wilson, que mora lá na estação Vergueiro. Agora de mulher, tem a Terezinha, que moro com ela, depois tem a Bernadete, que tem ótica, depois tem a caçula que se chama Emi. Na casa dela que vou sempre, ela tem uma casa grande, a gente joga.  Ela também gosta de jogar.

E seus netos? Vocês se reúnem aqui? Eles vêm pra cá?

Vem. Agora está difícil, cada um tem seu serviço, né? É difícil de reunir. A vida também está corrida, está muito difícil.

Que lugares a senhora já conheceu? Foi para o Japão?

Ah, no Japão eu fui sete vezes. Meu pai é de Fukushima...

E a senhora não tem vontade de morar lá?

Morar no Japão? Deus que me livre. Lá é perigoso, lá tem terremoto, tem maremoto, aqui no Brasil não. Nós moramos em uma terra santa. O que tem no Brasil? Só tem ladrão.

E lá para o chazal, quando a senhora vai?

Ah... quando eu colhia chá, eu gostava de ir ainda no escuro. Levava meu cachorro.

No escuro? Antes de amanhecer?

Ah, eu gosto de ir na roça no escuro. Eu tinha um cachorro muito bom, eu falava, Bob, vamos colher chá? Ele ia na frente. Depois de clarear, eu falava: Bob, onde você está? Ele levantava a cabeça. Depois, Bob onde você está? Aí, não estava mais, já foi embora, porque clareou, né? Mas agora eu não posso mais. Sabe que meu pé estava doendo muito, acho que virava, agora não dói mais.

Estamos terminando a entrevista. A senhora gostaria de dizer mais alguma coisa para os leitores da revista?

Muita saúde para todo mundo. Porque tendo saúde, tudo resolve. Daí dá para pensar e dá para continuar.