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Rabeca encantada

Mestre Luiz Paixão. Crédito: Mateus Sá
Mestre Luiz Paixão. Crédito: Mateus Sá

MESTRE INSTRUMENTISTA VIRTUOSO E INVENTIVO LANÇA SEU SEGUNDO DISCO
COM SAMBAS, FORRÓS, COCOS, CIRANDAS E CAVALOS-MARINHOS

 

Uma das principais referências para a geração de músicos que surgiu a partir do movimento manguebeat, o rabequeiro Mestre Luiz Paixão, 72 anos, fala um idioma encantado. Uma língua que dispensa papel e lápis, recursos que não estiveram ao seu alcance na Zona da Mata Norte de Pernambuco. Seu Luiz, como também é conhecido, vem dos canaviais dessa região, filho de agricultores e integrante de uma família de músicos.

Começou a trabalhar aos oito anos cortando cana-de-açúcar, sempre participando de uma das festas mais populares da região: o cavalo-marinho. Aos 12 anos, com seu arco em punho e o pensamento a galope, começou a contar histórias em forma de melodias. Uma trilha que seguiu e, para tal, adotou como sobrenome artístico o mesmo do avô Severino Paixão, outro mestre da rabeca. Desse instrumento que parece um violino, nascem causos de amor, vida, morte, peleja e, claro, alegria. Um apanhado de vivências ponteadas em seis décadas como rabequeiro admirado dentro e fora do Brasil.

Protagonista de pesquisas de estudiosos e artistas de todo o mundo, pelo seu conhecimento do coco de roda, do cavalo-marinho, da ciranda e do forró. Enquanto sua candidatura a Patrimônio Vivo de Pernambuco segue em andamento, o dia a dia de Mestre Luiz Paixão é dedicado à rabeca. Sempre acompanhado de amigos que compartilham a mesma devoção à música. Fruto dessa combinação, seu segundo álbum, Forró de Rabeca, realizado pelo Selo Sesc e lançado em junho, reúne 14 faixas gravadas com músicos, cantores e compositores que já foram seus pupilos, como Siba Veloso e Renata Rosa, além de compadres de longa data, como Sidraque e Stef Pai Véio.

Por telefone, em sua casa na cidade de Condado (PE), Seu Luiz conversou com a Revista E e compartilhou a alegria de estar perto do público, ainda que seja ao pé do ouvido. “Agora é esperar a situação melhorar para mostrar para todo mundo esse nosso trabalho (o novo disco)”, avisou.

 

Mestre Luiz Paixão | Crédito: Mateus Sá
 

 

RAÍZES MUSICAIS

Nasci em Engenho Palmeira, município de Aliança, e sou de uma família de rabequeiros. Meu avô e a família toda tocavam para os outros dançarem. Um batia o pandeiro; outro, o triângulo; outro, a rabeca. Quando eu tinha 12 anos, já andava no meio deles também e batia nisso que hoje conhecemos como zabumba, era um instrumento chamado “melê”. Eu ficava lá com eles. Depois, com 15 anos, eu já fui tocar no cavalo-marinho [criado como uma brincadeira, misto de teatro, música e dança, nos intervalos do trabalho na lavoura de cana na Zona da Mata Norte de Pernambuco]. Foi com essa idade que eu apanhei uma rabeca do meu tio. Todo final de semana eu tocava nas cidades por aqui. Eu toquei em todos os cavalos-marinhos da região.

 

RABECA NA ACADEMIA

Chegou um pessoal aqui fazendo pesquisa de música quando eu tocava em um cavalo-marinho com Mestre Batista. Foi aí que conheci Siba [músico recifense que, com a banda Mestre Ambrósio, reintroduziu a rabeca na indústria fonográfica]. Siba foi assistente de João, e eles fizeram uma pesquisa aqui [em 1991, Siba, na ocasião estudante da Universidade Federal de Pernambuco, acompanhava o etnomusicólogo norte-americano John Murphy, que ficou conhecido na região como “João Americano”, numa pesquisa de doutorado sobre o cavalo-marinho]. A primeira viagem que fiz foi para os Estados Unidos em 2000, por causa do estudo do João, e eu fui sozinho.

 

ERA PARA SER O MAIOR RABEQUEIRO DO MUNDO. COMO NÃO EXISTE ISSO, DEVERIA SER O MAIOR DE PERNAMBUCO.

MAS JÁ QUE NÃO EXISTE NADA DISSO (...) ELE FICA SENDO APENAS UM MÚSICO QUE, DE TANTO DOBRAR E 

REDOBRAR, TRANÇAR E RETRANÇAR SUA TRADIÇÃO, ELA FICA CABENDO NO SEU BOLSO. AÍ VOCÊ ESCUTA A PRIMEIRA NOTA E JÁ SABE QUE É ELE.

SIBA VELOSO, músico, cantor e compositor, escreveu em seu perfil no Instagram
 

 

TURNÊ MUNDIAL

A Renata Rosa me conheceu através de Siba. Quando ela veio aqui para Recife, porque morava em São Paulo, me chamou para tocar com ela. Então, com a Renata comecei a trabalhar em 2002. Aí foi que fiz meu primeiro CD, Pimenta com Pitú, que ela produziu, e saí em turnê com um trabalho dela na França em 2003. O Pimenta com Pitú foi gravado uma parte aqui e outra na França. Quando a gente começou a tocar lá, com apresentação, mais a Renata Rosa e os músicos dela, foi muito estranho porque eu não sabia o idioma. Mas, depois, fui me acostumando e já estava entendendo um bocado de coisas. Daí, desenrolei e me tornei conhecido no mundo. Estou aqui até agora e muito músico quer tocar comigo, mas, quando não pode [por algum motivo], pega uma música aqui do velho e toca lá no CD dele (risos).

 

CONHECI MESTRE LUIZ PAIXÃO NOS ANOS 1990 E LOGO ELE SE TORNARIA MEU MESTRE NO INSTRUMENTO. PASSAVA COM ELE LONGAS TEMPORADAS TOCANDO NO TERREIRO NO ENGENHO GURIJÓ. COM O TEMPO, SEU LUIZ ME CHAMOU PARA TOCAR COM ELE NAS INSPIRADAS NOITES DE CAVALO-MARINHO E, QUANDO COMECEI O MEU TRABALHO, NATURALMENTE O CONVIDEI PARA TOCAR COMIGO. (...) ELE FOI UM DOS PRINCIPAIS RESPONSÁVEIS PELA FORÇA QUE A RABECA GANHOU NO BRASIL NOS ANOS 2000 E TEM INFLUENCIADO DEZENAS DE RABEQUEIROS.

RENATA ROSA, cantora, instrumentista e compositora, escreveu em seu perfil no Instagram
 

 

DESEJO FUTURO

O sonho que tenho para fazer ainda é – e tenho fé em Deus – que, daqui para o final da minha vidinha, vou lançar um DVD. Nós ainda não gravamos um. Esse é meu sonho. Seria gravado por aí, por São Paulo, porque é uma coisa mais tranquila para gravar lá, embora eu tivesse que levar o povo daqui para lá, como eu gravei meu CD agora. Já tô velho que só a gota. Mas não tem problema, porque, se Deus quiser, vou realizar esse sonho. Vamos ver se esse pessoal maravilhoso que trabalha comigo também se anima.

 

Capa do novo disco | Crédito: Divulgação
 

Forró de Rabeca

Mestre Luiz Paixão (Selo Sesc, 2021)

Gravado em abril de 2020, no Estúdio Gargolândia, em São Paulo, esse álbum digital do rabequeiro Mestre Luiz Paixão é composto por 14 faixas, entre instrumentais e canções. Nele estão as composições preferidas do músico pernambucano e faixas autorais, como Samba da Santa, Baião Arrochado, Farol de Olinda e a faixa-título, Forró de Rabeca. Há também as escritas em parceria com os músicos que o acompanham nessa longa trajetória de festas populares, como Forró do Cambiteiro (com Guga Santos e Stef Pai Véio), Menina Linda e Samba das Rabecas (ambas com Mina), Dona Maria o Coco é Redondo (com Sidraque) e Ciranda da Macaxeira (com Guga Santos). Destaque ainda para Maria Pequena, um coco em que Seu Luiz experimenta o papel de cantor. Para o produtor e diretor artístico do álbum, João Selva, Mestre Luiz Paixão é ao mesmo tempo inventivo e virtuoso: “Ele é muito aberto musicalmente e a ideia desse trabalho era mostrar essa versatilidade”, disse. Escute o disco na plataforma digital do Sesc São Paulo e entre na roda: https://sesc.digital/colecao/forroderabeca2.