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Marcos Nobre




Marcos Nobre havia terminado de escrever o livro Imobilismo em Movimento (Cia. das Letras) quando estouraram as manifestações de junho de 2013. A pedido da editora, o filósofo e ensaísta escreveu o livro eletrônico Choque de Democracia – Razões para a Revolta, fazendo uma análise e contextualizando os atos daquele mês com a história do Brasil. Imobilismo em Movimento foi, então, lançado em outubro de 2013. No livro, Marcos Nobre trata do período de redemocratização do país, desde as Diretas Já, a primeira eleição democrática pós-ditadura, a abertura econômica, o impeachment de Fernando Collor de Mello, a era Fernando Henrique Cardoso, o governo de Lula, até 2010 e, por fim, a eleição de Dilma Rousseff para presidente. O livro dá luz aos últimos 30 anos da história do país. Nele, Marcos explica o “peemedebismo”, uma modalidade política que não se restringe à sua origem, o PMDB, mas que inaugura uma forma de fazer política que hoje culmina no que ele chama de “uma massa homogênea em que não se veem situação e oposição”. A seguir, trechos.



A economia não explica tudo


Criou-se essa ideia de que a economia determina completamente o comportamento político das pessoas. Isso não é verdade. A falta de liberdade também determina o comportamento político das pessoas, a revolta contra um sistema político que informe e defenda interesses diferentes dos da população. É preciso juntar os dois, economia e política, para explicar. Agora, especificamente no que diz respeito ao bom funcionamento da economia, eu faria vários reparos. O primeiro deles é o seguinte: pleno emprego, muito bem, mas os empregos são uma porcaria. Então há um aumento da taxa de formalização, mas são empregos de péssima qualidade. Junto com isso outra ideia muito importante foi vendida: se você fizer um curso superior, sua vida vai melhorar muito. O que aconteceu? Um aumento enorme de matrículas no ensino superior, mas os empregos não melhoraram.


Então, duas coisas: primeiro, as pessoas foram enganadas porque acharam que iam ter um ensino superior de qualidade, e assim iam conseguir um emprego melhor, e não conseguiram. Então, a série de enganações é alta. Chega uma hora em que as pessoas se cansam e dizem “olha, não dá”. Se os empregos são de péssima qualidade, se a pessoa não vê perspectiva de que pode melhorar mesmo, ora, que país é esse que não oferece um futuro para o cidadão? Oferece só a possibilidade de ele se matar estudando à noite, dormindo em sala de aula, para ganhar a mesma coisa e ter um emprego de que não gosta? Isso foi uma coisa muito comum nas revoltas de junho, nos protestos de periferia foi muito grande.



Cidade emblemática


É importante a gente saber quais são as outras coisas que estão na pauta. Polícia não é economia. Polícia é muito importante, foi muito importante em junho e está sendo importante até agora. Se pegar o Rio de Janeiro, o Rio virou uma espécie de Big Brother das revoltas de junho porque juntou tudo ali: megaeventos (Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas), remoções arbitrárias de populações inteiras, violação de direitos humanos pra qualquer lado, polícia agindo como se estivesse na ditadura, professor entrando em greve, transporte público com CPI na Câmara. Então o Rio virou uma espécie de emblema da continuidade de junho.



Os avanços da democracia


Há a questão da representação, em âmbito global, que é contra a forma partido, como se essa forma não fosse mais capaz de expressar politicamente o que é democracia. Isso é algo comum, e vai ser um problema para a humanidade resolver. Sinal disso: todos os partidos que são propostos ultimamente não têm nome de partido. Então é Solidariedade, Mobilização Democrática, Sustentabilidade...


Agora, como resolver esse que é um problema da humanidade? Um problema geral de representação, que vai ser o grande desafio do século 21, é como reinventar a política. E que, no fundo, é o resultado do sucesso da democracia. Não é mais esse negócio de votar de quatro em quatro anos e jogar a responsabilidade na mão de um partido para ele resolver os problemas. Democracia é um negócio muito novo. Só se pode falar em democracia de massa, a sério, depois da Segunda Guerra Mundial. Antes disso, houve experimentos de democracia de massa que são, no mínimo, discutíveis. Por exemplo, a República de Weimar [instaurada na Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial] que foi um enorme experimento democrático, mas deu no nazismo. Então, é muito nova a democracia. E a democracia, quando dura um tempo, aprofunda-se, não tem jeito. 



Massa homogênea


Agora, o nosso problema é maior do que isso, porque o nosso sistema político nem polarizado está. Não há nem dois campos sobre os quais se pode dizer: “Olha, isso aqui é situação e isso aqui é oposição”. A oposição está dentro da situação. O maior partido de oposição no país é o PMDB. Ele se opõe ao PT dentro do próprio governo. As maiores batalhas do Congresso são entre PT e PMDB, mas eles são o mesmo governo! Então algum problema há nesse sistema. Segundo cientistas políticos, ele está operando perfeitamente. Não tem nenhum problema. As pessoas não compreendem isso. Por que será que as pessoas não entendem e só os cientistas políticos conseguem entender essa maravilha?


Do outro lado, há no Brasil um sistema político que, depois das eleições de 2006, começou a se blindar contra a sociedade, fechou-se inteiramente contra a sociedade e virou essa pasta homogênea que não tem situação nem oposição. E, ao mesmo tempo na sociedade, há a expansão da internet, uma formação política das pessoas num chat, no Facebook, enfim, onde quer que seja. Mas não é feita pedagogicamente pelo sistema político. Não é o sistema político que fala “ah, bom, a minha posição pode ser encaixada aqui ou ali”, não. As pessoas foram formando as suas opiniões políticas e democráticas na base da sociedade. E isso não tinha correspondência no sistema político. Aí acontece junho, que estoura. E o que acontece? Nesse momento não é só o sistema político, em sentido estrito, que está em foco. Sindicato também é sistema político, porque no Brasil está ligado ao Estado. Judiciário faz parte do sistema político, tem uma linguagem específica, mas faz parte do sistema político. Então todas as instituições estão em pauta.


O Professor de filosofia da Unicamp Marcos Nobre esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E em 14 de novembro de 2013



“Há a questão da representação, em âmbito global, que é contra a forma partido, como se essa forma não fosse mais capaz de expressar politicamente o que é democracia”