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A vida na tela

Luiz R. Cabral, 52, é documentarista e diretor de TV. Trabalhou em programas da televisão aberta e, no SescTV, assina a direção das séries Sala de Cinema e Contraplano.

Abaixo a entrevista para a Revista SescTV

 

O Contraplano é uma espécie de continuidade do Sala de Cinema. Como surgiu esse programa antecessor?

Eu, o Miguel de Almeida [jornalista e apresentador] e o Beto Tibiriçá, da Plateau [Produções], chegamos à conclusão de que faltava um olhar mais aprofundado que mapeasse a cadeia produtiva do cinema nacional, desde a elaboração do roteiro, passando pela direção, pela direção de arte, pela distribuição. E conseguimos fazer esse mapeamento, em cerca de 130 programas do Sala de Cinema. A série começou em 2009, entrevistando sempre um diretor, roteirista, ator.

 

Era uma forma de colocar questões novas, fervilhantes, sobre a mesa?

O Sala de Cinema é um belo arquivo para quem quer pesquisar hoje o cinema nacional, mas não acho que ele tenha trazido discussões subliminares. Obviamente ele discutia política de distribuição, política de financiamento, discutiu muito o cinema comercial e o cinema autoral. São questões que foram levadas adiante por vários diretores, vários profissionais. A intenção era mesmo fazer um registro do cinema brasileiro. 

 

Como se chegou ao Contraplano?

O Contraplano é uma segunda dentição do Sala de Cinema, pensando antropofagicamente. Achamos que o Sala estava se esgotando na forma. Foram três anos de programa, e, embora ainda houvesse o que se falar, pensamos que seria legal ampliar essa discussão, discutir o cinema e a “vida”, cinema e ditadura, cinema e música. Criamos um debate, abrimos quatro guarda-chuvas de temas: cinema e cultura, cinema e comportamento, cinema e sociedade, cinema e poder.

 

Como vocês chegaram a esses quatro temas principais?

No final de 2011, eu, o Miguel de Almeida e o Beto Tibiriçá elencamos esses quatro guarda-chuvas grandes de maneira meio consensual. Debaixo desses guarda-chuvas, elencamos subtemas. Em poder, por exemplo, há cinema e ditadura, cinema e povo no poder, cinema e golpes.

 

E para definir os subtemas?

Foram grandes discussões. Com os temas definidos, chamamos um pesquisador que faz pós-graduação em cinema na USP e é curador de algumas mostras. Ele foi adicionado ao grupo, e fazíamos reuniões. Cada guarda-chuva teria de render de dez a 12 programas. E foi feita então uma pesquisa, com 60 laudas sobre cada tema, com filmes ligados aos assuntos relacionados. Ele [Francis] vinha com as propostas de filme e nós as negociávamos. Chegamos, então, a quatro filmes por programa, um em cada bloco de 15 minutos. Cheguei a fazer o piloto com seis filmes, mas ficou muito fragmentado.  Da pesquisa constavam a sinopse de cada filme, críticas, material de apoio sobre o assunto, artigos. Eu e o Miguel assistíamos a todos os filmes e eu fazia um resumo da pesquisa. Sobre os tipos de filme, há os comerciais também, não adiantava fazer só com os que estão à margem. Você passar pelo olhar comercial, pelo cinema de entretenimento, é importante. Quando discutimos religião e cinema, você tem o Chico Xavier e, em contraponto, O Pagador de Promessas.

 

Havia um roteiro bem definido para o desenvolvimento de cada programa?

No Sala de Cinema, era feito um roteiro de perguntas. No Contraplano, como é um debate, eu só levantava assuntos para o Miguel levantar a bola para os debatedores. Eu entregava para ele um resumo da pesquisa. Os debatedores viam os filmes e recebiam a pesquisa, mas não o resumo, para que houvesse um frescor, uma surpresa. O resumo era a base do programa e sua linha editorial.

 

E quanto aos nomes dos debatedores, de que maneira foram escolhidos?

Foram em conversas entre eu, Miguel e Beto. Queríamos pessoas ligadas a determinadas áreas. Queríamos um acadêmico, um escritor como o Geraldo Carneiro [poeta, ensaísta e roteirista], alguém das artes plásticas. Para cada guarda-chuva, teríamos o Miguel e mais dois participantes fixos. Por exemplo, em cinema e cultura, o Celso Favaretto [professor de filosofia] e o Geraldo Carneiro. Cinema e poder tem o cineasta Ugo Giorgetti e o Tales Ab’Saber, psicanalista. Queríamos que o programa fosse feito por pessoas que vão ao cinema, e não por pessoas que fazem cinema, com exceção do Ugo Giorgetti. Então você tem um representante das artes plásticas, o Tadeu Chiarelli, [diretor] do MAC [Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo]; você tem o Hugo Possolo, que é um palhaço e ator. Eles não trazem informações que são para amigos de cinema, não é um programa para o próprio cineasta. É um programa para o público, são espectadores e que têm algo a dizer, têm uma leitura da vida, do mundo. Eles trazem outro olhar sobre o cinema. E a tal da química entre as pessoas acabou casando. Se em cultura, por exemplo, você tem um acadêmico como o Celso Favaretto, do outro lado você tem um poeta que fala com um repertório mais pop [Geraldo Carneiro].

 

Na concepção do programa, qual a importância do cenário?

Ele surgiu para dar uma densidade ao programa. No Sala de Cinema, havia um cenário que revelava os bastidores. No Contraplano, não quisemos chamar a atenção para os bastidores. O cenário simboliza que a discussão está toda na mesa. Por isso há a imagem do filme na mesa, refletida por um olho. Esse cenário é mais teatral, tem uma luz mais teatral. Ele esconde o que o outro revelava, o cabo-man, os trilhos. A única coisa que eu pedi no projeto [do cenário] foi que o filme fosse projetado na mesa.