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O brasileiro se curva à franquia

SILVIA KOCHEN

No ano passado, enquanto o crescimento econômico brasileiro ficou em 2,7%, a expansão do ramo de franquias cravou em incríveis 16,9%, um contraste e tanto em relação ao desempenho de importantes outros segmentos. Ao final de 2011, a rede franqueada tinha no país um total de 2.031 marcas (das quais apenas 106 eram de origem estrangeira), 93.098 unidades de negócios (entre lojas próprias e franqueadas) e respondia por 837.882 empregos diretos, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF). Já o movimento financeiro do setor no período chegou a R$ 88,8 bilhões, resultado que retrata a força no âmbito do varejo assumida de uns anos para cá. Em 2012, imagina-se, os investimentos na expansão dessa gigantesca estrutura vão levar à criação de 75 mil novos postos de trabalho.

São números expressivos. O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de marcas sob sistema de franquia, estando atrás apenas da Coreia do Sul, dos Estados Unidos e da China. É também dono da sexta posição no tocante ao total de unidades franqueadas, quesito em que Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, China e Índia ocupam as primeiras colocações. A explicação para esse fenômeno passa pelo ambiente econômico particularmente propício no Brasil para esse modelo de negócio. Primeiro, o tamanho do país, de dimensões continentais, dificulta a expansão de marcas regionais. Segundo, desde os anos 1980 as novelas de televisão, transmitidas em rede nacional, vêm despertando, do Oiapoque ao Chuí, um imenso desejo de consumo pelos produtos e serviços que não estão disponíveis em todos os lugares, como a chamada “moda Rio”, um determinado estilo de confecção. Ou seja, a demanda já estava pronta, mas era preciso arrumar algum meio de conduzir a oferta.

Foi assim que surgiram os primeiros exemplos de franquias, que, à época, eram chamados de licenciamentos. Os jeans da marca Ellus, por exemplo, tinham um dealer, ou revendedor autorizado. Escolas de inglês também licenciavam sua metodologia para uso de outros empreendedores. Não causa surpresa, pois, que ainda hoje 70% das franqueadoras brasileiras tenham suas sedes na região sudeste e apenas 0,8% na região norte. Aos poucos, descobriu-se que não se tratava de um simples produto ou serviço, mas sim de um modelo de negócio. E a franquia ganhou asas no Brasil.

Mas vamos por partes. A franquia é um modo de atuar no mercado que já foi testado anteriormente pela franqueadora. O franqueado compra um modelo de negócio, não uma marca ou produto, que pode ser de qualquer área – cosméticos, autosserviços, escola de idiomas, fast food ou treinamento, por exemplo. O processo de franqueamento, porém, apesar de seu aspecto simples, é bastante complexo. Primeiro, a franqueadora faz um planejamento, de maneira a propiciar uma expansão segura, com critérios definidos e de forma que os franqueados se instalem em locais promissores. Todas as rotinas do dia a dia do negócio são bem estabelecidas e descritas exaustivamente, para impedir que eventuais erros venham a atrapalhar a gestão. Por exemplo, em uma loja de salgados o pagamento deve ser feito antes do pedido ou após o consumo? Quantas colheres de maionese deve ter aquele sanduíche? Que itens a loja de roupas precisa manter em estoque? Qual deve ser o visual e o atendimento capazes de identificar todas as lojas da rede franqueada?

Cada tipo de atividade tem exigências específicas. O setor de alimentação, um dos que mais crescem e dão mais lucro, se traduz por um estilo de trabalho exaustivo; o de moda requer pessoas que acompanhem tendências; o de serviços foca no atendimento, e assim por diante. Ao adquirir uma franquia, o empreendedor recebe treinamento da franqueadora a fim de que a operação seja realizada de acordo com as suas determinações, devendo por outro lado contar com a garantia de algum tipo de suporte para a eventualidade de problemas futuros.

Oito moedas

Em alguns casos, é permitida uma adaptação aos padrões regionais. Por exemplo, a Kentucky Fried Chicken (KFC), de frango frito, oferece feijão com arroz em suas lojas no Brasil. O McDonald’s serve guaraná no Brasil e vinho na Itália. A China in Box trocou um dos ingredientes essenciais de um dos mais tradicionais itens de seu cardápio, o amendoim do frango xadrez, por castanha de caju no nordeste. Essas adaptações, contudo, exigem autorização da franqueadora e não podem ultrapassar 20% do mix de produtos para não descaracterizar a marca.

Apesar de toda a rigidez, o sistema de franquia avança a passos largos no Brasil, e muitas empresas de capital nacional iniciam agora sua expansão para o exterior (91 marcas já fincaram seus letreiros em 58 países, em todos os continentes). O exemplo da locadora de automóveis Localiza é emblemático dessa busca pela internacionalização. A empresa de Belo Horizonte começou a formular sua estratégia de expansão por meio de franquias em 1983, dez anos após sua fundação, de modo a interiorizar a atividade e fortalecer sua marca. Naquele momento, a crise da dívida externa brasileira tornou o capital escasso e elevou muito os custos, fazendo com que muitas empresas preferissem alugar veículos a empatar dinheiro em frotas próprias. “Com a abertura de franquias, pudemos compartilhar o investimento com nossos franqueados”, diz Bruno Andrade, diretor de Franchising da Localiza. “O desafio foi grande, pois nossa empresa nasceu em Minas Gerais, portanto, fora do eixo Rio-São Paulo, e ainda não era muito conhecida nem dispunha de uma rede consolidada”, ele recorda.

Ao optar por expandir-se através de franquias, a empresa adotou como alvo inicial o nordeste, onde havia grandes investimentos em turismo e mineração e os concorrentes eram fracos. Aos poucos, a Localiza foi abrindo novas unidades franqueadas em outras regiões, e quando, finalmente, chegou a São Paulo – onde estavam sediados seus concorrentes de origem estrangeira –, a locadora de carros mineira tinha um enorme leque de agências e era conhecida no país inteiro.

“Em 1992, já tínhamos o domínio de todo o ciclo de negócios para franqueamento – que inclui negociação, treinamento e, principalmente, a transferência de know-how para terceiros – e concluímos que havia chegado o momento de partir para a internacionalização da marca”, conta Andrade. O primeiro alvo foi Buenos Aires, local em que os concorrentes (a maioria grandes redes internacionais) não eram fortes.

O diretor de Franchising da Localiza afirma que a expansão internacional representou um desafio do ponto de vista cultural, uma vez que a empresa passou a falar dois idiomas (fora do Brasil ela está presente na Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru), a trabalhar com oito moedas e a atuar com diferentes estruturas tributárias. Isso modifica muito as características dos franqueados. Por exemplo, no Brasil o investimento mínimo para a abertura de uma agência de aluguel de carros é de R$ 1 milhão, capital necessário para a aquisição de 30 veículos e a instalação de um ponto comercial. No Chile, onde não há a incidência de impostos sobre a importação de automóveis – o país não tem montadoras em seu território –, esse valor cai para US$ 300 mil (cerca de R$ 600 mil).

Hoje, a Localiza tem uma rede de 502 agências, das quais 249 são franqueadas, e é a principal empresa do setor no continente sul-americano, dando cobertura a 364 cidades. “Somos líderes no Brasil, no Paraguai, na Colômbia e no Peru, mas nossa meta é alcançar esse posto em todos os mercados onde operamos”, salienta Andrade. A abertura de mais franquias é fundamental para atingir essa meta – apenas em 2011, foram 35 novos franqueados, dos quais 8 no exterior. Andrade revela que o foco é seguir a interiorização da economia, como acontece no estado de Rondônia, ou buscar locais onde o mercado ainda comporte mais lojas, a exemplo da cidade argentina de Mendoza.

De acordo com levantamentos da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, as dez empresas mais bem colocadas no ranking de internacionalização de franquias brasileiras são, pela ordem, a Via Uno (gestora das marcas Via Uno e Naturezza, de calçados e acessórios), a Fábrica di Chocolate (fondue express), a Showcolate (fondue express), a LinkWell (internet, design gráfico e multimídia), a Localiza, a Fisk (ensino de idiomas), a Spoleto (culinária italiana), a Bit Company (cursos de informática, qualificação profissional, idiomas e cursos técnicos), a Hering (vestuário) e a Arezzo (calçados femininos). 

Na opinião do consultor Marcelo Cherto, especializado em expansão de negócios, o mercado brasileiro incorporou muito bem o modelo de franquias, que aqui se desenvolveu melhor que em vários outros lugares. Um fator que explica a força do setor no Brasil, ele argumenta, é o profissionalismo da gestão, normalmente o ponto fraco do pequeno comércio.

Investidor jovem

Cherto lembra que o sistema de franqueamento evoluiu muito desde que aqui chegaram as primeiras marcas, nos anos 1980. No início, ocorreram muitos conflitos entre franqueadores e franqueados e, por conta disso, algumas marcas acabaram “expulsas” do mercado, uma vez que não havia empreendedores dispostos a investir nelas. Um exemplo negativo foi o de uma grife internacional de roupas e acessórios, que distribuía sua mercadoria através dos franqueados. Devido à crise e aos seguidos pacotes econômicos, os estoques encalhavam, e a franqueadora, em vez de negociar com seus franqueados, oferecendo suporte para promover sua marca, levava as duplicatas a protesto. Essa grife, que na época podia ser vista em qualquer shopping center paulistano, agora tem no país apenas algumas poucas lojas. “Hoje isso já não acontece, pois o mercado brasileiro de franquias está maduro”, observa Cherto. Reflexo dessa evolução, um exemplo de sucesso é O Boticário, que conta com mais de 3 mil franqueados e é modelo de gestão. Prova disso é que bastam 15 dias para montar uma nova loja da empresa, já que todos os procedimentos estão muito bem formatados.

O consultor acredita que o fato de a economia brasileira estar em alta tem ajudado a empurrar o setor para a frente. Cherto observa que o Brasil foi sede, em 2012, da maior feira de franquia do mundo, com quase 500 expositores e 61 mil visitantes. Já um evento similar realizado em Paris contabilizou cerca de 400 expositores e 45 mil visitantes. O consultor, cuja empresa dá suporte ao planejamento, criação e venda de franquias, diz que algumas marcas desse ramo empresarial já trabalham inclusive com papéis no mercado de ações.

Todavia, assim como acontece em todos os ramos de atividade econômica, o franchising também enfrenta problemas. O consultor Marcus Rizzo, da Rizzo Franchise – consultoria paulistana especializada em estruturação e implantação de redes de franquia –, alerta para o fato de que aqui elas tiveram origem em grandes indústrias que queriam escoar seus produtos, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, onde o sistema já nasceu como uma estratégia de expansão do varejo. Isso, evidentemente, gerou uma grande distorção. Muitas vezes, em vez de ser um parceiro no negócio, o franqueado se torna um mero canal de vendas. Pode acontecer, inclusive, de ele se ver obrigado, por contrato, a ter como fornecedor exclusivo o franqueador, que lhe cobra um preço elevado. “Nos Estados Unidos, as grandes franqueadoras não vendem seus produtos para o franqueado, mas buscam no mercado um fornecedor mais vantajoso, transferindo essas vantagens a seus parceiros”, explica o consultor.

O conselho de Rizzo para quem pensa em adquirir uma franquia é verificar como funciona o sistema de cobrança de royalties pela marca. Se incidir sobre as compras feitas pelo franqueado, isto é, sobre o fornecimento, é “fria”, segundo ele, pois mostra que o franqueador não está preocupado com o destino do parceiro. Já quando a cobrança é calculada sobre o faturamento da franquia, há uma clara preocupação com o crescimento do franqueado. “Mais de 80% das franquias que desapareceram do mercado cobravam royalties sobre o fornecimento.”

Um cuidado adicional diz respeito às franquias novas, que requerem por parte do interessado uma avaliação detalhada, e o recomendável, nesse caso, é coletar informações entre pelo menos quatro franqueados da rede. Isso, porém, fica praticamente impossível quando não há franqueados ou os que existem têm pouco tempo de atividade, não podendo, portanto, ser tomados como referência. Por isso, é bom cercar-se de uma vasta literatura sobre o assunto e bater às portas de entidades envolvidas com as coisas do setor, a exemplo da ABF.

Buscado em outros tempos por empresários calejados e com larga experiência em suas áreas da atuação, o franchising, especialmente no Brasil, tem atraído as atenções dos jovens, muitos deles marinheiros de primeira viagem no plano comercial. Um estudo conduzido pela Rizzo Franchise levantou que, entre 2009 e 2011, mais de 98 mil brasileiros com menos de 30 anos de idade investiram na aquisição de uma unidade franqueada. Notícia publicada no portal da ABF cita como exemplo desse novo panorama a Fundação Fisk, detentora das marcas PBF e Fisk – a primeira com 50 anos de atividade, a segunda com 54 –, informando que 30% dos franqueados da marca têm menos de 35 anos. “Alcançamos a segunda e a terceira geração de franqueados”, ilustra Christian Ambros, diretor da Fundação Fisk. Ele adianta que “os avós eram os controladores da escola, depois os filhos e, agora, os netos”.

O fato é que, por qualquer ângulo que se olhe, o franchising é um sucesso entre nós, e um número cada vez maior de empresas amplia seus horizontes graças a esse peculiar estilo de negócio. Veja-se o caso da VestCasa, rede de lojas dedicadas à comercialização de produtos decorativos e artigos de banho, cama e mesa, com pouco mais de 30 anos de vida, e que opera essencialmente em Brasília, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo por meio de 86 unidades comerciais. A empresa trabalha com a expectativa de chegar a todo o Brasil e alcançar 2015 com 400 lojas em operação.

São saltos fenomenais, que não poderiam ser concretizados em prazos tão exíguos caso o processo de expansão não focasse o sistema de franquia. Que o diga, por exemplo, a empresa de fast food Giraffas, a lanchonete de Brasília que, fundada em 1981, se transformou numa rede com mais de 360 unidades, algumas delas fora do Brasil. Ou a Habib’s, maior cadeia de fast food de cozinha árabe do mundo, um empreendimento fundado em 1988 e que abriu sua primeira franquia quase por acaso, em 1992, quando uma consumidora, surpresa com os preços acessíveis cobrados pelos produtos oferecidos pela loja da empresa em São Paulo, a primeira da rede, se interessou pelo negócio. Hoje, são 400 unidades em todo o país, um colosso controlado pelo Grupo Alsaraiva, que não para de crescer. Fazem parte do conglomerado, ainda, oito outras empresas, despontando entre elas a Ragazzo (rede de fast food de culinária italiana), a Box30 (fast food de salgados), a Promilat (fabricante de queijo minas e a maior captadora de leite da região produtora de Promissão, no interior paulista), a Ice Lips/Portofino (indústria de sorvete que atende as lojas da rede e supermercados) e a Arabian Bread (dedicada à produção de pães sírios, discos de pizza, pães para hambúrguer, esfihas folhadas e massas para pastel e fogazza).