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De gênio e louco todo mundo tem um pouco

Foto: Guto Muniz
Foto: Guto Muniz

 

Uma das fundadoras do grupo Galpão, a atriz Teuda Bara relembra alegrias e dificuldades enfrentadas – desde a época da ditadura – numa vida dedicada ao teatro

A atriz mineira Teuda Bara esteve em cartaz no Sesc Santana durante o mês de março com a peça Doida, inspirada em Contos de Aprendiz, de Carlos Drummond de Andrade.
Dirigida por Inês Peixoto, com dramaturgia de João Santos, Teuda dividiu o palco com seu filho Admar Fernandes, em apresentações que proporcionaram um mergulho na obra de Drummond e evidenciaram a sintonia entre mãe e filho em cena.
Uma das fundadoras do Galpão, grupo de teatro de Belo Horizonte que faz história na dramaturgia brasileira desde 1982, vinculada à tradição do teatro popular e de rua, Teuda também participou do Teatro Oficina, companhia do dramaturgo e encenador Zé Celso Martinez Corrêa. Acompanhe conversa da atriz com a Revista E.

A doida de Drummond

Adorei a temporada que fiz no Sesc Santana e estou cada vez mais apaixonada por Drummond, porque, ao buscar palavras – já que a doida do conto de Drummond não fala, só esbraveja –, mergulhamos fundo na obra e no que ela nos traz. Nesse caminho fomos descobrindo outros poemas e fizemos uma colagem. O João [Santos, dramaturgo e autor do texto] construiu o diálogo com outros autores, como Hilda Hilst e Bispo do Rosário, relacionando histórias das mulheres da minha família, minha avó, bisavó, que também entraram nessa loucura para vermos quem era essa “doida”, por que jogavam pedra na janela dela, por que ela é segregada e por que ela se segregou. Essas perguntas foram construindo o texto.

Só foi possível fazer Doida porque fiquei um ano fora do Galpão gravando a novela Meu Pedacinho de Chão, em 2014. Nesse ano fiquei com uma espécie de tempo morto e foi uma coisa amorosa, um processo gratificante.

Revendo a própria história

Foram vários meses de conversa. O João era estagiário do Galpão e estava no último ano do curso de Letras (em 2011). Ele teve a ideia de escrever sobre a minha vida, perguntou se eu deixaria, mas não achei que chegaríamos a um livro, pensei que fosse ficar só na tese. Em março conseguimos publicar o livro Teuda Bara: Comunista Demais para ser Chacrete por financiamento coletivo.

Me diverti relembrando a minha vida. Foi uma vida doida, mas não me arrependo de nada que fiz, porque me joguei em todas as coisas. Às vezes, somos obrigados a engolir sapos e já engoli muitos, mas, quando posso cuspir, eu cuspo.

Só de relembrar isso a gente se divertia. Eu contava histórias dos meus noivos antigos, via minhas fotos e lembrava como eu era careta e como sou hoje e agradeço por ter me livrado desse sonho de cinderela que toda moça tem. Eu lia novela de revista, sonhava em casar, mas quando você se liberta dessas bobagens é uma beleza.

Não foi uma reação feminista, como se eu quisesse levantar uma bandeira, nada disso. Minhas amigas casaram primeiro e um dia fui convidar uma delas para um piquenique e ela me respondeu que não iria porque era uma senhora casada e só poderia sair com o marido. Na hora fiquei chateada, porque o sonho da gente era casar e se ver livre do pai que não deixava nem ir à missa sozinha.

Mudança de rumos

Vou sair de uma cadeia para entrar em outra?, eu me perguntava, então ouvi meu pai me dizendo que o melhor era estudar. Daí fui para a faculdade, tive muitos namorados, mas logo comecei a me indispor com a linguagem científica, acadêmica e resolvi fazer teatro. Comecei a ter contato com o Zé Celso, porque é isso, somos cercados de gente boa e tive uma sorte de topar com ele. Assim vi que o teatro era o meu mundo, por mais difícil, por mais que não desse dinheiro, pois quando você sobe no palco isso tudo fica pra trás, você se diverte, o publico ri, chora, tem um retorno, é muito bom. Eu estudava ciências sociais e quando comecei a fazer teatro nunca mais larguei.

Ah, o teatro!

Amo o teatro e sempre agradeço, porque ele me deu tudo que podia me dar. Todas as viagens, os países que visitei, poesia, conhecimento, tudo de beleza que vi na vida. O teatro é muito generoso e exige disciplina, que não tenho. Por exemplo, eu tinha que ser mais controlada com minha saúde, ainda mais com 75 anos de idade, devia cuidar da voz, essas coisas todas que a gente sabe que tem que fazer, mas eu não sigo essa linha e o teatro te cobra também. Além de tudo, criamos laços de amizade. O teatro é amoroso com o ator.

Sem culpa

Dou meu jeito e saio dos problemas. Nunca fiz análise e sofri com as histórias dizendo ah, isso é culpa do meu pai, da minha mãe. Eu não, nunca tive essas angústias, tenho angústias de criação, como vou fazer tal personagem, mas não me arrependo de nada que fiz. O teatro é libertário, não pode aceitar regras. Se você não acredita em mim, pergunte ao Zé Celso que ele vai te falar. Digo isso também porque fiz teatro na época da ditadura brava. Antes de estrear tínhamos que encenar a peça para o censor. Imagina, você tinha que encenar a comédia para um censor, preocupada com o que ele ia cortar, era doideira.


Amo o teatro e sempre agradeço, porque ele me deu tudo que podia me dar. Todas as viagens, os países que visitei, poesia, conhecimento, tudo de beleza que vi na vida