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A dança reinventada

Antonio Carlos Rebesco “Pipoca” é produtor e diretor de TV. Começou a carreira como operador de câmera, na década de 1960, e trabalhou nos setores de produção, programação e direção em diversos canais, dentre os quais TV Globo, TV Cultura e RTP de Portugal. Especializou-se na direção de programas de música e dança, sendo o diretor da série Dança Contemporânea e do especial Logos-Diálogos, exibidos pelo SescTV.

 

Como espectador, qual sua lembrança mais remota sobre a televisão?

Lembro muito bem da primeira vez que assisti à TV. Foi na casa da minha avó: ela tinha um aparelho e, como morávamos no mesmo prédio, eu ia até sua casa para ver. Tinha um tio, Mauro Marcelino, que trabalhava como iluminador na TV, então acompanhávamos a programação sempre com comentários de um olhar mais técnico a respeito do cenário, da luz, do posicionamento da câmera. Essa formação foi fundamental para minha escolha profissional. Naquela época, eu ajudava meu pai, que era dono de um armazém de secos e molhados, no centro da cidade, mas eu não gostava desse trabalho. Um dia, meu tio perguntou se eu gostaria de fazer um curso de operador de câmera, que estava sendo oferecido pela TV Bandeirantes, prestes a inaugurar seu canal. Claro que aceitei e esse curso me ajudou a conseguir o primeiro emprego em televisão, na Globo, onde fiquei por quase dois anos.

 

Como essa experiência com a câmera ajudou em sua formação para direção de TV?

Como operador de câmera, tive oportunidade de trabalhar com grandes diretores. Eu vi de perto o trabalho de diretores que fizeram as primeiras décadas da televisão no Brasil. Peguei uma geração de profissionais que ainda vinha da TV ao vivo e fez a passagem para o videotape. Era uma geração que fazia um trabalho amador, no sentido de amar o que faz. Hoje, prevalecem os profissionais de formação mais técnica. Trabalhei como operador de câmera por quase dois anos e, depois, pedi para fazer um estágio de direção de TV. Posteriormente, tive a oportunidade de passar dois meses na França, onde amadureci meu olhar. Em 1969, fui convidado a participar do projeto da TV Cultura de São Paulo, que era uma TV modelo, pela qualidade dos equipamentos e pelo time que estava sendo formado. Havia um espaço para experimentar. Foi lá que comecei a fazer contatos com grandes maestros e com companhias de dança, como o Ballet Stagium, para propor projetos para televisão. É desse período o programa Corpo de Baile, por exemplo. Entre 1990 e 1997, trabalhei em Portugal, dirigindo séries de TV, mas sem perder o contato com o mercado brasileiro, para onde eu vinha esporadicamente dirigir, para a TV, shows de Milton Nascimento, Ivan Lins, dentre outros.

 

Quais são os desafios para transpor outras linguagens artísticas, como a dança, para o audiovisual?

A dança é uma expressão muito indicada para a câmera, tanto para cinema quanto para TV. Você tem a possibilidade tanto de um plano mais aberto, em 180 graus, até os detalhes, com angulações diferentes. Dependendo do espetáculo, coloco uma câmera no alto do palco, para captar o chão.  A dança abre possibilidade para criar uma história. Claro que você tem de fazer algo casado com o coreógrafo, porque é ele o criador daquilo. O primeiro desafio é o corte. Procuro fazer este trabalho pensando, em primeiro lugar, em constituir um acervo, uma memória da dança. Depois, sempre penso que o programa não seja apenas para quem gosta de dança, mas para ampliar o número de interessados. Dessa forma, os espetáculos são antecedidos por um making of, que serve para que o coreógrafo, o diretor artístico e os bailarinos apresentem o projeto. Isso estimula a plateia. Porque, na dança contemporânea, há muito trabalho de pesquisa por trás dos espetáculos. Do ponto de vista técnico, como diretor, procuro fazer um registro mais clássico; nada de inovar na linguagem, desfocar a câmera. Sigo as regras que aprendi no cinema. E conto com uma equipe muito parceira, que trabalha comigo há anos e que já me conhece. Quando faço um corte, procuro respeitar a proposta do coreógrafo. Tenho um lema: seja humilde e seja ético.

 

As versões exibidas na televisão passam por um processo de edição. Como é o processo de decisão sobre o que fica e o que sai do programa?

A primeira questão é assistir previamente ao espetáculo. Costumo ir acompanhado do editor, fazemos o registro do espetáculo e o estudamos. Depois, como normalmente o espetáculo supera o tempo previsto para o programa de TV, converso com o coreógrafo. Normalmente, ele mesmo sabe onde posso enxugar. Algumas vezes, preciso dialogar com o iluminador do espetáculo, para ter um ganho de luz que favoreça a versão audiovisual. Mas faço isso buscando não interferir demais no trabalho artístico do iluminador. O mesmo ocorre com o operador de som. A dança contemporânea incorpora outras linguagens, como o teatro, as performances, o circo. Às vezes, há diálogos, falas, e preciso captar tudo com qualidade, porque isso constitui a base do espetáculo. Em algumas ocasiões, conto com interlocutores, como consultores de projetos de dança, que me ajudam nesse processo. E tudo é uma questão de respeito e confiança mútuos, somados à experiência que eu adquiri realizando esses registros. Lembro, por exemplo, quando o Luís Arrieta chegou ao Brasil, não permitia que eu interferisse em nada! Hoje, ele mesmo propõe mudanças, tornou-se um parceiro.

 

Como foi realizar a direção para TV do projeto Logos-Diálogos?

Para mim foi um presente. Foi um evento de qualidade internacional, reunindo renomados profissionais da dança, como o Luís Arrieta, a Deborah Colker e o Ismael Ivo, que é um amigo pessoal há mais de 30 anos. Apesar de ser um projeto pensado para o público presencial, desde o começo tivemos conversas com o Dimas Goudaroulis, diretor artístico, para realizar as gravações. Ele me entregou um CD com as Suítes do Bach e eu entrei nessa paixão. Do ponto de vista técnico, fizemos a captação do som e inserimos na pós-produção. Os seis espetáculos resultaram em três programas, de uma hora cada. Mergulhei naquilo. Acho que a base da nossa vida é amar o que a gente faz. Senão, melhor procurar outra coisa para fazer.