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“A arte não ensina”
Julia de Simone, 30 anos, é formada em Publicidade, mas nunca chegou a exercer a profissão. Apaixonada por Cinema, ela começou a trabalhar com produção de documentários, fazendo assistência de direção. Após um ano e meio vivendo em Barcelona, onde cursou pós-graduação nessa área e realizou o curta-metragem Encanto, Julia voltou ao Brasil e, em outubro de 2011, estreou seu primeiro longa-metragem: o documentário Romance de Formação, sobre o tema Educação, que o SescTV exibe neste mês.
Romance de Formação é seu primeiro documentário de longa-metragem. Qual sua motivação para a escolha desse tema?
Eu trabalhava na produtora Imatizar, com Guilherme Coelho, quando ele me propôs dirigir esse filme. O projeto já existia, como um argumento de se realizar um filme sobre brasileiros que cursavam as universidades de excelência no mundo. Aceitei o desafio e assumi o projeto, realizando todo o trabalho de pesquisa e acompanhando os estudantes.
Quais as dificuldades para realizar um filme desse porte? Você contou com alguma consultoria técnica?
Não, não tivemos consultoria. Fizemos um primeiro recorte, que era o de buscar alunos bolsistas. Isso nos levaria a um determinado perfil de alunos, que já eram vitoriosos por terem conseguido essa bolsa. Entramos em contato com instituições que oferecem bolsas a estudantes brasileiros, como a Capes e a Fundação Estudar. Eles nos passaram nomes, contatos e histórias.
Chegamos a um total de 70 estudantes. A partir daí, passamos a entrevistar todos esses alunos, por skype, até chegar aos quatro personagens do filme. Nessa fase, mandamos para eles uma pequena câmera, para que filmassem sua rotina diária. A princípio, isso também fazia parte da pesquisa.
Mas o material gravado foi tão bom que decidimos incluir algumas cenas no corte final. Esse processo foi muito interessante, porque fez dos personagens coautores do filme. Quando a gente finalmente viajou para encontrá-los e filmá-los [dois nos Estados Unidos, um na Alemanha e outro, no Rio de Janeiro], houve uma parceria, uma construção coletiva. Os planos eram fixos, a câmera em cima do tripé, e eles sabendo quando e como estavam sendo filmados. Em média, ficávamos uma semana com cada um, exceto o personagem do Rio, que pudemos encontrar mais vezes.
Qual foi a repercussão do filme?
Romance de Formação estreou no Festival de Realizadores do Rio, em outubro de 2011. Depois, foi lançado em circuito comercial, em sete cidades brasileiras, mas por pouco tempo. No Rio, ficou em cartaz por cinco semanas. Em São Paulo, duas. Mas também fizemos, na época do lançamento, algumas sessões seguidas de debates nas universidades UFRJ, PUC-Rio e ESPM-SP. Essa troca foi interessante para entender melhor esse universo de estudantes universitários. E agora teremos a estreia na televisão [no SescTV, dia 18/1, às 20h]. Acho que a TV é uma janela imprescindível para o documentário, porque o espaço que existe no cinema é muito pequeno. A TV é o caminho para alcançar um público maior.
Há outros filmes recentes tratando o tema da Educação, tanto no Brasil quanto no exterior. Você percebe um aumento do interesse dos cineastas pelo tema?
Não saberia dizer. Como cineasta, não tenho nenhuma intenção de ser educadora. Estou fazendo Cinema. Claro que o tema da Educação tem suas especificidades e dificuldades; a princípio, é um assunto duro, sem nenhum atrativo do ponto de vista cinematográfico.
Para mim, o tema da Educação interessa como possibilidade de encontrar o outro, de entender as relações humanas. É um ponto de partida para encontrar a diversidade humana. Em Romance de Formação, queríamos investigar a relação desses brasileiros com grandes instituições de ensino, fato que já carrega, em si, uma carga muito pesada: “você vai estudar em Harvard!”. O que nos
movia no filme, até pela proximidade da idade e das condições sociais, era: por que não sou eu? Por que também não fiz essa escolha? É essa vontade de entender o outro, tendo nossas referências pessoais como ponto de vista.
E, além disso, tentar entender o próprio sistema educacional dessas instituições, porque é rigoroso, é padronizador, exige persistência, dedicação e disciplina. E tem essa coisa da solidão e da melancolia, um traço comum aos personagens, que vem dessa disciplina extrema e desse lugar que não permite muito, que é quase militar.
Há interesse do público por filmes com esse tema?
Acho que filme é filme, não importa muito a temática, nem mesmo o gênero, se é ficção ou documentário. O que vai fazer dele um bom filme é a maneira com que a história é contada. Por exemplo, sobre o tema da Educação, como realizadora, é difícil prever se terá público ou não. Ser e Ter [Être et Avoir, de Nicolas Philibert, 2002] fez dois milhões de espectadores na França. E é essencialmente um filme sobre Educação, mas também é um filme sobre o ser humano e sobre a vida.
De que forma o Cinema contribui para a ampliação do debate a respeito da Educação?
O Cinema tem a possibilidade de contribuir no pensar, no sentir e no questionar. Mas não acho que o Cinema “deva contribuir” para
nada. Arte é arte, está num outro patamar. Acho que a questão maior é como nos relacionamos com essa arte. Mais do que o papel e a função que ela deveria ter. Cabe a nós aprender com a arte e não à arte ensinar nada. Essa resistência do público sobre o que
se relaciona à Educação já vem daí, desse papel que ela “deve ter”. Então, é isso: a arte não tem que carregar esse estigma, a arte não ensina. Nós é que aprendemos com ela, ampliando nosso repertório cultural, acumulando uma bagagem a partir das experiências que temos com ela.
Na sua opinião, falta criatividade por parte dos canais na criação de programas sobre Educação?
Falta criatividade, sim, por parte dos canais, falta empenho artístico. Se você se dispõe a tratar um tema qualquer que também está presente na grade escolar, não pode simplesmente sair explicando: “a Revolta da Chibata foi assim...”. Vai ficar chato. Romance de Formação trata sobre a Educação no mundo hoje e, nem por isso, o filme tenta explicar como é. Essa questão de tentar informar já dificulta e já aprisiona, porque enquadra e deixa o cineasta refém desse propósito.
O pensamento tem de estar livre da necessidade de educar. Por isso, a arte é algo que vai além. Faz com que você aprenda de outras formas, faz você questionar.
Quais seus próximos projetos para Cinema?
Em 2013, realizarei dois documentários; um deles é o filme Porto, que trata sobre as obras de urbanização no porto do Rio de Janeiro. A ideia é pensar essas transformações da cidade e como lidamos com nossa memória e nossa história. O outro é Aracati.
Esse é o nome dado a um vento que sopra no Ceará, todos os dias, no mesmo horário, do litoral para o sertão, viajando por 400 quilômetros. Vamos percorrer o caminho desse vento e mostrar de que modo cada lugar se relaciona com ele. No litoral, aproveitando sua força como energia eólica, até o interior, nos vilarejos do sertão, onde as pessoas saem de suas casas para aproveitar o sopro desse vento e amenizar o calor.