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Retratos do sertão
Wllyssys Wolfgang, cineasta, é formado em jornalismo e já realizou filmes de ficção e documentários.
É de sua autoria – criação e direção – o curta-metragem Ser Tão Avoador, vencedor do Prêmio SescTV, categoria KinoÓikos – Formação do Olhar, na edição de 2013 do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo.
Como começou sua relação com o cinema?
Eu sempre fui ligado em comunicação, televisão e cinema. E o meu interesse pelo audiovisual parte do pressuposto que essa é a linguagem mais acessível que existe. Através de um filme, vídeo ou curta, é possível comunicar uma mensagem. Por isso, trabalhar com esse suporte me dá muito prazer. Juntar o que tenho de conhecimento com o jornalismo, o que a faculdade de comunicação me deu, com as ferramentas de investigação e apuração, tem sido muito útil. Já produzi pelo menos seis curtas - cinco documentários e uma ficção. Minha ligação com o jornalismo e, consequentemente, com a linguagem documental, história oral e entrevistas é muito forte. Porém, como é de praxe, os produtos de ficção tendem a fazer mais sucesso ou 'capturar' a atenção com mais intensidade, por isso, dos 16 prêmios e indicações que recebi em festivais e mostras, pelo menos seis foram para o anime [stop motion] A Saga de Um Corno, uma adaptação do cordel para o cinema. Gosto de me aventurar e provar coisas novas.
Como você avalia a atual produção cinematográfica no País?
As produções estão aumentando, melhorando e se segmentando também. Quanto mais produções e produtores, melhor, pois o mercado se movimenta e estimula mais realizações. Esse é o fluxo que deve ser compreendido. A diversidade, liberdade e escolhas devem ser respeitadas dentro disso.
Como surgiu a ideia do filme Ser Tão Avoador?
Ainda há uma esfera social abaixo de tudo que vemos e que vivemos. É nessa 'anágua' social que acontecem os crimes, as opressões, subjugações e muitas violências. Uma delas é contra as mulheres. E Ser Tão Avoador traz na história de Mariinha um pouco disso. Por vezes, ela se desprende da realidade para tentar suportar as agruras da vida dela e encontra no desejo de voar o subterfúgio para sobreviver. Além do mais, mostra quão animalescas podem ser estas relações, num lugar tão a esmo. Em outras palavras, ela é mais próxima e tem melhor convívio com os animais e a natureza do que com o próprio padrasto. Não queríamos chocar - até evitamos explicitar cenas de violência - mas queríamos bater nesta tecla de que ainda há situações assim. O fato de ter ido a uma comunidade tão remota nos permitiu estar mais pertinho de cenários onde histórias de Mariinhas acontecem. A protagonista do filme vive a aridez de sentimentos, em um tempo de seca que de fato existe e que não precisamos produzir. E por isso a escolha do local. O acesso é tão difícil e fica tão longe, que na estrada de chão chegamos a trincar o pára-brisa de dois carros, furar o tanque do motor de um e capotar outro.
Quais os desafios para realizar as filmagens num povoado do sertão baiano?
Gosto de ir além do improvável. E as dificuldades de realização de Ser Tão Avoador destacam isso. Durante um mês, nós nos dedicamos a preparar o pessoal; mais duas semanas para gravar e dois meses para finalizar e fazer a pré-estreia. Juntando tudo, foram cerca de oito meses. Poderíamos ter feito em menos, mas faltava água, alimentos e a irradiação solar era extrema, então dávamos umas pausas. No fim, foram quase cem pessoas que preparamos. Eles fizeram dois documentários sobre a comunidade, filmando, entrevistado. Foi, acima de tudo, divertido. Até hoje eles me ligam do único orelhão - a luz solar - que há no povoado.
O projeto do filme incluiu um envolvimento mais intenso com a população local. Como foi esse processo?
O povoado não tem energia elétrica nem água encanada. Muitas pessoas não têm sequer uma televisão. Logo, muitas também nunca tinham assistido a um filme, quiçá participado de alguma produção. Então, prepará-los para atuar e contribuir na produção foi um desafio pessoal e um compromisso que eu queria com aquela comunidade. O resultado foi surpreendente. A primeira exibição fiz questão que fosse lá. Como não tinha energia nem estrutura pra exibir, movemos uma logística enorme. No dia, a notícia da exibição do filme já tinha transposto os limites de sertão baiano e chegava ao Piauí. Pessoas chegavam montados em cavalos, jumentos, motos, paus-de-arara, ônibus, a pé, depois de andarem muitos quilômetros. A exibição foi em praça pública e reuniu, para minha surpresa, mais de 500 pessoas. Foi o maior prêmio que eu poderia ter recebido.
Na sua opinião, tem crescido o interesse do espectador pelo curta-metragem?
Tem aumentado o número de pessoas interessadas em curtas e, por isso também, tem crescido o número de produções como esta. Quando fazemos, queremos que as pessoas vejam. Seria como lançar um livro e não publicar. Por isso são tão importantes estes espaços de veiculação de curtas. Só assim muitas pessoas terão acesso a realidades como a de Ser Tão Avoador, que não é totalmente fictícia.
Já não há mais espaço para preconceitos. Quem gosta de longas, vai assistir aos longas; quem prefere curtas, agora tem possibilidades de ver.
Em que medida a internet contribui com os filmes de curta-metragem?
A internet tem sido outro canal para o estímulo a produções curtas. Antes, precisava-se de uma estrutura enorme. Hoje, não necessariamente. Pode-se fazer qualquer coisa e disponibilizar lá. Quem gostar, assiste. Quem quiser, vai atrás e encontra. O importante é ter a variedade e possibilidade de gêneros, tamanhos, tipos etc. A internet permite isso.
De que forma a televisão pode ampliar o acesso do público aos novos cineastas?
A televisão consegue chegar, entrar na casa das pessoas e falar com todas elas. É uma linguagem e um veículo universal. Ela entrega da maneira mais prática o conteúdo. Espaços que veiculam curtas-metragens permitem que as pessoas tenham acesso, se interessem, queiram mais e, automaticamente, fomentem a produção. É extremamente importante esse ciclo. Só assim nascerão novos cineastas, produções, conceitos, mercados, e oportunidades.