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Descoberta da Música

Foto: Joaquim Demaso
Foto: Joaquim Demaso

Descoberta da música

O conhecimento de sons e ritmos para crianças estimula a criatividade, ajuda a desenvolver a sensibilidade e a linguagem

Em 1761, um garoto de 5 anos de Salzburgo, na Áustria, começou a compor e a se apresentar para a realeza europeia. Seu nome era Wolfgang Amadeus Mozart, cujo imenso talento pode florescer logo cedo. Graças à influência do pai, Leopold, o menino iniciou os estudos musicais aos 4 anos de idade e logo despontou como virtuose. Naquela época, os salões eram embalados por música ao vivo, e era comum crianças – não apenas as da nobreza – aprenderem cedo a tocar algum instrumento, mesmo que ainda não houvesse estudos sobre a importância ou as vantagens para os pequenos da aprendizagem da música.
Hoje, o cenário é diferente. Para Gisele Cruz, instrutora vocal que faz um trabalho de iniciação musical para crianças no Sesc Vila Mariana, o ensino musical para crianças é muito importante. “Para a criança há uma questão importante, ao mesmo tempo em que seu hemisfério esquerdo está sendo bombardeado por informações cognitivas, aprendendo a ler, fazer contas, você também começa a trabalhar o outro hemisfério, que é o da área sensível, com o som, com o abstrato”, explica. “O som e o tempo musical são abstratos, e isso estimula a criatividade.”
No livro Alucinações Musicais (Companhia das Letras, 2007), o neurocientista Oliver Sacks cita uma pesquisa apresentada em um ensaio de Diana Deutsch, que mostra como o ensino da música para crianças de 4 e 5 anos ajuda a desenvolver a sensibilidade e o próprio cérebro. “Nestes últimos anos, Diana Deutsch e seus colegas vêm estudando minuciosamente tais correlações, e observaram, em um ensaio de 2006, que ‘falantes nativos do vietnamita e do mandarim apresentam ouvido absoluto muito preciso ao lerem listas de palavras’; a maioria das pessoas estudadas mostrou variações de um quarto de tom ou menos. Deutsch et al. também demonstraram diferenças gritantes na incidência de ouvido absoluto em duas populações de estudantes primeiranistas de música, uma da Eastman School of Music, em Rochester, Nova York, e a outra do conservatório Central de Música de Pequim. ‘Para os estudantes que haviam começado sua educação musical entre os quatro e cinco anos de idade’, escreveram, ‘aproximadamente 60% dos estudantes chineses enquadraram-se no critério do ouvido absoluto, em comparação com apenas 14% dos falantes de língua não tonal nos Estados Unidos’.”
Gisele Cruz lembra que a música também é uma linguagem. “Quando você fala em música, está falando em linguagem, como o inglês que a criança aprende, o português, a matemática, então com a música você está trabalhando com linguagem. A diferença é que ela pertence ao outro hemisfério, então você acaba formando uma pessoa que foi bombardeada por inúmeras linguagens. Uma pode influenciar a outra”, explica. “Para falar um idioma você precisa de quatro operações básicas: entender, falar, escrever e ouvir. A mesma coisa acontece com a música, só que o ‘falar’ na música é tocar, cantar, então você trabalha com a coordenação motora também.”
Além disso, o ensino da música pode ajudar com questões sociais que, para uma criança, pode ser um fator que afeta o seu amadurecimento. Além do trabalho no Sesc, Gisele também dá aula de canto em coral. “Eu tenho relatos de professores que falam que as crianças que participam do coro têm um comportamento diferente em sala de aula, são mais disciplinadas, mais organizadas, mais participativas, é bem interessante”, conta.
O Sesc também tem programação musical voltada para crianças. No dia 30 de março acontecerá no Sesc Santos o Concerto para Bebês – de Monteverdi a Stravinsky. Esse projeto, criado em Portugal, visa apresentar o mundo da música para os bebês, como um primeiro grande contato com esse universo. Os cantos não têm palavras e os músicos transitam por diversos estilos musicais, além de bailarinas que dançam ao ritmo da música. O Concerto para Bebês é recomendado para crianças de 0 a 3 anos, acompanhados de suas famílias.

O músico autodidata Luis Misiara, que atualmente está estudando Produção Musical no Institute of Audio Research em Nova York, teve contato com a música na escola e lembra da importância desse aprendizado. “A exposição da criança a instrumentos e à música em geral traz uma riqueza cultural e abre sua percepção para outras artes”, diz. “Ensinar um instrumento, mesmo que seja uma flauta doce, já traz todo o peso de executar uma música do início ao fim”, completa. Mas ele lembra de um problema que algumas crianças podem enfrentar. “Seria ótimo se o corpo docente responsável pelo ensino da música tivesse a mente o mais aberta possível. Lembro-me de, mesmo criança, já ter que lidar com o gosto por um tipo de música que não entraria no currículo do curso




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