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Entrevista com Marta Gil
“Quando você tem a educação inclusiva bem-feita, é claro, o ensino fica muito concreto e quando fica muito concreto é bom para todo mundo”
Paulistana, 69 anos, formada em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, é especialista em comunicação e disseminação da informação na área da deficiência, especialmente em temas como educação e trabalho. Marta desenvolve um trabalho relevante sobre os diversos tipos de deficiência no Brasil. Possui livros, artigos e vários trabalhos publicados na área e contou, entre outros destaques da sua carreira, sobre a organização da Rede de Informações Integradas sobre Deficiência, que teve como desdobramento a Rede Saci – Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação – projeto que coordenou na USP e contribuiu para o início das ações na área da deficiência.
Mais 60 Marta, para começar, gostaríamos de saber um pouco sobre sua história, suas origens, infância, onde você nasceu...
Marta Gil Eu sou paulistana, nasci perto da Avenida Paulista, na rua Frei Caneca, e os dois lados, tanto da minha mãe como de meu pai, são de uma origem muito brasileira. Do lado da minha mãe eu tenho um tio-avô que gostava muito de genealogia e ele conseguiu traçar a nossa árvore até 1700 em Minas [Gerais]. Claro que os registros têm certa limpeza étnica, então a gente não identifica a presença de negros e índios, que, obviamente, tem. Você vê pelas feições. Minha avó materna tinha uma aparência muito indígena, com os ossos malares salientes, cabelo bem preto e, do lado do meu pai, a gente não tem tantos registros, mas também é uma origem bem portuguesa, bem brasileira, eles são fundadores de uma cidade chamada Jambeiro, que fica na via Dutra, então eu sou bem brasileira mesmo.
Quando você começou sua trajetória nessa área da deficiência, acessibilidade, inclusão? Estudar sobre isso, como foi?
Eu tenho duas respostas. A primeira, eu nasci dentro disso, dessa temática. Por quê? Meu pai tinha uma deficiência física, que a minha irmã, um pouco mais nova do que eu, também tem. Não exatamente a mesma, mas também tem. Minha mãe tinha cinco irmãs, a última tinha síndrome de Down. Assim, em certo sentido, eu nasci nessa temática, eu convivo com isso desde que nasci e com uma sorte incrível, porque meus avós tinham uma postura que, até hoje, quando eu lembro, fico emocionada e orgulhosa, porque eles tinham uma visão muito para frente, muito mesmo. Essa minha tia foi superestimulada, minha avó tinha feito a Escola Normal, na Caetano de Campos, ela era uma mulher que tinha estudado, talvez até um pouco mais do que as mulheres da época, e ela tinha informações sobre a síndrome de Down. Quando nasceu essa filha, foi feito o diagnóstico, era a caçulinha, daí ela disse: “A gente tem que fazer alguma coisa”. Nessa época, a Helena Antipoff, a fundadora da Pestalozzi, estava chegando ao Brasil, em Minas Gerais. Minha avó não teve dúvidas, chamou o marido e disse: “Você fica com as meninas, elas já podem ajudar, e eu vou para Minas, vou estudar”. A essas alturas, minha tia [com Down] tinha uma professora particular e eu fazia as aulas junto com ela. Era um “comecinho de inclusão”, porque a professora e a minha avó achavam que isso a estimularia. O resultado foi que eu aprendi muito rapidamente.
Fale mais sobre o seu pai.
Ele tinha uma diferença de tamanho das pernas, então ele balançava um pouco, mas ele andava... enfim, ele foi tocando a vida. Foi um dos fundadores da Cooperativa de Consumo dos Funcionários. Ele era da organização da associa- ção dos funcionários, organizava festas de Natal, porque era festeiro. Então, sempre conviveu com muita naturalidade. Para mim era uma coisa que fazia parte do meu dia a dia.
Daí você decidiu estudar sobre isso, você fez Ciências Sociais...
Fiz Ciências Sociais na USP [Universidade de São Paulo] e como eu tinha uma bolsa de estudos, fiz intercâmbio nos Estados Unidos. Sempre gostei de ter meu dinheirinho e quando voltei, passei a dar aulas de inglês. Eu me via lutando por uma sociedade mais justa, uma coisa assim. Nessa época eu já era recém-formada, eu disse “está legal, vou ver como é isso”. Fui fazer uma pesquisa, um levantamento bibliográfico rápido, não tinha nada de informação sobre pessoas cegas. Você tinha alguns estudos muito pontuais, principalmente na África. A aldeia X que tinha muita incidência de tracoma. Então, tinha um estudo sobre tracoma, enfim.... As pessoas só trabalhavam com estimativas da Organização Mundial da Saúde [OMS].
Nessa época havia mais informações a partir da saúde biológica e da medicina, correto?
Você nem tinha informação, você tinha estimativa e pronto. Quando tinha esses estudos eram coisas médicas e mesmo assim muito pequenas, muito restritas. A Organização Mundial da Saúde dizia que em tempos de paz, nos países de terceiro mundo, a gente usava ainda essa nomenclatura, 10% da população tinha deficiência. Desses 10% eles iam dividindo as fatias. Cinquenta por cento com deficiência intelectual e os outros. Não tinha mais nada, então tinha uma coisa para estudar.
Você fez parte do Projeto Rondon?
Sim. Eu organizei uma pesquisa, foi um trabalho totalmente voluntário e, no Rondon, eu capacitava os estudantes, eles iam a campo, eles tinham várias tarefas e uma delas era essa. Essa pesquisa foi avançando, essa parceria com o Rondon foi muito bacana, a gente estudou os municípios mais carentes de nove estados brasileiros, tivemos pouco mais de seis mil questionários preenchidos, e era um retrato de total desamparo. A maior parte das pessoas não tinha noção do que era Braile, nunca tinham ouvido falar, em geral ficavam em casa ouvindo radinho, porque o Rondon ia aos municípios mais pobres, mais carentes. Também não sabiam como haviam adquirido uma deficiência visual, porque tem muitos lugares em que o oculista vai uma vez por semana, uma vez por mês, até hoje. Depois de todo esse tempo eu tinha mudado totalmente a minha visão, o Projeto Rondon foi interrompido naquele momento, eu escrevi um livro, a gente o publicou com os dados e o mandou para a Biblioteca do Congresso Nacional, lá nos Estados Unidos.
Nesse período você continuou com os estudos sobre deficiência na USP?
Eu fui dar uma olhada para ver se o conhecimento tinha avançado, nesse período que eu não tinha trabalhado. Não, o conheci- mento não tinha avançado. Eu pensei, já que eu vou apresentar uma proposta para deficientes visuais, por que não todas [as deficiêcias], já que estou na chuva, vamos ver. Aí, eu fiz uma propos- ta e foi aceita. Tive uma bolsa por quatro anos. Voltei na USP e disse “tenho uma ideia, não sei se vai funcionar, e tenho uma bolsa”. Aí eu fui para a USP, montei o primeiro sistema de informa- ções sobre pessoas com deficiência e, ao mesmo tempo,eu trouxe uma área temática para a USP.
Tinha um formato mais assistencialista?
Totalmente. Você tinha poucas associações. Você tinha a AACD [Associação de Assistência à Criança Deficiente], a Apae [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais], o Lar Escola São Francisco, que agora não tem mais, tinha o Instituto Padre Chico, que é muito antigo, e a Dorina Nowill, que se chamava Fundação para o Livro do Cego. E o que acontecia de informação era muito precário, eram cadernetas de telefone. As assistentes sociais se conheciam, porque eram poucas associações. Então chegavam casos, se elas não tivessem vagas ou não fossem exatamente o perfil, elas pegavam o caderninho e ligavam – “você tem vaga?” –, era assim o sistema. Era pelas assistentes sociais.
E como você vê essa evolução até os dias de hoje?
Ah, é uma maravilha. Foi muito rá- pida. No começo foi muito difícil, como todo começo. Foi muito desafiador quando a gente fez o primeiro site, a gente pedia para que as pessoas escrevessem, mas as pessoas diziam: “Mas eu vou escrever, sou uma dona de casa, num site da USP? Não, não vou, não sei escrever”. Isso foi mudando, mudando, mudando e, hoje em dia, todo mundo publica, escreve e tal. E a ideia de direitos – “eu tenho direitos” – está muito consolidada. Então, muitos avanços.
O que você acha da educação pública e da iniciativa privada para as pessoas com deficiência no Brasil? Você acha que ainda tem muito para evoluir ou é suficiente?
Não é suficiente, precisa evoluir muito, mas o que eu acho é que o copo está meio cheio. A gente tem ótimas iniciativas, ótimos resultados em muitos lugares do Brasil. Às vezes, em cidades pequenas, você tem coisas muito exitosas acontecendo, por outro lado, ainda falta muito. A gente está em um momento em que essa ideia de inclusão na escola está se afirmando.
Você acha que tem uma tendência de voltar a segregar?
Principalmente as escolas particulares, sim, elas têm muita resistência, com honro- sas exceções. Não são todas, mas elas têm muita resistência. Acho que, basicamente, por pressão dos pais e falta de conhecimento dos professores e dos pais, porque todo professor quer ter bons resultados. Ele quer que o aluno aprenda e, nas faculdades, eles não recebem essa capacitação. Eles têm teoria, Piaget, Vygotsky, enfim, só que na hora que você tem um aluno com autismo na sua frente e em algum momento ele se descompensa não tem Vygotsky que dê conta.
A gente ouve muitos educadores comentarem quando é a hora de trabalhar de forma exclusiva e inclusiva, porque, realmente, não é tão simples. Depende de pesquisa, né?
Depende, depende de conhecimento e a lei... acho que a nossa lei é muito interessante, porque ela diz o seguinte: um período, não para todos, mas para quem precisa, um período na escola regular, na sala comum, junto com os coleguinhas. Outro período, no contraturno, no atendimento educacional especializado. Se ele é surdo, vai aprender Libras, se ele é cego, pode aprender Braile, enfim. E então a professora da classe regular conversa com a professora do AEE [Atendimento Educacional Especializado] e fala, por exemplo, “não estou conseguindo ensinar frações para ele”, daí a professora do atendimento especializado vai procurar uma metodologia, um jeito, uma estratégia, e vai passar para a professora da sala.
Seria um aprimoramento?
Exatamente. Agora, nem todas as escolas fazem isso, nem todos os professores conhecem e muitas vezes os pais ficam temerosos. “Ah, esse aluno com deficiência vai abaixar o nível e eu não quero, tira ele da sala do meu filho! ”, sem ter a noção de que é o contrário. Quando você tem a educação inclusiva bem-feita, é claro, o ensino fica muito concreto e quando fica muito concreto é bom para todo mundo. Não é que a professora vai preparar uma aula para o Joãozinho e uma aula para o resto da classe, não. Você tem muitas estratégias.
Você pode falar sobre a Rede Saci? Teve uma época que você a coordenou. Como foi? Como começou?
A Rede Saci foi a segunda rede, foi um desdobramento do primeiro projeto, quando eu fui para a USP, nos anos [19]90. O primeiro projeto chamava-se Reintegra – Rede de Informações Integradas sobre Deficiências. Aí, a Reintegra cresceu, cresceu, ela era uma novidade e nós re- solvemos ampliar. A essas alturas a informática, a internet estava muito mais acessível, porque quando a internet chegou aqui no Brasil, era acadêmica. Era uma utilização muito restrita. E mesmo o pessoal da academia resistia. Era um deserto, não tinha tráfego, era uma estrada de- serta. Então, foi assim, a Reintegra foi crescendo, a gente usava ainda muita carta, a gente impri- mia o material em rimas, aquelas impressoras desse tamanho! E a Reintegra foi crescendo e deu origem à Rede Saci.
E qual a razão para o nome Saci?
Primeiro, a gente usou a palavra como um acrônimo, “solidariedade”, “apoio”, que eram nossos valores, “comunicação” e “informação”, que era nossa forma de agir. A gente não tinha atendimento, não tinha fono, não tinha nada, a gente passava, gerava ou simplesmente passava a informação e comunicação. Também escolhemos o saci-pererê porque ele é muito interessante. Ele é um duende, especificamente brasileiro, em Portugal não tem, ele é nosso, né? E assim, saci-pererê são palavras de origem indígena, o saci nasceu indígena. Ele ficou negro porque os escravos negros se apropriaram, mas ele é indígena. Ele tem aquele barrete vermelho, que é dos duendes portugueses, e ele tem uma deficiência, porque tem uma perna só. Segundo a lenda, o saci viaja no redemoinho, e quando você tem um redemoinho, sai tudo do lugar, fica uma bagunça. A gente brincava que o nosso saci viajava na internet, porque quando a internet chega, muda a vida de todo mundo. Então, por isso que a gente usou o saci. Então, a Rede Saci nasceu mais robusta, ela existiu durante muitos anos. Em 2006, eu saí da universidade, fui trabalhar como consultora, a Rede Saci ainda continuou um pouquinho, depois a universidade desativou. Aí, teve uma época que eu fiquei bem triste, mas, enfim, eu fui percebendo que ela já tinha feito o papel dela, porque a informação já estava aí. As coisas todas têm um ciclo na vida e tudo bem, a Saci teve um ciclo também.
Marta, em uma de suas entrevistas, você disse: “A inclusão é um processo que começa dentro de cada um de nós. Envolve valores, sentimentos, noções apreendidas. Não se trata de apontar o dedo no nariz dessa entidade abstrata chamada sociedade e esbravejar: a sociedade não é inclusiva! É hora de nós fazermos a pergunta baixinho para nós mesmos, somos inclusivos?”. Fale um pouco sobre isso.
Pois é, o que eu acho... não tem jeito, se sou uma professora, se estou em uma sala, se não acredito na inclusão e recebo um aluno com deficiência, se não acredito no potencial dessa criança, se não invisto no potencial dessa criança ela não vai, não tem jeito.
Não adianta colocar a culpa só no outro, na sociedade, somos nós, correto?
Não sou eu, a sociedade é feita pela gente. É você que começa, é você que acredita, porque é um desafio, não é fácil. Na hora que você vê o depoimento dos professores, 99% é assim: “Quando eu recebi um aluno com deficiência, fiquei apavorada”. Depois você diz, não, vamos lá, vou observar, vou olhar, mas eu não vou olhar com desprezo, vou olhar no sentido do que posso fazer, de forma aberta. Como ele se senta, como ele pode, ele segura a caneta de que jeito, o que eu posso melhorar? Eu posso conversar com ele também. Isso é da pessoa e quanto mais você convive mais fica fácil.
Marta, como você vê a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho atualmente?
É um desafio que está indo. Eu escrevi um texto para a Folha [de S.Paulo] recentemente tratando sobre a lei de cotas. Ela chega de uma forma muito antipática, porque ninguém gosta. Se alguém diz “você tem que fazer isso”, você não vai querer. O que vou fazer para escapar disso? Como as empresas podem escapar disso? A gente vem dessa “ideia” de que as pessoas com deficiên- cia não têm capacidade, que vai ter um monte de peso morto, é isso que as empresas muitas vezes pensam. A lei de cotas chega como um remédio amargo e ninguém gosta. O que acontece é que muitas empresas esperneiam e vão recorrendo ao Judiciário até onde dá, impetrando recursos, tal. Outras empresas começaram a dizer “vamos ver como é” e os resultados são ótimos. Agora, nós temos os dados de 2016, não temos os dados mais recentes da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), que é a fonte oficial do ministério, e nós temos um pouco mais de 400 mil pessoas com deficiência no mercado formal, o que, de novo, éocheioeovazio.Deumladoéumnúmero expressivo, de outro lado falta muito ainda. E a gente vai aos poucos produzindo conhecimento.
Fazendo um paralelo com o nosso trabalho sobre a velhice, nós temos no Sesc, no trabalho com idosos, uma diretriz que aponta que de alguma maneira temos que trabalhar para a desconstrução de preconceitos e estereótipos, porque o velho sofre com essa questão. As pessoas com deficiência também podem passar por essas situações. Na sua opinião, quais são as estratégias que temos que ter para desconstruir esses preconceitos e estereótipos para todos?
Tem duas coisas, informação e convivência, e o Sesc foi pioneiríssimo, vocês trouxeram essa questão da terceira idade quando ninguém discutia isso aqui no Brasil. Eu acrescentaria aí, também, acessibilidade. Na hora que você tem informação e que você convive, vai desconstruindo isso, e é importante, porque a longevidade do povo brasileiro está aumentando. Então, você tem pessoas... com a minha idade, minha avó era uma senhorinha que estava em casa, fazia tricô, crochê, muito lúcida, mas tinha encerrado a carreira. Cuidava da casa, fazia um bolo quando os netos iam visitar, enfim, essa classe de vovó que hoje em dia não existe, está mudando. Então, a gente acha que é muito importante que a sociedade tenha essa informação e essa convivência, porque é na convivência que você vai desconstruindo. E que tenha acessibilidade, porque mesmo que uma pessoa com mais idade não tenha uma deficiência, ela, muito provavelmente, pode ter uma dificuldade de locomoção. E é bacana para todo mundo. Você não vai fazer uma rampa para cadeirante, não é o custo-benefício, quantos cadeirantes têm aqui? Não é isso, é para todo mundo.
Marta, quais são seus projetos de vida?
Por enquanto ainda tem muita coisa nessa área de inclusão. Estou fazendo várias coisas, estou com vários projetos, vários sonhos, eu preciso de um dia mais comprido ((risos)).
O que o envelhecimento trouxe para você?
Eu acho que é uma coisa, assim, uma tranquilidade. Não preciso me preocupar tanto com o que as pessoas acham, me autorizo mais. É um empoderamento mesmo, porque o que eu acho que precisa ser feito está muito claro para mim, e uma tranquilidade, não preciso provar, não preciso agradar, fico mais solta.
Você consegue ver uma evolução na sociedade, aqui no Brasil, ou ainda há muito por fazer, o que você acha desse caminho da longevidade?
Eu acho que sim, que avançamos bastante, ainda temos coisas para conquistar, mas temos direitos, nós temos o Estatuto do Idoso, não são privilégios, são direitos, é uma coisa bem diferente. Uma coisa que eu tenho visto e fico muito encantada, não sei se outras pessoas... Eu preciso até conversar, mas comigo, não sei se o fato de ter deixado o cabelo branco, enfim, sei lá...
Está super na moda...
Pois é, teve uma hora que resolvi. Eu tinha cabelo branco na faculdade, então passei por todas aquelas coisas, por hena, luzes, mechas, enfim, fiz tudo até que disse agora chega, assumi. E uma coisa com que fico impressionada é a quantidade de gente com delicadeza, que oferece alguma ajuda, “você quer não sei o quê?”, e tal, sabendo perguntar. Não é aquela coisa de pegar pelo braço, mas perguntando, quer algu- ma coisa, quer alguma ajuda?
Fale mais sobre isso.
É. Tem gente por quem eu passo na rua e tem gente que me cumprimenta, aqui em São Paulo, eu acho inédito, porque é uma cida- de em que todo mundo está sempre sério, no celular, e é muito comum. Eu acho o máximo. Banco ainda é complicado. Eu chego em um caixa eletrônico e é um imã. Vem um atendente lá da frente. Eu lido com caixa eletrônico, têm coisas que são mais sofisticadas, daí eu tenho mais dificuldade, mas caixa eletrônico tudo bem, eu tiro de letra, então vem e eu digo, "não, obriga- da". “Não quer que eu faça?” “Não, não precisa.” É uma atenção, mas também é uma infantilização nossa. Não careço.
Na sua perspectiva a acessibilidade, aspecto essencial para pessoas com deficiência, contribui para a cidadania de toda população?
Certamente. Tem um exemplo que sempre gosto de dar. Alguns anos atrás, a Folha de S.Paulo fez uma pesquisa, não na avenida Paulista, mas nas alamedas paralelas. A Paulista tem um pavimento maravilhoso, mas você sai dali para a alameda Santos e todas as outras ruas e havia uma quantidade de moças executivas que tinham caído, quebrado o salto do sapato alto, quebrado a perna por conta de calçamento. Sem nenhuma deficiência, quem usa salto seis, sete, não tem nenhuma deficiência, mas essas calça- das são uma armadilha. Esse exemplo, para mim, foi muito forte. Não é que a pessoa é distraída, não, é para todo mundo. Alguém com carrinho de bebê, obesos, a gente está com uma população acima do peso, é mais difícil você ter agilidade, é mais fácil torcer o pé, se desiquilibrar.
Marta, quero te agradecer, foi ótimo.
Falei demais...
Imagina, ficaria aqui horas...