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Curta-metragem e a experimentação da linguagem

Antes de entrar propriamente no tema deste artigo, “O curta-metragem como espaço de experimentação de linguagem”, é importante entendermos o que é o objeto desta análise. O curta-metragem é, para todos os efeitos, um filme, uma forma breve de expressão audiovisual, com início, fim, unidade temática e com uma altíssima coerência e coesão interna. Essa primeira definição afasta imediatamente o conceito muitas vezes difuso de que o curta-metragem seria uma parte menor de um longa-metragem ou de que seria uma preparação, um primeiro experimento narrativo para um filme de maior duração.

Uma segunda maneira de entender o curta-metragem em sua natureza é sua duração. O curta-metragem tem uma duração diferente daquela comumente utilizada em um filme de mercado ou que poderia potencialmente ser distribuído através de estruturas comerciais convencionais, como as salas de cinema. O curta-metragem costuma ter uma duração de aproximadamente 15 minutos. Contudo, considerando o standard internacional para esse tipo de produção, não é errado afirmar que são considerados curtas-metragens filmes de até trinta minutos de duração.

A percepção temporal do curta-metragem, unida à consciência dos realizadores de que a difusão dessa forma breve de expressão se dará por meios não convencionais, são as principais características de diferenciação e de autonomia dessa forma de expressão.

Em outras palavras, não sendo o curta-metragem desde sua essência um filme realizado para o mercado tradicional de distribuição, abrindo-se, nesse modo de expressão, um espaço potencial para a entrada do novo, do próprio, da experimentação, do ousado em relação às formas mais tradicionais de narração e de linguagem já estabelecidas e testadas nos longas-metragens e no cinema comercial.

Essa experimentação acontece no curta-metragem desde o momento de escritura do roteiro, que se diferencia muito daquela normalmente utilizada nos filmes longos, onde muitas vezes os momentos descritivos da estória são bastante acentuados e onde as sub-tramas constituem parte integrante da narrativa. No curta-metragem, diferentemente, precisa-se buscar a concisão e a síntese narrativa, muitas vezes criando momentos ininterruptos de tensão para contar com objetividade e simplicidade a estória do filme.

Por essa necessidade de abordagem direta, tanto os roteiristas quanto os diretores e, inclusive, os montadores de curtas-metragens podem se apropriar de novos conceitos, de novos modos de expressão artística, podem por vezes explorar novas tecnologias e, com isso, ousar.

Outra característica de grande parte dos curtas-metragens – e que acaba sendo um interessante modo de experimentação – são os próprios limites produtivos da obra. O curta-metragem é, em muitos casos, realizado com recursos muito mais modestos daqueles de uma produção mais longa, e com algum potencial de distribuição em mercados tradicionais. Essa característica pode contribuir para que se encontrem alternativas de execução da obra fora do padrão convencional, o que muitas vezes pode até mesmo inovar e criar novos estilos narrativos e de linguagem.

Finalmente, vale lembrar que o curta-metragem é em muitas situações uma janela de possibilidade de entrada de novos talentos e de novos profissionais para o mercado audiovisual. Com isso, não quero afirmar que o curta-metragem se resume a um rito de passagem, a uma escola ou aprendizado para um modo mais profissional ou mercadológico de produção audiovisual. De fato, aquilo que importa quando percebemos o curta como laboratório de formação de novos realizadores é que, em sua maioria, estes novos realizadores são jovens, imbuídos de uma liberdade que se expressa nas telas, e que muitos destes jovens são talentosos e permanecem ainda com o frescor e a audácia suficientes para ousar, propor, subverter, desconstruir e muitas vezes inovar modelos estabelecidos.


Claudia da Natividade é roteirista e produtora de Cinema. Com formação em Ciências Humanas, foi produtora executiva e roteirista de Estômago, dirigido por Marcos Jorge, e do premiado documentário O Ateliê de Luzia – Arte Rupestre no Brasil.