Sesc SP

Sobre o Turismo do Sesc

O turismo, a educação, o ser humano

Danilo Santos de Miranda, Diretor Regional do SESC São Paulo

 

Ao menos desde a Odisséia de Ulisses, percebemos que as viagens são edificantes da nossa civilização. Não só pelas suas narrativas fantásticas e espetaculares, mas também pelo seu estado inacabado – a curiosa viagem de Ulisses parece estar sempre acontecendo em interpretações diversas, ajudando-nos a entender como nos emancipamos dos mitos, dos encantos das sereias e da natureza instintiva para criarmos uma civilização racional, histórica e humana. Podemos dizer alegoricamente que a Odisséia foi a viagem que transformou o mundo ocidental em adulto e desenvolveu sua identidade para além do mito.

Deixemos esta imagem de Homero vibrar um pouco enquanto pensamos no Programa de Turismo Social que o SESC São Paulo desenvolve desde 1948. Neste dossiê, apresentamos como nossas idéias evoluíram e como nossos antigos objetivos de recuperação psicossomática do comerciário, nas Colônias de Férias, foram transformados até hoje, mostrando que não apenas modernizamos os nossos equipamentos de lazer mas, sobretudo, os conceitos que orientam a nossa ação. Para o SESC SP, o turismo social é parte de um contexto maior – a educação permanente, no qual se integra a outros programas das áreas de cultura, esportes, saúde e meio ambiente. Ou seja, o turismo no SESC SP é um meio para despertarmos a consciência histórica, ecológica e comunitária não apenas dos viajantes, mas também dos anfitriões e das empresas que fazem parte deste processo de contatos e trocas simbólicas e materiais que ocorrem nesta ampla vivência turística compromissada com a sustentabilidade social. Tal conceito advém do principal objetivo do SESC: a democratização e difusão dos bens e patrimônios socioculturais contemporâneos.

Democratizar o acesso a um lugar não é criar preços convidativos para que todos possam viajar e, por vezes viajar mais de uma vez. Não se trata só de um valor qualitativo; olhar pelo viés de alguém que "consome" uma viagem seria uma idéia muito enviesada e limitada. Democratizar o turismo é diversificá-lo, qualificando a sua experiência. Democratizar um lugar é criarmos cumplicidade com ele, entendendo-o como espaço público, habitado e fruído por uma ampla e espessa rede de atores sociais e fatores ambientais em permanente tensão, em busca de equilíbrio. Assim, o exercício democrático do turismo envolve escolhas responsáveis da instituição e um permanente exercício de formação do público para a co-responsabilidade da experiência – por isso, o conceito de turismo do SESC SP é político e educativo.

Pois o turismo que propomos não é o turismo que reproduz a vertigem do trabalho no mundo contemporâneo, ou que preconiza um escapismo dele para um mundo fantasioso de ilusões, mitos e magia. Ulisses viajou em busca do logos, da linguagem, do conhecimento! O turismo social propõe uma outra qualidade de deslocamentos: aqueles que são experimentados pela fruição da cultura, da solidariedade e das paisagens não apenas físicas, mas também humanas. Deslocamentos pelos quais a beleza convida à contemplação, ao conhecimento e ao reconhecimento, ou seja, a beleza é constituinte da identidade e se constrói nas idas e vindas, de dentro para fora e de fora para dentro. No SESC SP, nós também nos preocupamos com a volta, com os viajados, pois aqueles que viajam conosco também são os mesmos que conversamos pelos corredores, no dia-a-dia, de nossas unidades. E assim vamos seguindo, descobrindo que viajar é criar uma predisposição para um permanente processo de volta. Sim, as voltas é que são profundamente transformadoras, e não simplesmente as idas. Pois, como dizia Caieiro: "Não é do navio, é de nós, que sentimos saudade".