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A terceira visão

Ainda hoje guardo viva na memória aquela sessão de cinema. Devia ter entre 4, 5 anos, quando fui assistir em família, na Cinelândia, Rio de Janeiro, Vinte Mil Léguas Submarinas, de Richard Fleischer, baseado na obra de Júlio Verne, com Kirk Douglas, Peter Lorre e James Mason no elenco. Do lado de fora, alguns tapumes... a luz amarelada... um prédio imenso... e aquele polvo gigante abraçando o Nautilus... Para meus olhos de criança, tudo era fascinante. Daquele dia em diante, o cinema ganhou presença fiel em minha formação intelectual e imagética.

Com o tempo, a vontade de contar histórias e não apenas ser expectador delas foi crescendo. Um desejo, creio, comum. “O tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel”, afirmou Platão. Capturar o tempo e imprimi-lo para torná-lo eterno talvez seja um anseio natural, de artistas ou não. Com o jornalismo isso parcialmente ocorria, mas sempre considerei o cinema um ofício criativo mais vivo.

Produzir filmes em uma cidade média do interior, porém, nunca foi tarefa fácil. As câmeras eram caras, não havia iguais para trocar impressões, apesar das histórias serem muitas. Na universidade o ambiente tornou-se mais favorável e logo depois no Sesc, em 2001.  Apesar do tempo justo, o contato com cineastas, roteiristas, montadores e fotógrafos de cinema e também a melhora no acesso às novas tecnologias de gravação e edição aumentaram o desejo de produzir, de forma amadora, filmes caseiros, com temas do entorno, da nossa cultura popular.

Foi assim com Cururu – O Grande Desafio, baseado em repente caipira, e Bendito Batuque, sobre uma festa centenária de Piracicaba, que acabou compondo a programação do Festival In-Edit Brasil, de Documentário Musical em 2017. Entre tantas madrugadas na ilha de montagem caseira, descobri o Da Vinci Resolve, software com versão gratuita, utilizado inicialmente para ajuste de cores de filmes, mas que recentemente expandiu seus recursos e agora possibilita uma montagem com qualidade. Lembro-me de uma oficina com Jorge Bodanzky, em 2006, autor de clássico do cinema nacional, Iracema – Uma Transa Amazônica, quando questionado sobre as novas possibilidades das câmeras digitais. Foi enfático – ajuda, mas o principal é ter uma boa ideia.

Em Piracicaba, as produções de experimentações multimídias têm ganhado fôlego. Por meio de cursos e oficinas, o Sesc tem apoiado a inventividade do público dentro do Espaço de Tecnologias e Artes, carinhosamente chamado de ETA, e prepara para breve, agora bem equipado com câmeras digitais, computadores atuais, softwares para edição de vídeo e som e spots de luz que permitem gravações em excelente qualidade, um ponto de encontro ativo para conectar estudantes, roteiristas, diretores, atores e atrizes, diretores de arte, câmeras, fotógrafos e leigos interessados da cena local em um grande coletivo produtor de histórias. As criações já começaram e as expectativas são das melhores.

Em um tempo em que a captura do tempo está na palma da mão, por meio dos celulares com câmera, a produção audiovisual tem-se ampliado exponencialmente, em todos os planos. Uma das sequências mais emblemáticas da história do cinema, encontrada no epílogo do filme, 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, de certa forma sintetiza esse momento, quando o tenente David Bowman mergulha em uma viagem psicodélica e pop até enxergar-se no útero materno. Explica em parte esse eterno desejo do homem de encontrar-se consigo mesmo, por meio da própria reprodução pictórica.

 

Chico Galvão é coordenador de programação
do Sesc Piracicaba, tecnólogo e cineasta amador.

 

 

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