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Caminhos para a transformação

Heloisa Passos é fotógrafa, produtora e cineasta. Cursou Agronomia e Sociologia e descobriu sua vocação para o audiovisual a partir de experiências com fotografia para curtas-metragens e para o mercado publicitário. Assina a direção de fotografia dos longas-metragens com os quais ganhou prêmios no Festival do Rio de 2009: Viajo porque preciso volto porque te amo, de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, e O amor segundo B. Schianberg. É a diretora geral da série Caminhos, com 13 episódios, em exibição a partir deste mês no SESCTV.

No que consiste a série Caminhos e como o projeto surgiu?

Caminhos é uma descoberta de brasileiros anônimos, desconhecidos, que buscam aprender, que vão para a aula de violino, de capoeira, de balé clássico, para a escola formal. É a relação dessas pessoas com sua vida. Todas têm algo em comum: caminham para aprender. Caminhos é o olhar sobre um Brasil digno, em transformação. O projeto surgiu no Paraná, onde nasci, a partir de um filme que eu dirigi chamado Caminho da Escola - Paraná, e com o qual descobri uma comunidade que vive da plantação de banana. Era um universo de pessoas morando muito perto da capital, praticamente isoladas e cheias de dificuldades para ter contato com outras realidades, e que sonhavam ter acesso à escola depois da quarta série. Essa experiência nos levou a pensar num projeto maior, que foi longamente lapidado na busca, que eu faço, de olhar o Brasil e a nós mesmos, no processo de aprender a ouvir melhor e de aprender com o outro através do documentário.É uma história de aprendizagens, tanto para quem fez como para quem quis participar sendo personagem.

E como esse projeto será apresentado ao telespectador?

Caminhos é uma série de treze episódios com histórias filmadas no Norte, Sul, Leste e Oeste do Brasil. É resultado de uma longa e extensa pesquisa. A gente começou este projeto pensando em Caminhos como longos percursos; no entanto, no processo da pesquisa, descobrimos que não era apenas isso, são pessoas que vão de bicicleta, de carro, de ônibus, a pé, de barco, para aprender. Isso eles têm em comum.

O caminho ser ou não ser longo não era o mais importante, a partir de certo momento da pesquisa. A gente tinha de conseguir pessoas que queriam mostrar sua vida. A gente tinha de casar o caminho físico com o momento que aquela pessoa estava vivendo. É um casamento do caminho estrada com o caminho daquela vida. A gente descobriu que estava lidando com questões muito humanas, com afeto, com a sociedade brasileira, com a questão rural, com a família. E isso tudo era tão importante quanto o
caminho. Caminhos não é on the road, é on the movie.

Caminhos sugere ser uma série para discutir Educação. Mas, na realidade, o foco está nas pessoas. Houve um amadurecimento da proposta original?

Amadurecimento sempre existe no processo de trabalho, porque fazer filmes é um processo de amadurecimento – e é por isso que eu gosto tanto deste trabalho. Em cada episódio da série, a gente ia descobrindo como se aproximar das pessoas, como se relacionar com elas. Em poucos dias a gente consegue contar uma história com uma câmera e uma equipe de três, quatro pessoas. A questão da Educação sempre esteve presente, porque estamos falando de crianças, jovens e adultos que estão indo estudar. Mas a sala de aula não era o nosso foco. Assistimos ao filme Être Avoir, que nos inspirou muito, mas que ficava na sala de aula; só que ele nos trouxe uma proposta de abordagem do tema. No filme Caminho da Escola - Paraná a gente ainda usava muito o recurso da entrevista. Ao pensar na série, estruturamos o formato de 13 histórias de 26 minutos e enfrentamos o desafi o de não usar a entrevista e a fala diretamente para a câmera. Escolhemos um lugar, uma família e uma ou duas pessoas, no máximo.
Em alguns lugares, dormíamos praticamente na casa do lado, porque eram comunidades. Confiamos muito nisso: a série conta a história observando.

Como se deu a escolha das personagens, dos temas e dos lugares retratados na série? Houve um trabalho de pesquisa?

Quando se definiu a série, num primeiro momento foi feito um mapeamento: Norte, Sul, Leste, Oeste. Mapeava-se geograficamente e havia uma equipe de pesquisa com base na produtora e, depois que a gente via os caminhos que nos interessavam naquela região, ia um pesquisador local para conversar
e gravar com esses pretendentes. Esse material chegava para escolhermos. Outro critério usado era este: se no Nordeste a gente ia filmar praia, então em outros locais adentrava-se o interior. Filmamos na região dos canaviais; fomos para uma região de quilombo; para a fronteira do Brasil com a Bolívia; para o Sul de ocupação italiana. Enfim, foi um processo longo, que levou cerca de dois anos para ser concluído.

Quais as motivações para optar por uma linguagem mais poética e contemplativa na narrativa dos episódios?

Caminhos é uma série que acredita na imagem e no brasileiro. Ela olha o brasileiro com dignidade. Precisamos de várias viagens para poder ver o Brasil em transformação. Caminhos, para mim, é uma grande descoberta; e espero que assim seja também para o telespectador. É uma experiência de vida. Caminhos é uma série política, cinematográfica e humana, porque lidamos com família, com afeto, com a sociedade brasileira, com o interior e o litoral, com os imigrantes, sempre no olhar humano das relações. É olhar o outro. Caminhos são vários trechos percorridos na tentativa de dar um passo adiante.
Acho importante dizer que eu fiz a direção geral de Caminhos e dirigi oito episódios da série, mas convidei outras duas diretoras, que foram muito importantes: a Marília Rocha, que fez quatro episódios, e a Katia Lund, que fez o episódio de São Paulo.

A partir do que viu e ouviu nas viagens por diferentes realidades do País, o que pode compreender sobre os brasileiros?

Esses brasileiros que a gente pesquisou e filmou têm muita esperança, acreditam muito no seu próprio passo e que a vida pode ser melhor. Eles sonham – e isso é fundamental para todos nós. Eu não vejo diferença nenhuma entre eles e nós. Porque o que interessa mesmo é continuar sonhando. Como eles acreditam que podem transformar sua vida tendo contato com outra realidade, aprendendo a escrever! O que mais me emocionou foi ver quanto nós somos todos iguais: o que a gente quer é poder sonhar.

Então, é um privilégio fazer o que eu faço, poder ir a vários cantos do Brasil e constatar que somos todos iguais. A gente é ser humano que não quer só a responsabilidade de plantar a mandioca, de fazer o queijo. Também é um fazer nada, é vida lazer. Esse sentimento aflorou muito na série. E o desejo de a pessoa querer mostrar sua vida eu respeito muito naquele que decide dar ok para ser filmado. Decidem ser filmados porque têm orgulho da vida deles. Eles têm uma história para contar
 

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