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A mulher do campo e a tradição do invisível
A mulher está sempre em um plano secundário. Mesmo ela sendo o elemento central da nossa produção no campo, é o homem quem acaba ficando com o papel principal.” Quem defende a ideia é Denise Costa, artista plástica paraibana que se destaca na 12ª Edição da Bienal Naïfs do Brasil, que o Sesc Piracicaba apresenta desde agosto até novembro de 2014. Na exposição, entre as mais de cem peças, obras de artistas de quase todos os Estados brasileiros, uma tela de Denise saltou aos olhos do público: Sementes, Plantio e Colheita.
No quadro, que recebeu o Prêmio Destaque Aquisição na Bienal, três mulheres trabalham na lavoura. “Eu quis mostrar a importância do trabalho delas, muitas vezes invisível, na questão da agricultura familiar”, explica a artista plástica. Segundo ela, grande parte da produção agrícola no país é conduzida por mão de obra feminina, fenômeno que quase nunca é observado ou valorizado pela sociedade. “Por isso eu trouxe essa visão, elas muito curvadas, as três, uma após a outra, representando gerações”, completa.
Paraibana nascida em João Pessoa, onde mora até hoje, Denise acredita na responsabilidade que tem como artista plástica; a sensibilidade de ver algo mais profundo, defende, é o que a faz dividir com o mundo em suas telas o que observa no seu dia a dia e na vida das pessoas que a cercam. “Não adianta passar feito um cometa, é preciso contribuir para mudar a história”, diz sobre a estrutura patriarcal arraigada na sociedade brasileira.
As mulheres de Sementes, Plantio e Colheita não são personagens de um mundo distante para Denise Costa. Embora sejam em grande parte pessoas sem formação e sem conhecimento de técnicas elaboradas, “elas têm uma sabedoria, uma experiência de vida passada entre gerações que trabalharam no campo”, afirma a artista. “Conheci uma mulher que fazia o trabalho agrícola, preparava o almoço da família e cuidava do pai, que estava doente em casa”, lembra. Além disso, ressalta Denise, muitas dessas mulheres vivem longe das cidades, e há relatos de abusos sexuais e domésticos, mas que não são denunciados por pressão ou devido ao isolamento. “Elas estão ali, camufladas, quase invisíveis, mas produzindo muito.”
Com o surgimento de uma nova corrente de pensamento sobre a alimentação, em que o conceito de slow food e a revalorização da agricultura familiar aparecem cada vez mais no primeiro plano, Denise acredita que é possível que as tradições culinárias voltem a ser preservadas. “A terra está no homem, internalizada, mas pode ser que ele não perceba. Com toda a mecanização, esquecemos que fazemos parte dessa terra e que somos responsáveis por ela”, reflete a artista plástica.
Autodidata, ligada à arte desde pequena, Denise Costa também escreve poesias – às vezes suas obras misturam versos e imagens, numa tentativa de “trazer o espectador para dentro da arte”. Atualmente, o trabalho da artista está presente em mais de uma dezena de países, em exposições e em coleções particulares. “Eu levo meu trabalho muito a sério, faço um quadro como se estivesse escrevendo um livro”, conta, ressaltando que está sempre ligada a tudo o que acontece ao seu redor. “Queira ou não, consciente ou inconscientemente, transpiro o que acontece no mundo.”
Entre as inspirações, ela cita algumas: do holandês Van Gogh buscou “a inquietação”; do francês Claude Monet, “a serenidade”; do espanhol Joan Miró, “a distração inconsciente”; do russo Wassily Kandinsky, “a energia”. São muitas as coisas que puxam e empurram Denise Costa, nomes e linguagens que se misturam e que resultam nos ingredientes que a artista paraibana desfila por suas obras. Em casa, onde mora com os três filhos, ela vive a tranquilidade de uma vida saudável, remetendo de alguma forma ao cenário de Sementes, Plantio e Colheita. “Eu tenho uma horta e preservo o que é natural na comida, sem neuroses, mas equilibrada até onde posso. E tenho um jardim, cheio de flores e cores.”
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Arte Naïf é caracterizada pela simplicidade
O que faz de alguém um artista? Entre o fim do século XIX e o início do século XX, começou a surgir na França um movimento peculiar, que não se ligava necessariamente às tradições artísticas, nem tampouco aos estudos acadêmicos no campo das artes plásticas. Denominada arte naïf (a palavra, do francês, vem de “ingênuo”), essa corrente se descolava das técnicas pré-determinadas e se aproximava mais da subjetividade dos artistas de então; aos poucos, foi se transformando e passou a ser a
representação de uma arte autodidata, popular.
Hoje, a arte naïf proporciona a livre expressão – em conteúdo, técnica e forma – e continua ganhando representantes em diferentes países. No Brasil, a iniciativa promovida pelo Sesc Piracicaba serve para dar o devido destaque a essa corrente.
No ano de 2014, foi realizada a 12ª edição da Bienal Naïfs do Brasil, com a participação de 81 artistas (de quase todos os Estados do país), apresentando mais de uma centena de obras, entre pinturas, esculturas, gravuras, bordados e tecelagens.
Texto: Gabriel Vituri, Jornalista.