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Fome, tem que ter ação para interromper
Direito Humano à Alimentação Adequada é previsto em tratados internacionais de Direitos Humanos, a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. No Brasil, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 11.346/2006) e a Emenda Constitucional nº 64/2010 garantem a exigibilidade da alimentação adequada e saudável como um direito fundamental, dada a essencialidade da alimentação para a existência do ser humano, para que suas capacidades sejam desenvolvidas e para que participem plena e dignamente da vida em sociedade. Esse direito está intrinsecamente ligado ao conceito de Segurança Alimentar e Nutricional, que defende o “acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.
O Sesc, desde sua criação, em 1946, desenvolve de maneira sólida e reconhecida ações voltadas ao campo da saúde. Entre elas, destacamos os serviços oferecidos pelas Comedorias, que têm como premissa oferecer uma alimentação adequada aos trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo e à comunidade em geral por meio do fornecimento de refeições a preços acessíveis e cardápios elaborados com alimentos saudáveis, brasileiros e contemporâneos, equilibrando os princípios da nutrição e da gastronomia. Evidenciamos também a realização de seminários, cursos, palestras, bate-papos, exposições, oficinas e intervenções com abordagem de temas ligados à saúde, alimentação, nutrição, sustentabilidade, gastronomia e destaque para a valorização da culinária brasileira e o respeito à diversidade cultural.
Inspirado por pensadores como Josué de Castro – “o problema da fome mundial não é, por conseguinte, um problema de limitação da produção por coerção das forças naturais, é antes um problema de distribuição” – e instigado pelo elevado índice de famintos no Brasil, o Sesc SP debruçou-se na missão de desenvolver ações que ajudassem a minimizar a desigualdade social e na busca por soluções que atendessem às necessidades alimentares da população. Não se limitou ao trabalho que o Programa de Alimentação já oferecia, excedeu e vislumbrou a possibilidade de criar uma rede operacional aliada à formação de pessoas e à conscientização da importância do combate ao desperdício.
Experiências oriundas dos serviços de alimentação e das ações sócio-comunitárias que o Sesc já desenvolvia desde sua criação, somadas ao desafio da busca por conhecimento especializado e por programas existentes em outros países, tornaram possíveis a ampliação da atuação da instituição com a criação, em 1994, do Programa Mesa São Paulo, hoje intitulado Mesa Brasil Sesc São Paulo.
Já se vão 20 anos de trabalho. Com o compromisso renovado de minimizar o desperdício de alimentos e a insegurança alimentar e nutricional da população, o Programa Mesa Brasil, que atende hoje 42 cidades paulistas, funciona como um elo entre empresas e instituições sociais. A busca por alimentos nos lugares com sobra minimiza carências. A equipe do Programa, nutricionistas, motoristas, ajudantes, escriturários e voluntários, organiza uma logística diária para se dirigir aos locais de doação – supermercados, mercados municipais, feiras livres, centrais de abastecimento, padarias, confeitarias e indústrias – receber os alimentos, fazer a seleção e encaminhar esta arrecadação para as instituições sociais cadastradas.
Desde a sua criação, mais de 47 milhões de toneladas de alimentos já foram arrecadados e doados para abrigos, albergues, creches, casas de convivência, casas de repouso e casas de atendimento a pessoas com necessidades especiais. Só em 2013, 3.500 toneladas de alimentos foram arrecadados em 540 empresas e beneficiaram 143 mil pessoas atendidas em 730 instituições sociais.
Nesta trajetória, o Programa não se limitou a coletar e entregar alimentos. O Mesa Brasil inovou quando propôs a transmissão de conhecimentos, difundindo ações educativas para os empresários, voluntários, funcionários das instituições receptoras e das empresas doadoras. Essenciais para que o Programa ultrapasse o assistencialismo, as atividades realizadas envolvem assuntos diversos, desde orientações acerca de boas práticas de manipulação e armazenamento de alimentos e elaboração de cardápios até temas mais amplos relativos às questões culturais ligadas à alimentação.
Tanto abordagens teóricas quanto práticas são levadas às entidades a fim de incentivar hábitos alimentares adequados por meio, sobretudo, do desenvolvimento e divulgação de receitas saudáveis com o uso do conceito de aproveitamento integral dos alimentos. Não basta receber as doações, compostas em sua maioria por frutas, legumes e verduras. Os cozinheiros precisam adquirir conhecimentos e habilidades para prepará-los adequadamente e até mesmo serví-los, como é estimulado durante as oficinas culinárias e cursos ministrados. O estreitamento constante com as instituições receptoras é considerado vital para a conscientização dos assistidos pelo Programa.
Hoje o Mesa Brasil está implantado em cinco unidades do Sesc na grande São Paulo (Carmo, Itaquera, Interlagos, Osasco, Santo André), na cidade de Santos e nas cidades interioranas de Bauru, Campinas, Piracicaba, Rio Preto, Ribeirão Preto, São José dos Campos e Taubaté. Frente aos dados atuais fornecidos pela FAO, de que 1 em cada 9 pessoas no mundo ainda passa fome e é desnutrida, o Sesc compartilha da lição deixada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho: “Só a participação cidadã é capaz de mudar o país”. Considerando esta premissa, além de criar parcerias consolidadas e incentivar a expansão do próprio programa, o Mesa Brasil também tem o papel de mostrar que a sociedade precisa construir mais redes de solidariedade e incentivar não apenas a colaboração com as organizações já existentes, mas, para muito além disso, indicar os caminhos contra o desperdício e a favor do ser humano.
O “poeta” Aldir Blanc, um dos maiores letristas da canção brasileira, ao compor O Ronco da Cuíca com João Bosco, sentenciou que “A raiva dá pra parar, pra interromper/A fome não dá pra interromper/A raiva e a fome é coisas do home”. Mas os parceiros da Música Popular Brasileira não imaginavam que o Sesc, um “irmão do Henfil” e tantos outros cidadãos desse Brasil fossem capazes não só de minimizar a fome, mas principalmente de deixar um legado para a população e para outras instituições que anseiem enfrentar este desafio.
Vida longa ao Mesa Brasil, que mantém a gana de interromper a fome da população brasileira.
Gerência de Saúde e Alimentação