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Muito mais do que o direito ao ócio
Texto: Henrique Barcelos Ferreira
Gerente Adjunto do Sesc Bertioga
Sentido a brisa do mar, sem pressa nenhuma, no caminho até uma atividade ou simplesmente ao testemunhar a tarde que cai, o visitante do Sesc Bertioga tem sua atenção atraída por tantas experiências, que nem sempre percebe tudo o que há por trás delas e do direito ao ócio que ali lhe é assegurado. O que para muitos pode parecer um simples local de descanso, igual a tantos outros, é uma imensa rede de serviços, práticas e programas construídos ao longo de décadas para oferecer uma estrutura única em seu gênero.
Sobre os pilares do lazer, do turismo social, da cultura, da educação, da saúde e da cidadania, o Sesc Bertioga tem um vasto aprendizado a compartilhar. Nascido de uma pioneira colônia de férias, quase 70 anos atrás, o atual complexo socio-educativo e de lazer leva à prática a diretriz estratégica da sustentabilidade. Soma a poderosa ação transformadora da cultura ao clássico tripé social-econômico-ambiental e cumpre sua missão articulando um robusto conjunto de ações de gestão e educação ambiental.
Nossa história começa numa época em que poucas pessoas se davam conta da importância de inserir a questão do tempo livre no cotidiano dos trabalhadores. A relação entre ócio, bem-estar e desenvolvimento sociocultural dos indivíduos estava longe de ser tão bem estabelecida como é hoje. Vivíamos os primeiros anos do pós-guerra quando o Sesc criou, em 1948, a Colônia de Férias Ruy Fonseca, hoje Sesc Bertioga. Havia 28 casas pré-fabricadas, que acomodavam pouco mais de 200 pessoas por vez. Hoje a unidade tem capacidade para receber cerca de mil hóspedes, em casas e conjuntos de apartamentos. As instalações de hospedagem, os equipamentos socioeducativos, de lazer e serviços ocupam mais de 400 mil m², dos quais, 38 mil m² são de área construída. Criada para desenvolver atividades de turismo social, a unidade vem ampliando seu campo de atuação e também o seu público. Hoje realiza um amplo conjunto de projetos, programas e eventos.
Crianças, jovens, adultos e idosos, sejam hóspedes, visitantes de um dia ou moradores da cidade, todos podem participar de uma vasta programação. A agenda de atividades é composta de práticas corporais, recreação, programas esportivos e sociais, oficinas criativas de valorização social e de desenvolvimento artístico, apresentações musicais, espetáculos de teatro e de dança, apresentações circenses, exibições de filmes, intervenções literárias e em artes visuais. Inclui ainda ações educativas nas áreas de diversidade cultural, sustentabilidade, saúde, alimentação e nutrição. As ações estão pautadas no favorecimento do convívio social, no respeito às diferenças, no fortalecimento das relações humanas e no acesso a bens culturais e ao conhecimento necessários à promoção da qualidade de vida e desenvolvimento integral de seus equentadores. Com tal multiplicidade de temas, em ambiente agradável de convivência, o Sesc Bertioga oferece atividades, espaços e experimentações, de modo a permitir que o precioso tempo disponível de seus visitantes seja apropriado como tempo criativo para autoformação e oportunidade privilegiada de usufruir o ócio.
{Três iniciativas marcantes ajudam a entender a construção coletiva, que parte da observação, articula interação com conhecimento e se expande em uma ampla ação no território}
Localizado no sopé da Serra do Mar, com área verde preservada de cerca de 2 milhões de metros quadrados, o Sesc Bertioga reúne condições naturais únicas para desenvolver sua missão de espaço educador, voltado à temática socioambiental. Sua abordagem de aspectos da biodiversidade e das culturas locais é feita em forma de passeios, vivências, o cinas e encontros educativos. Assim, amplia-se o entendimento e a participação dos atores sociais na discussão sobre territórios sustentáveis, conservação da natureza e questões socioeconômicas e culturais, imprescindíveis ao desenvolvimento equilibrado das cidades. O respeito pelo ambiente e o fortalecimento do contato com a natureza estão presentes desde o início.
Alguns bons exemplos — nem sempre muito visíveis, embora vitais — são a captação de água da serra, o sistema de tratamento de esgotos, que evita a contaminação das praias, e o viveiro que se utiliza de mudas de espécies vegetais, preferencialmente nativas, para manutenção e conservação dos jardins.
Nas áreas verdes no Centro de Hospedagem desenvolve-se um projeto de paisagismo alinhado ao conceito de ecogênese. Essa abordagem orienta a reconstrução da paisagem modificada valendo-se da proposta de reconstituição das suas características originais. Assim, a vegetação vai sendo recomposta com espécies nativas da restinga, zona de transição entre a oresta e o litoral. Nesse cenário e em seu entorno avança o bem sucedido programa “Lixo: Menos é Mais”, que mobiliza funcionários e frequentadores, com a proposta de repensar padrões de consumo e produção de resíduos. Neste local tão adequado a compartilhar conhecimentos, realizamos ações formativas — grandes discussões de temas de interesse público, pautadas por critérios de relevância sociocultural e transversalidade. Em 2014 o Sesc Bertioga recebeu a Conferência Internacional de Educação Ambiental e Sustentabilidade “O Melhor de Ambos os Mundos”, realizada em parceria com a Universidade de São Paulo. Criada em 1998 pela University of South Africa para favorecer o compartilhamento de experiências em educação ambiental e educação para o desenvolvimento sustentável, a realização da Conferência tem contribuído para fortalecer redes articuladas nessa área.
O atual estágio de pensamento e ação do Sesc Bertioga no plano socioambiental é fruto de um longo processo de aprendizado. Nas últimas décadas, três iniciativas marcantes ajudam a entender a construção coletiva, que parte da observação, articula interação com conhecimento e se expande em uma ação no território. Dessa forma, ativa novas redes sociais, culturais e ambientais. Numa linha hipotética, que mostrasse o Sesc Bertioga desde seu início como Colônia de Férias até sua transformação no atual espaço educador, um momento de destaque seria o ano de 1992, com a implantação do projeto Avifauna.
Criado com a intenção de recuperar a flora original para manutenção da avifauna local, que se havia afastado, o Avifauna hoje é um grande conjunto de ações. Cobre desde um estudo das mais de 180 espécies de aves que ocorrem na unidade e arredores, até estratégias para sua atração e permanência — como instalação de comedouros e bebedouros e plantio de espécies vegetais. Seus resultados incluem compartilhamento de aprendizados, como uma publicação sobre o tema e atividades formativas, além de eventos e programas permanentes de observação com o público. Esses resultados provam que observar o entorno, reconhecer-se no ambiente, regenerando-o e aprendendo com ele, é também um caminho para transformar-se.
Outro marco dessa transformação do Sesc Bertioga deu-se com a criação do Centro de Educação Ambiental, CEA, em 2008. Trata-se de um espaço concebido para que as pessoas possam interagir com o conhecimento sobre o ambiente. Utiliza-se de recursos cenográficos, expográficos e elementos lúdicos para abordar a biodiversidade e as culturas locais. Com o tema “Entre a Serra e o Mar”, seu foco é a realidade onde se insere, a Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do Brasil. O CEA estimula o convívio e ações educativas para estudantes e hóspedes, além de ações comunitárias sobre formas mais sustentáveis de desenvolvimento local.
Se com o Avifauna o aprendizado foi o da observação e com o CEA o da interatividade com o conhecimento, o novo marco se dá com a criação da Reserva Natural no Sesc Bertioga. Com mente de instituição sociocultural e coração de Mata Atlântica, o Sesc Bertioga abraça a diversidade cultural e ambiental e realiza sua grande missão educacional. Trata-se de aplicar no território o pensamento central da estrátégia. O binômio educação e ambiente, nesse estágio, deixa de ser uma diretriz circunscrita aos limites da unidade para ampliar-se numa ação conjunta com a comunidade do entorno. Com grande potencial para receber ações permanentes, voltadas à conservação, ao turismo e à educação socioambiental, a àrea, de cerca de 60 hectares, está em vias de ser reconhecida pelo poder público como Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN).
Vemos a educação para a sustentabilidade como elemento de transformação cultural. Buscamos desenvolver ações de sensibilização e formação dos públicos interno e externo, para a compreensão das inter-relações entre sociedade e ambiente. Assim, ajudamos a promover valores, conhecimentos e atitudes que contribuam para o equilíbrio socio-ambiental e que estimulem a atuação cidadã. Em constante aprendizado, o Sesc Bertioga amplia e aprimora seu trabalho de responsabilidade social junto à comunidade da região, fortalecendo o compromisso da instituição com a promoção do bem-estar e da qualidade de vida, hoje e para as futuras gerações.
{Com mente de instituição sociocultural e coração de Mata Atlântica, o Sesc Bertioga abraça a diversidade cultural e ambiental e realiza sua grande missão educacional}