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Luiz Gê



Pensamento ¿visual
Para Luiz Gê, as HQs integram duas das mais importantes formas de comunicação humanas, o desenho e a palavra

Arquiteto de formação, Luiz Gê criou muito. Foi um dos fundadores da revista Balão, vanguarda dos quadrinhos brasileiros durante os anos 1970. Em suas páginas, quadrinistas como Laerte, Angeli e os irmãos Paulo e Chico Caruso foram revelados. Estava no grupo que fundou a Circo Editorial, que publicou as revistas Chiclete com Banana, Circo e Geraldão e, atualmente, também é professor da Universidade Mackenzie. Há três anos sem um novo álbum – o mais recente foi Avenida Paulista (Cia. Das Letras, 2012) –, voltará a encontrar seus leitores no segundo semestre com o novo livro: Ah, Como Era Boa a Ditadura (Cia. Das Letras), que será lançado, em agosto, na abertura do 42º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, do qual Luiz Gê é o presidente do júri. Acompanhe a conversa do autor com a Revista E. 

Desenho e linguagem
O desenho remete à linguagem da visão, ao pensamento visual e ao pensamento humano em si, que jamais pode deixar de ter um elemento visual ou perceptual em sua substância, caso contrário não poderíamos sequer gerá-lo. Esse pensamento gráfico costuma ser sintético, mas tudo que condensa evidentemente contém todas as outras qualidades daquilo que sintetiza e também pode ser usado de forma analítica.
A presença do desenho nas atividades de produção, de criação e de transformação do mundo é crucial. Em nosso meio urbano é difícil pensar em alguma coisa que não tenha sido desenhada. É importante notar que o desenho está presente na história das artes, da comunicação, nas ciências e nas tecnologias. Não é propriedade de nenhuma delas. É uma linguagem única e universal que já recebeu contribuições originais de cada uma dessas áreas.

Traço e palavra
As HQs também integram duas das mais importantes formas de comunicação humanas, o desenho e a palavra. A linguagem resultante remete, por suas similaridades, ao cinema, literatura e, de forma menos óbvia, à música. São todas artes e formas de expressão nas quais o tempo é elemento estruturante. Até por razões pessoais tenho que mencionar o teatro, área na qual eu também colaborei utilizando os recursos das duas linguagens. Mas a troca entre cinema e quadrinhos é conhecida e se deu ininterruptamente desde o final do século 19.
Quando o músico Arrigo Barnabé fez a trilha sonora de uma das minhas histórias, Tubarões Voadores, deu existência física a características entendidas como visuais, pertencentes à linguagem dos quadrinhos, como o tempo, o ritmo e a sonoridade. A expressão desses elementos da linguagem nos quadrinhos, que seriam abstratos, exige a participação do leitor e revela sua música.
Efervescência e experimentação
Efervescência política, cultural e intelectual. Experimentação, profundidade, leitura, cidadania, patriotismo, humanismo. Muito desse espírito [dos anos 1970] poderia ser interpretado como reação à ditatura, mas era mais do que isso. Pois trazia um lastro anterior a ela: Brasília, democracia, conquistas sociais, bom ensino público, efervescência cultural.
Hoje, em contraposição, a reação à democracia é o quê? Volta de um machismo autoritário, egoísmo, televisão, indústria cultural produzindo “sabonete”, falta de informação, sem falar em formação... A democracia não pode sobreviver sem pluralidade nas comunicações. E ela vem sendo sufocada.
As charges, os quadrinhos e a ilustração são formas modernas de expressão nas quais o desenho se apresenta de modo acabado, final. Desenvolveram-se a partir do surgimento e propagação de certa liberdade de expressão após as revoluções burguesas – principalmente inglesa e francesa – dos séculos 18 e 19, que propiciaram o desenvolvimento da imprensa de massa. Naquele momento esse fenômeno representava uma ampliação da liberdade de expressão. Hoje, 300 anos depois, há que se ir além.

Crescei e multiplicai-vos
Meu trabalho de graduação, nos anos 1970, chamava-se Crescei e Multiplicai-vos. O objetivo era politizar a tecnologia, slogan que usei buscando explorar e difundir meios de expressão existentes na época.
Depois de 30 anos encontrei o período na conclusão de um dos livros de Pierre Lévi [filósofo francês] sobre o boom que houve na informática. Lévi descrevia como os “hippies da eletrônica” no final dos anos 1960 queriam democratizar o uso do computador, coisa que nem passava pela mente das indústrias do setor. Essas pessoas se apropriaram do sistema desenvolvido para uso militar e criaram a internet, que hoje desbanca a propriedade de informação por certos grupos. No entanto, esses grupos, diga-se, continuam a manter seu monopólio privado.
Fica claro que penso ser um instrumento fundamental uma tecnologia politizada, uma tecnologia da polis, que eu próprio gostaria de aproveitar melhor, mas sem prejuízo do material impresso pelo qual tenho grande amor.


A presença do desenho nas atividades de produção, de criação ¿e de transformação do mundo é crucial. Em nosso meio urbano ¿é difícil pensar em alguma coisa que não tenha sido desenhada