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TV, inclusão e sustentabilidade

MARIA ZULMIRA DE SOUZA

O som marcante da vinheta anunciava: “Está no ar o Repórter Eco”. Era dia 10 de fevereiro de 1992 e o primeiro telejornal de meio ambiente da TV brasileira começava às oito horas, não da manhã, mas da noite. Parecia um sonho: um programa ambiental diário no horário nobre da TV Cultura. E a realidade – não diária, mas semanal – continua no ar até hoje nas tardes de domingo. Um exemplar raro no meio televisivo e uma conquista, não só para quem trabalha com a temática, mas para o público em geral.

Muitos profissionais foram influenciados na escolha de sua carreira pelo programa, que acompanha a evolução do reconhecimento da importância da área no Brasil e no mundo. É apenas uma mostra, na imensidão de possibilidades que a televisão oferece. No universo da internet, então, esse cenário se amplia ainda mais.

Nesses 20 anos, a sociedade passou a conviver cada vez mais no seu dia a dia com os reflexos do modelo de desenvolvimento que adotamos. A busca de práticas mais sustentáveis, por força do mercado e/ou da gravidade da saúde do planeta, fez com que as pautas ligadas à sustentabilidade frequentassem cada vez mais as telas das tevês: em programas de apelo popular, em tramas de novelas, em merchandising, nos programas de domingo, em reportagens esporádicas etc.

Como consequência, quase todo o mundo já ouviu falar em sustentabilidade, mas poucos entendem realmente o que quer dizer, como pode ser usada na prática e o poder transformador de um conceito que mostra que tudo está interligado na teia da vida.
Se a temática saiu um pouco das caixinhas, as abordagens variam de profundidade e qualidade. Num mesmo canal, um mesmo assunto recebe tratamentos absolutamente opostos: no telejornal, o elefante brinca e diverte os visitantes; e no programa ambiental, o animal está estressado pelos visitantes e pelas condições do cativeiro.

Ainda há uma resistência das emissoras em entrar de cabeça no assunto, visto como complexo e “chato” para atrair audiência. Traduzir sustentabilidade para a linguagem televisiva nem sempre é uma tarefa fácil. Requer pessoas especializadas, mas que sabem que até a mais difícil equação matemática – quando tem relação com a vida real – pode transformar-se numa história fascinante a ser contada.

Um nicho escondido

É geralmente no horário em que queremos ficar na cama que entram os programas que aprofundam o tema nas tevês abertas. Isso porque as emissoras de tevê ainda veem a sustentabilidade como um assunto à parte dos seus negócios. Se assim não fosse, teríamos cenários com materiais mais sustentáveis, programas de todas as editoras neutralizando as suas emissões entre outras tantas iniciativas possíveis no campo socioambiental.

Com a sustentabilidade vista dessa forma, caímos nos jargões técnicos do tripé: econômico, social e ambiental. Deixamos de lado todo o potencial de ela ser inclusiva, mobilizadora e divertida. Sim, divertida!

Outro dia fui entrevistar o físico e pensador Fritoj Capra para um novo projeto de programa de tevê, Sustentabilidade no Divã, que tem justamente a missão de tratar do assunto com bom humor. Capra influencia intelectuais e empresários com as suas pregações e práticas do pensamento sistêmico. Queria saber dele se o humor poderia aproximar as pessoas da sustentabilidade. Ele disse que sim, e falamos sobre a única passagem do seu famoso livro O Tao da Física, que trata do poder que uma piada tem para “iluminar” uma pessoa: “no segundo em que você entende uma piada, você experiencia um momento de iluminação”.

A fala de Capra pode indicar uma direção para tornar a sustentabilidade mais palatável. O humor está em alta. Tem o poder de derreter barreiras, de tocar as pessoas. Depois de duas décadas de conscientização e informação do público sobre a gravidade da situação planetária e da necessidade de mudar comportamentos, talvez seja a hora de a sustentabilidade perder um pouco a sisudez da teoria e cair nas graças das práticas de bom humor. Nada mais sustentável, não?!

Maria Zulmira de Souza é jornalista, idealizadora do programa Repórter Eco, da TV Cultura. Foi idealizadora e diretora geral do Sustentáculos (TV Brasil) e editorialista do Ecoprático (TV Cultura). É diretora da Planetária Soluções Sustentáveis, especializada em conteúdos socioambientais, e editora de conteúdo do Globo Ecologia. Conselheira do Imaflora e Planeta Sustentável. E sonha em fazer o primeiro festival de humor (in)sustentável.
 

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